Vinte dias antes da chegada a Pequim do presidente Luís Inácio Lula da Silva, para uma visita oficial, a China começou a definir seus novos rumos políticos e econômicos. O cenário inclui mais um mandato ao presidente Xi Jinping, um novo primeiro-ministro e a promessa de retomada do crescimento da economia.
As novidades foram anunciadas durante a abertura da sessão anual da Assembleia Popular Nacional da China. Depois de um período difícil, com baixas taxas de crescimento e um grande número de mortes, após o fim da política de Covid Zero, o país procura demonstrar um quadro de estabilidade política e de promissoras possibilidades na economia.
Ao se despedir dos 2848 delegados presentes no grande Salão do Povo, no centro de Pequim, o primeiro-ministro Li Keqiang apresentou números reconfortantes, embora ainda distantes daqueles que marcaram a ascensão meteórica da China.
Para 2023, Keqiang prometeu 5% de crescimento, uma taxa modesta para os padrões chineses, mas ainda assim superior aos 3% alcançados em 2022. Projetou também inflação de 3% e déficit público igualmente de 3% do Produto Interno Bruto (PIB).
A grande imprensa ocidental registrou com ênfase outro número apresentado pelo primeiro-ministro que se despede: o aumento de 7,2% nos gastos com defesa. Mesmo assim, as despesas chinesas serão três vezes menores que as dos Estados Unidos.
Serão ainda equivalentes a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), percentagem que o Japão alcançará até 2027. Nos EUA, as despesas militares são de 3% do PIB.
A imprensa chinesa preferiu dar foco a outros indicadores. Ao longo de 2023, anunciou o Diário do Povo, serão criados 12 milhões de empregos urbanos, o que limitará a 5,5% o total de desempregados. O meio rural também promete novidades: uma safra de 650 milhões de toneladas.
Mais que números, as divergências de enfoque têm algo a dizer sobre prioridades. O Ocidente procura mostrar que Xi Jinping reforçará seu poder – inclusive com a indicação do novo primeiro-ministro, Li Qiang, que foi secretário-geral do Partido Comunista em Shanghai até 2022.
A imprensa oficial chinesa, por sua vez, tem destacado ao longo dos últimos dias a estabilidade política e os números da retomada do crescimento econômico. Juntamente com a promessa de ampliar os investimentos em pesquisa – foco principal na disputa do país com os Estados Unidos.
No relatório apresentado à Assembleia Popular, o primeiro-ministro que está de partida lembrou o desafio de seu país. “Nossas políticas devem mirar o fortalecimento nacional e a construção de nossa autossuficiência em ciência e tecnologia”, disse Keqiang.
Ele não mencionou diretamente os semicondutores, que durante a pandemia se mostraram tão importantes para a indústria mundial, mas é principalmente disso que se trata. A competição da China com os Estados Unidos se dá em campos como os de planejamento de chips e da pesquisa da inteligência artificial.
E o que tudo isso tem a ver com a visita oficial a Pequim do novo presidente brasileiro? As escolhas do regime chinês parecem claras: no centro das atenções estão temas como o crescimento econômico e a disputa estratégica com os Estados Unidos.
Temas como a guerra da Ucrânia podem até constar da declaração final da visita de Lula a Pequim. No entanto, a reaproximação entre os dois países, após os quatro anos de Jair Bolsonaro, devem passar sobretudo pela agenda econômica e, talvez, por iniciativas conjuntas na área social, como o apoio ao combate à fome no mundo.
No campo da ciência e da tecnologia, que conquista ares cada vez mais estratégicos, podem surgir promessas de novas parcerias. Tanto na pesquisa espacial, uma já tradicional área de cooperação, como no politicamente sensível tema da produção e pesquisa de chips.
A China não está ainda na fronteira do desenvolvimento do setor. As principais referências na produção de semicondutores são Taiwan e Coreia do Sul. E os Estados Unidos procuram atrair parte da produção para seu próprio território ou de países considerados aliados.
Washington pretende reduzir a dependência atual do fornecimento de chips produzidos na Ásia. As falhas nas cadeias globais de produção evidenciadas durante a pandemia levaram o governo norte-americano a perceber a importância estratégica de contar com fornecedores mais próximos e amigáveis.
Não vai ser fácil colocar o Brasil na lista de prioridades das empresas internacionais que detêm o know-how de produção de microprocessadores. Pode ser que o país consiga aos poucos produzir chips de menor conteúdo tecnológico, mas que ainda assim fazem falta à sua indústria.
Mesmo diante dessas dificuldades, porém, o Brasil pode se posicionar politicamente de forma a atrair tanto investidores norte-americanos em busca de territórios próximos e amigáveis, quanto investidores chineses interessados em diversificar sua pauta de negócios bilaterais.
Se souber exercitar o pragmatismo já demonstrado em mandatos anteriores, Lula poderá aprofundar a cooperação econômica e tecnológica com a China sem fechar as portas para uma aproximação com os Estados Unidos de Joe Biden, que tem emitido sinais de boa vontade.
O cenário global atual é complexo e pode vir a exigir do Brasil escolhas mais nítidas de sua política externa. Mesmo assim, ainda existe espaço para aprofundar os laços econômicos com as duas principais potências deste complicado início de século.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.