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“Fiz plástica pra me ver bonita e fiquei cega”, diz Joelma Albuquerque

Há dois anos, a cabeleireira de Ceilândia perdeu a visão após uma cirurgia estética. Médicos não sabem explicar o que deu errado

atualizado

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Hugo Barreto/Especial para o Metrópoles
Brasília (DF), 13/09/2017 Comportamento Joelma Albuquerque, perdeu a visão após fazer cirurgia plástica.Local: QNP 17, Cj C, casa 50 – Salão Joelma  Foto: Hugo Barreto/Especial para o Metrópoles
1 de 1 Brasília (DF), 13/09/2017 Comportamento Joelma Albuquerque, perdeu a visão após fazer cirurgia plástica.Local: QNP 17, Cj C, casa 50 – Salão Joelma Foto: Hugo Barreto/Especial para o Metrópoles - Foto: Hugo Barreto/Especial para o Metrópoles

Aos poucos, o rosto dos próprios filhos torna-se uma lembrança que teima em se desfazer. Joelma Albuquerque persegue a memória dos semblantes amados para que eles não sejam como fotografias borradas pela ação do tempo.

Em pensamento, a mãe tenta adivinhar como envelhecerá o caçula, João, com 18 anos recém-completados. Da última vez que ela o enxergou, o menino tinha 16 anos. Agora, os olhos dela já não alcançam o mundo ao redor.

Há dois anos, Joelma perdeu a visão após uma cirurgia plástica. Investiu dinheiro e correu riscos para se ver mais bonita, mas não teve a chance de admirar os resultados da abdominoplastia (para retirar o excesso de gordura e de pele da barriga) e da mamoplastia (para remodelar os seios) que fez aos 45 anos.

Perto de completar meio século de vida, Joelma sentia-se bem na própria pele, mas alguns sinais naturais do tempo a incomodavam. “Queria ficar mais bonita para o meu marido, para o meu trabalho. É muito difícil ser mulher em uma sociedade que te diz o tempo todo que só é bom ser jovem e vestir 38”, afirma.

Ela, então, se planejou: economizou, organizou a agenda para ficar dois meses sem trabalhar em seu salão de beleza e escolheu cuidadosamente um cirurgião plástico. Em 12 de outubro de 2015 internou-se para fazer os procedimentos.

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Joelma passa maquiagem e arruma o cabelo sem ajuda de ninguém. “No começo, vestia umas roupas ao contrário. Hoje acontece menos.”

 

Três dias depois, já em casa, sentiu a visão embaçar. “No começo, achei que era efeito de um creme que passei no rosto, mas foi piorando e fui até um hospital, onde passei a noite em observação”, lembra.

Na manhã seguinte, ao acordar, Joelma estava 100% cega. Abrir os olhos naquele dia foi o que ela chama de “o pior momento da minha vida”. A primeira reação da cabeleireira foi sentir-se culpada. “Comecei a me condenar, a pensar que eu tinha feito algo para merecer aquilo. Sou evangélica e meu pastor me ajudou muito a superar essa sensação”, relata.

Depois de me fortalecer, eu só pensava: Deus vai me ensinar a viver na escuridão

Joelma Albuquerque

Médicos fizeram uma bateria de exames, analisaram todos os resultados, mas nunca encontraram uma resposta para justificar a cegueira. Levaram três meses para chegar a uma conclusão: Joelma nunca mais voltaria a enxergar, nem mesmo com transplante de córneas. “O nervo óptico nos dois olhos estava morto e ninguém sabe o motivo. Não tenho provas de que foi erro médico nem de que não foi. Minha pressão era normal, a saúde perfeita”, diz.

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Ao sair da internação, Joelma desabou e chorou nos braços do marido, Cláudio. “Naquele momento, ele me disse: serei os seus olhos fora do seu corpo. Aquilo me deu muita força para seguir em frente”. A motivação para superar comentários maldosos sempre veio do amor. “Muita gente me dizia que isso era punição de Deus pela minha vaidade. Meu Deus não é vingativo, ele é só amor. Entender isso foi essencial para a minha volta à vida.”

O primeiro dia sozinha em casa
Ações rotineiras como limpar a casa e cozinhar tornaram-se desafios. Joelma optou por não contratar ajuda, apesar da insistência da família. Quando todos saíram para trabalhar ou estudar, num dia comum, ela resolveu dar faxina sozinha. Pegou balde, sabão e vassoura e começou o serviço. Caiu no chão duas vezes. “Só pensava: Deus me dá a sua mão, eu preciso me levantar”.

Aos poucos, ela reaprendeu a fazer as atividades cotidianas. A divisão de tarefas também ficou cada vez mais frequente na família. Os filhos mostraram-se grandes companheiros. Ajudaram a mãe a descobrir tecnologias que permitem acessar a internet mesmo sem a visão e apoiam-na em tudo. “Me tornei um pouco filha, deixei que cuidassem de mim”, avalia.

A parte mais triste de ficar cega é o medo de esquecer o rosto dos meus filhos, especialmente o do mais novo, que ainda vai mudar muito

Joelma Albuquerque

Quando fez a cirurgia, Joelma estava no auge de sua carreira. Cabeleireira respeitada em Ceilândia, ela começou um salão de beleza na garagem da própria casa. Anos depois, conseguiu inaugurar sua loja, na QNP 17. Estudou até virar referência em coloração de cabelos.

“Tinha quatro filhos, casa própria e estava realizada profissionalmente. Gostaria que meu corpo refletisse minha autoestima. Hoje penso que poderia ter feito isso de outra maneira”, afirma.

Joelma não deixou de trabalhar por conta da limitação visual. Continua à frente do salão que leva seu nome. Também monitora de perto sua equipe. “Toco no cabelo da cliente, cheiro e sei os produtos que ela já usou, se os fios estão saudáveis. Tudo passa pelas minhas mãos”, relata.

Ela ainda faz escovinha e outros procedimentos, especialmente em ações de caridade da igreja que frequenta. “Não poder fazer mechas nos cabelos de uma cliente ainda é muito triste para mim, uma ferida aberta. Eu era muito boa nisso”, lamenta.

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Mesmo sem enxergar, Joelma Albuquerque ainda atende clientes em seu salão

 

Todos os dias pela manhã, Joelma ainda para diante do espelho. Agora, não vê mais sua imagem refletida nele, mas não perdeu o hábito de se maquiar, enfeitar-se com bijuterias e escolher cuidadosamente a roupa que usará. “Não pude ver o resultado da cirurgia, curtir minha nova forma. Mas eu me pego, me toco, me vejo bonita. Todo dia eu repito para mim mesma na frente do espelho: você é linda.”

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