Ao analisar o resultado de sua campanha, o deputado federal Raul Henry, da ala histórica do MDB pernambucano, acertou na mosca: “Nossa equipe fez um mandato e uma campanha exemplares, mas essa virtude nos derrotou”.
Reconhecido como um dos ocupantes mais íntegros da Câmara Federal, Henry foi um dos 30 deputados (de um total de 513!) que votaram contra o Orçamento Secreto. Apesar disso (ou por isso mesmo?), não se reelegeu em outubro último.
Mas ele não está sozinho. O mesmo tem acontecido com outros deputados de elevado espírito público, chamados de “últimos românticos” pelos próprios colegas.
A Bancada da educação diminuiu, mas o movimento pró-armas elegeu duas dezenas de representantes. Ricardo Salles elegeu-se com o triplo de votos de Marina Silva (no auge do aquecimento global!).
Quem diria, fará falta o presidencialismo de coalizão, agora insuficiente para as tratativas no ‘novo normal’ da política. Até veteranos experientes ruborizaram este ano. A inflação chegou ao mercado eleitoral, muito mais alta do que na economia comum.
A realpolitik entrou em nova fase. O Legislativo adquiriu aspirações de co-Executivo. Instrumentos como as Emendas de Relator inauguram uma espécie de parlamentarismo branco.
Desde já, os partidos sinalizam que a nova Legislatura, apesar de mais conservadora, não quer atrapalhar o Presidente de centro-esquerda. E o caminho para a trégua será o trivial, que Lula conhece bem (a novidade é o preço do ticket).
Nesse cenário, uma nova curva de oferta-demanda ditará a relação entre um Executivo convalescente e um Congresso vigoroso. Muito além da reabilitação de Lula ou do PT, está em jogo a governabilidade democrática.
É bem verdade que Lula venceu com louvor, considerando-se sua posição de largada desfavorável (a estadia em Curitiba). Ao contrário, Bolsonaro perdeu feio, levando-se em conta seu ponto de partida vantajoso (o Palácio do Planalto).
Mesmo assim, será mais fácil governar se Lula admitir que sua missão, dessa vez, é devolver fôlego democrático ao Estado de direito (e se o PT souber acolher as contribuições da ampla frente que o elegeu).
Se der certo, quem sabe, algum dia, as “virtudes” voltem a ter chance de vitória e possamos ver, outra vez, políticos “românticos” povoando a Esplanada.
Felipe Sampaio: foi assessor dos ministros da Defesa (2016-2018) e da Segurança Pública (2018); ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020); colabora com o Centro Soberania e Clima.