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365 dias decisivos para o futuro do Brasil (por Marcos Magalhães)

Lula experimenta a difícil convivência com um Congresso Nacional majoritariamente de oposição

atualizado

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Vinícius Schmidt/Metrópoles
Presidente Lula discursa após encerramento da Reunião com Presidentes da América do Sul no Palácio do Itamaraty 14
1 de 1 Presidente Lula discursa após encerramento da Reunião com Presidentes da América do Sul no Palácio do Itamaraty 14 - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

Os 365 dias entre a festa de posse de Luís Inácio Lula da Silva, em Brasília, e o espocar dos primeiros fogos a receber 2024, nos céus de Copacabana, dirão muito sobre o futuro do Brasil.

A imagem de Lula subindo a rampa do Palácio do Planalto em janeiro ao lado do cacique Raoni e de representantes de movimentos sociais correu o mundo. Era o retrato sem retoques do ingresso do país em uma nova fase de democracia e inclusão social.

Nos primeiros minutos do seguinte dia primeiro de janeiro, as centenas de milhares de pessoas que se reunirão nas areias de Copacabana renovarão o ritual de esperança no ano que chega. Mas o que dirão as legendas das fotos dessa festa publicadas ao redor do planeta?

O primeiro ano de um mandato geralmente indica o rumo de um novo governo. Aponta caminhos, testa lideranças e reposiciona o país aos olhos da comunidade internacional. No caso do Brasil, uma atenta e preocupada comunidade internacional.

Afinal, aos cuidados do antecessor, o país havia flertado com a ruptura da democracia, sofrido como nenhum outro os rigores de uma pandemia e testemunhado alguns dos mais preocupantes índices de desmatamento de sua história.

Lula foi (bem) recebido pelo mundo como o líder capaz de preservar o regime democrático e proteger a imensa floresta amazônica. Além de lançar as bases da retomada do crescimento econômico, mais uma vez acompanhada de redução da desigualdade social.

É difícil prever como estará o país ao final do seu terceiro mandato. Mas é possível levantar algumas questões a partir do que tem ocorrido nos cinco primeiros meses de governo.

A começar pela questão democrática. É fato que hoje não existe mais a preocupação de que o ocupante do Palácio do Planalto venha a organizar alguma tentativa de adoção das chamadas práticas iliberais que acompanham no início deste século os regimes populistas.

O presidente experimenta, porém, a difícil convivência com um Congresso Nacional majoritariamente de oposição, em alguns casos bastante radicalizada, e com um presidente da Câmara de Deputados disposto a mostrar que o protagonismo político atravessou a rua.

A base governista já sofreu derrotas importantes, apesar da distribuição de cargos e da liberação de emendas parlamentares. Ao que tudo indica, cada votação relevante deverá ser precedida de uma negociação específica.

Até mesmo os reflexos de uma política externa geralmente ignorada ajudaram a tornar mais azedo o clima no Congresso Nacional. Repercutiram muito mal ali as palavras de Lula em favor do regime político da Venezuela, cujas críticas, a seu ver, seriam apenas “narrativas”.

Se Lula foi eleito com a bandeira da defesa da democracia, argumentaram não apenas seus críticos como os eleitores de centro que o apoiaram, como ele pode se desmanchar em elogios ao chefe de um governo acusado de calar a imprensa e reprimir a oposição?

Além das críticas imediatas de colegas como os presidentes do Uruguai, Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, as declarações de Lula levantaram dúvidas junto a comentaristas internacionais.

“Muitos dos líderes da região – tanto à esquerda como à direita – não concordam mais sobre o que define uma democracia ou uma ruptura democrática”, escreveu na página da Internet do conceituado think tank Council on Foreign Relations o cientista político Will Freeman. “Tudo depende de sua própria posição política”.

Lula precisará, portanto, medir suas palavras para manter o reconhecimento internacional como um democrata defensor dos direitos humanos. A defesa enfática de Nicolás Maduro não vai ajudá-lo nessa tarefa.

As dificuldades no Congresso causaram prejuízo a Lula em outra área igualmente sensível – a do meio ambiente. A maioria conservadora na Câmara dos Deputados decidiu esvaziar os poderes de duas líderes emblemáticas da nova gestão – Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Sônia Guajajara, titular da pasta dos Povos Indígenas.

A negociação foi marcada pela chantagem. Ou a base governista aceitava o esvaziamento, ou a medida provisória que redesenhava a Esplanada dos Ministérios perdia validade. Prevaleceu o pragmatismo político.

Ao longo dos próximos meses, Lula deverá buscar uma fórmula para preservar a influência das duas ministras em sua gestão, mesmo que formalmente desfalcadas de algumas de suas principais atribuições. Ambientalistas de todo o mundo manterão os olhos abertos.

O olhar especial sobre o meio ambiente acompanhará também de perto os novos rumos da economia brasileira. Lula foi eleito com um discurso em favor da economia verde e de tudo que isso representa – energia limpa e estímulos a produtos de baixo carbono no campo e nas cidades.

Ainda no primeiro semestre do terceiro mandato, porém, o presidente já levantou polêmica ao se mostrar aberto, ainda que timidamente, à exploração de petróleo na costa do Amapá. Afinal, disse ele, a foz do Amazonas estaria a mais de 500 quilômetros do poço de prospecção.

A prioridade de Lula seria para energias limpas ou para o petróleo em águas profundas, agora na região amazônica? A segunda hipótese seria bem recebida pelos participantes da COP 30 (Conferência do Clima), a ser realizada em 2025 na cidade de Belém?

Outra importante decisão a ser tomada nos próximos meses, esta pelo Poder Legislativo, mas acompanhada de perto pelo Executivo, também indicará como deve se desenvolver a relação entre a economia e o meio ambiente nos próximos anos.

Trata-se da reforma tributária, que indicará muitos dos estímulos necessários à transição para uma economia de baixo carbono. As novas regras do jogo definirão as prioridades de investimentos agrícolas e industriais ao longo dos próximos anos.

Como se pode perceber, muitas das decisões a serem tomadas ainda neste ano ajudarão a desenhar o Brasil que teremos pela frente no futuro próximo. E a indicar qual será o lugar do país em um cenário global em transformação.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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