Parecia um filme apocalíptico. Enquanto ameaças terroristas agitavam Brasília nos últimos dias, foi nos céus da América do Norte que explodiu uma bomba descomunal, de fazer inveja à Coreia do Norte ao colocar de joelhos a maior potência militar e econômica do planeta.
A explosão avassaladora congelou em questão de horas os Estados Unidos de norte a sul, e parte do Canadá, deixando 200 milhões de pessoas sob estado de alerta e mais de dois milhões de residências e empresas no escuro e no frio.
A queda de pressão e temperatura provocada pela bomba foi tão violenta que despencou os termômetros para até -56°C, em pleno aquecimento global. O gelo cobriu rapidamente milhares de quilômetros de rodovias, milhões de hectares de plantações e centenas de cidades.
Imediatamente congelou equipamentos como automóveis, geradores de energia e esteiras de bagagem em aeroportos. Seis mil voos foram cancelados e outros 25 mil adiados. A polícia, bombeiros, forças armadas e hospitais viram-se paralisados por tormentas sem precedentes.
A governadora do estado de Nova York declarou que a bomba colossal entrará para a história pelo seu impacto devastador, que deixou a região com aparência de uma zona de guerra.
O saldo de apenas 50 mortos se deve à Graça divina. Poderiam ter sido 50 mil ou 50 milhões (só o acaso explica). E a bomba, portadora do maior efeito de destruição em massa da história, pode ser apenas a primeira de inúmeras com poderio cada vez maior.
Não é à toa que esse extremo climático é chamado de ciclone-bomba, considerando-se a potência com que desarruma a baixa atmosfera, quando uma poderosa bolha de ar polar congelante vinda do Ártico explode ao se chocar contra o ar quente do Golfo.
O evento já é conhecido na região em menor escala, mas desta vez sua força testou os limites humanos. Não se sabe o que aconteceria se alcançasse mais alguns dias, ou menos alguns graus.
É esse tipo de “crônica de uma morte anunciada” que caracteriza a emergência climática global. Por isso, não é exagero quando o secretário-geral da ONU alerta para a iminência do caos climático irreversível.
Cientificamente, define-se como caos toda situação em que pequenas alterações em alguns fatores possam desencadear efeitos imprevisíveis e desproporcionais, que levem um sistema inteiro (nesse caso, o clima do planeta) ao colapso sem retorno.
O ciclone-bomba é um exemplo típico dessa espécie de ocorrência, aplicado às mudanças climáticas. É difícil identificar com exatidão o estopim da bomba que detonou no colo yankee. Também é complicado calcular as repercussões do fenômeno, que podem emergir em lugar, tempo e intensidade inesperados.
Contudo, é possível sim compreender, sem resto de dúvida, que se trata de mais um desequilíbrio caótico do clima, cuja gravidade galopante os governos e os mercados ainda resistem em reconhecer e tomar providências, na escala de tempo e amplitude necessária.
Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; foi assessor dos ministros da Defesa (2016-2018) e da Segurança Pública (2018); ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020).