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A estranha vontade de não ser livre (por Roberto Brant)

Mais triste do que perder a liberdade é perder a vontade de ser livre

atualizado

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Carolina Giovanelli/Metrópoles
Bolsonaristas promoveram ataques ao STF em protesto em SP
1 de 1 Bolsonaristas promoveram ataques ao STF em protesto em SP - Foto: Carolina Giovanelli/Metrópoles

Winston Churchill, com a sua insuperável precisão no uso das palavras, disse certa vez que a democracia é o pior regime de governo, à exceção de todos os demais que existem ou já existiram.

Isso foi em 1947, logo após o fim da Segunda Grande Guerra, quando ele foi decisivo na luta que custou milhões de vidas para salvar o destino da liberdade humana contra o nazismo e o fascismo.

Graças às derrotas dos regimes totalitários na Europa Ocidental, a própria ditadura que ainda vigorava no Brasil foi derrubada. Minha geração cresceu e se tornou adulta num ambiente democrático, imaginando que a democracia nunca mais seria vencida, pois homens uma vez livres nunca mais aceitariam viver sem liberdade.

Embora fosse então um experimento recente na longa história humana e mesmo sabendo que quase metade do mundo ainda vivia sob o jugo da ditadura soviética, sonhávamos que em pouco tempo a democracia seria o regime de toda a humanidade – e, para sempre. De fato, embora não tão depressa como imaginamos, os regimes socialistas na Rússia e na Europa Oriental acabaram desabando por si mesmos, sem a necessidade de um único tiro.

Mesmo entre nós, a democracia foi interrompida em 1964, sob falsos pretextos, mas terminou 20 anos depois do mesmo modo, sem luta ou resistência, ruindo sob o peso das promessas que não cumpriu e dos sofrimentos que causou.

A democracia foi ferida muitas vezes e em muitos lugares com o apoio das próprias populações, movidas pela ilusão de que, com o fechamento do Parlamento e dos Tribunais, o líder é capaz de resolver sem embaraços e com mais urgência os problemas do povo.

Os ritos da elaboração democrática das leis e do Estado de Direito podem parecer exasperantes para quem tem pressa de ver prevalecer sua visão particular do mundo, ou seus interesses, e de castigar as pessoas sem julgamento. Mas sem eles, a maioria da população não tem como defender-se da injustiça ou da força.

Um notável político conservador inglês do século XIX, Lord Acton, enunciou uma verdade definitiva: todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Todo homem, ou grupo de homens, quando exerce o Poder sem as limitações do Poder Legislativo e sem o controle do Poder Judiciário, fatalmente dele abusa e o exerce em seu benefício ou de seu grupo. Esta é uma verdade que atravessa a vida da humanidade através dos séculos e dos milênios e viverá para sempre.

Tudo isso vem à mente em razão das manifestações de 7 de setembro em Brasília e em São Paulo. Manifestações fazem parte da vida nas democracias, mas desta vez ocorreu algo que não fazia parte de nosso repertório político e tem a ver com os propósitos e as intenções dos manifestantes. Aquelas multidões estavam reunidas com a esperança de que a democracia brasileira morresse até o fim do dia.

Três exemplos bastam para confirmar esta suspeita e torná-la uma constatação. Mensagens trocadas, no fim da tarde, em um grupo de Whatsapp que reunia mais de uma centena de grandes proprietários rurais, presentes às manifestações, expressaram a frustração e amargura de quase todos, porque o movimento não tivera efeito prático, o Supremo e o Senado não foram invadidos e tudo continuaria na mesma. Eles esperavam ação, não apenas palavras.

Um competente advogado de São Paulo, assíduo frequentador em grandes julgamentos no Supremo, foi à manifestação na avenida Paulista, vestido com as cores da bandeira, e à noite, em várias mensagens revelou sua alegria pelo fato de que o Presidente havia conseguido unir o povo contra o Supremo e seus ministros. Para ele, as coisas nunca mais seriam as mesmas.

Finalmente, um amigo, comerciante no interior de Minas, lamentou-se desapontado com o recuo do presidente: “O homem não firmou! Não sei o que será agora!”.

A grande maioria do Brasil ficou em casa, mas alguns milhares foram às ruas pedindo para o país ser governado pelo poder absoluto. Deveriam saber que a democracia é o único regime que garante a liberdade, e mais triste do que perder a liberdade é perder a vontade de ser livre.

 

Roberto Brant foi ministro da Previdência Social; https://capitalpolitico.com/

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