Blog com notícias, comentários, charges e enquetes sobre o que acontece na política brasileira. Por Ricardo Noblat e equipe

19 anos Blog do Noblat

A bomba que derrotou a América (por Felipe Sampaio)

Não é à toa que esse extremo climático é chamado de ciclone-bomba, considerando-se a potência com que desarruma a baixa atmosfera

atualizado 29/12/2022 0:42

Man clears his driveway on Hamburg, New York. The Buffalo suburb and surrounding area was hit hard by the winter storm Elliott with wind gusts over 70 miles per hour battering homes and businesses through out the holiday weekend - Metrópoles John Normile/Getty Images

Parecia um filme apocalíptico. Enquanto ameaças terroristas agitavam Brasília nos últimos dias, foi nos céus da América do Norte que explodiu uma bomba descomunal, de fazer inveja à Coreia do Norte ao colocar de joelhos a maior potência militar e econômica do planeta.

A explosão avassaladora congelou em questão de horas os Estados Unidos de norte a sul, e parte do Canadá, deixando 200 milhões de pessoas sob estado de alerta e mais de dois milhões de residências e empresas no escuro e no frio.

A queda de pressão e temperatura provocada pela bomba foi tão violenta que despencou os termômetros para até -56°C, em pleno aquecimento global. O gelo cobriu rapidamente milhares de quilômetros de rodovias, milhões de hectares de plantações e centenas de cidades.

Imediatamente congelou equipamentos como automóveis, geradores de energia e esteiras de bagagem em aeroportos. Seis mil voos foram cancelados e outros 25 mil adiados. A polícia, bombeiros, forças armadas e hospitais viram-se paralisados por tormentas sem precedentes.

A governadora do estado de Nova York declarou que a bomba colossal entrará para a história pelo seu impacto devastador, que deixou a região com aparência de uma zona de guerra.

O saldo de apenas 50 mortos se deve à Graça divina. Poderiam ter sido 50 mil ou 50 milhões (só o acaso explica). E a bomba, portadora do maior efeito de destruição em massa da história, pode ser apenas a primeira de inúmeras com poderio cada vez maior.

Não é à toa que esse extremo climático é chamado de ciclone-bomba, considerando-se a potência com que desarruma a baixa atmosfera, quando uma poderosa bolha de ar polar congelante vinda do Ártico explode ao se chocar contra o ar quente do Golfo.

O evento já é conhecido na região em menor escala, mas desta vez sua força testou os limites humanos. Não se sabe o que aconteceria se alcançasse mais alguns dias, ou menos alguns graus.

É esse tipo de “crônica de uma morte anunciada” que caracteriza a emergência climática global. Por isso, não é exagero quando o secretário-geral da ONU alerta para a iminência do caos climático irreversível.

Cientificamente, define-se como caos toda situação em que pequenas alterações em alguns fatores possam desencadear efeitos imprevisíveis e desproporcionais, que levem um sistema inteiro (nesse caso, o clima do planeta) ao colapso sem retorno.

O ciclone-bomba é um exemplo típico dessa espécie de ocorrência, aplicado às mudanças climáticas. É difícil identificar com exatidão o estopim da bomba que detonou no colo yankee. Também é complicado calcular as repercussões do fenômeno, que podem emergir em lugar, tempo e intensidade inesperados.

Contudo, é possível sim compreender, sem resto de dúvida, que se trata de mais um desequilíbrio caótico do clima, cuja gravidade galopante os governos e os mercados ainda resistem em reconhecer e tomar providências, na escala de tempo e amplitude necessária.

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; foi assessor dos ministros da Defesa (2016-2018) e da Segurança Pública (2018); ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020).

Últimas do Blog