Poucas coisas são tão unânimes em nosso país quanto o sentimento de que a política brasileira tem evoluído quase sempre para pior e que dificilmente vamos superar problemas como a pobreza e a desigualdade social se as instituições políticas não forem radicalmente transformadas.
Esta possibilidade, no entanto, está cada vez mais longe no horizonte.
Na semana que passou fomos surpreendidos com a notícia de que o Congresso Nacional, ao votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022, encontrou um meio de incluir no texto um novo valor para o financiamento público das eleições do ano que vem.
O Fundo Eleitoral, que em 2018 chegou a R$ 1,7 bilhões para cobrir os custos das campanhas, está sendo agora majorado para R$ 5,7 bilhões, um salto de 235% diante de uma inflação que, no mesmo período, não será superior a 20%.
O disparate torna-se mais gritante se nos lembrarmos de que está em vigor um teto constitucional que limita todas as despesas do orçamento federal à inflação acumulada.
Em meio a tantas crises e tantas carências, quando, até por instinto de sobrevivência, a nação começa a se mobilizar para sonhar com alguma mudança nas eleições de 2022, os políticos cometem essa afronta, capaz de matar qualquer esperança ainda no nascedouro.
Uma das coisas mais fáceis que existem é condenar os políticos por tudo o que fazem. Mais difícil é investigar e condenar quem concorreu também, fora da política, para o contexto em que eles atuam.
Não sou mais um político em atividade, mas por vinte anos exerci mandatos parlamentares e fui membro da Constituinte de 1987. Nessa condição tive tempo e interesse para refletir sobre os defeitos do nosso sistema político.
A conclusão a que chego hoje é que o Supremo Tribunal Federal é um grande responsável pela miséria da política brasileira.
O maior problema da nossa política é a excessiva fragmentação partidária. Temos 33 partidos representados no Parlamento, mas a maioria deles não representa nada, nem ninguém. São meras plataformas para obtenção de benefícios privados.
Nessa Babel partidária os governos têm que negociar no varejo as suas propostas e, com isto, raramente têm apoio para políticas verdadeiramente públicas.
Em 1995 o Congresso aprovou uma legislação que impunha um limite mínimo de votos para que os partidos tivessem acesso ao Parlamento, a partir das eleições de 2006. Em vigor a lei, teríamos hoje algo como cinco a seis partidos.
Nas vésperas do pleito, no entanto, uma década após, quando a lei geraria seus efeitos, o Supremo resolveu decidir que era inconstitucional, sacramentando de vez o caos na ordem política.
Estava aberto o mercado das transações políticas que desqualificam tanto a vida pública brasileira e que nos tornam uma nação ingovernável. A intervenção do Supremo na feitura das leis não parou aí.
O constituinte de 88 optou por não alterar o sistema de financiamento eleitoral que existia, e pelo qual obtiveram seus mandatos. As eleições seguintes se realizaram dentro das mesmas regras de sempre, sem nenhum problema.
De repente, em 2015, o Supremo decidiu que aquele sistema também era inconstitucional e que as campanhas deveriam ser financiadas com dinheiro público, com o pretexto de melhorar a representação política.
Hoje eu me pergunto se haverá uma única pessoa que tenha a coragem de afirmar que a representação política melhorou em relação ao passado. A população sabe que tudo piorou muito e ela tem que continuar pagando caro para que tudo piore ainda mais.
Se temos partidos demais, se eles custam muito caro e ainda tornam o país ingovernável, temos que reconhecer que tudo isto se deve a erros grandes demais do Supremo Tribunal.
Um dos seus ministros disse, certa vez, que o Supremo tem o privilégio de errar por último. Se seus erros são incorrigíveis poderiam, pelo menos, ter mais humildade e prudência ao julgar questões de ordem pública e que afetam de modo permanente a vida do país. Isto, contudo, pode ser sonhar demais.
Roberto Brant, ex-ministro da Previdência e Assistência Social; https://capitalpolitico.com/