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Raul Seixas ensinou contestação e inconformismo ao Brasil

Sexta-feira, 18 de agosto, Ceilândia, Distrito Federal. Atrás do palco do Tributo Viva Raul, eu estava sentado conversando com Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Club e guardião do maior acervo de Raul Seixas. – “Sabe por quem este evento está acontecendo hoje aqui?”. – “Por Raul!”, me respondeu com ar de que era óbvio. […]

Autor Tiago Bittencourt

atualizado

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1 de 1 raul-seixas1[1] - Foto: Divulgação

Sexta-feira, 18 de agosto, Ceilândia, Distrito Federal. Atrás do palco do Tributo Viva Raul, eu estava sentado conversando com Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Club e guardião do maior acervo de Raul Seixas.

– “Sabe por quem este evento está acontecendo hoje aqui?”.
– “Por Raul!”, me respondeu com ar de que era óbvio.

Mas eu contestei.
– “Não. Se não existisse um filho da puta como você que passa a vida carregando o nome de Raul a todos os lugares, talvez esses e outros tributos em todo o Brasil não acontecessem.”

Com seus quatro perfis e tantas páginas no Facebook, suas exposições, seus shows com a banda Putos Brothers e seus depoimentos com brilhos nos olhos, Sylvio é o maior mantenedor da mística de Raul Seixas, mas certamente não está entre poucos.

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Em maior ou menor proporção, uma multidão leva Raul pela vida. Há os iniciados, conhecedores dos clássicos “Metamorfose Ambulante”, “Maluco Beleza” e “Sociedade Alternativa”. Também existem fãs que não perdem a passeata anual em São Paulo — realizada em 21 de agosto. Desde 2007, essa data, o dia em que o músico morreu em 1989, é o “Dia para sempre Raulzito” na capital paulista. Em Salvador, cidade natal do artista, o Dia Municipal do Rock é 28 de junho, o do seu nascimento.

Muitos deixam a barba e a cabeleira crescer iguais às do ídolo. O personagem Raul Seixas, das características físicas e do espírito transgressor, é o espelho. A professora Rosana da Câmara identifica-os como “raulmaníacos” no livro “Krig-ha, bandolo! – Cuidado, aí vem Raul Seixas”. E ainda há o “raulseixista”, aquele que se pauta pela obra, pelas mensagens do artista. Sim, há classificações de fãs.

Pode parecer apenas um bando de malucos vestidos de preto, com tatuagens e símbolos que remetem ao cantor. Malucos belezas meio hippie, meio marginais do ídolo. O início, o fim e o meio de um sujeito completamente fora do normal, que virou o guru que não queria ser, apontou saídas e fez muitos acharem seus caminhos.

“Veja!
Não diga que a canção está perdida
Tenha fé em Deus, tenha fé na vida
Tente outra vez”

As suas filosofias, políticas e lutas, o impacto de letras carregadas de significados místicos é real. Raul “salvou” a carreira dos sertanejos Chitãozinho e Xororó (e compôs para artistas como Odair José, Diana e Márcio Greyck). Depois de largar os estudos e investir na música, a dupla começou a desacreditar do sucesso, até que ouviu a canção “Tente Outra Vez” no rádio e seguiu em frente.

Caso ainda mais forte é o de um empresário cearense que estava cheio de dívidas e decidiu se matar. Botou a arma na cabeça e ligou o rádio a toda altura para não ouvirem o tiro. Nesta hora, tocou a música. E ele tentou outra vez. Reconstruiu sua vida.

A força virou marca registrada, que rende na favela e na alta sociedade, do menino ao vovô. E que rende às suas três herdeiras com direitos autorais, álbuns póstumos, shows-tributos, livros, etc. Só de livros sobre Raul, o número está por volta de 50 publicados. O último foi lançado agora em agosto pela editora Martin Claret. “O Raul que me contaram – A história do Maluco Beleza revisitada por um programa de TV” — pequena contribuição minha para este universo raulseixista. É o artista na visão mais pura de quem conviveu, estuda ou é fã dele, por exemplo, Jerry Adriani, Roberto Menescal e Marco Mazolla, mas também o Dr. Luciano Stancka (que atestou o óbito de Raul), Antônio Soares Souza (o último a vê-lo vivo), Isaac Soares e Alexandre Pedrosa (fãs que guardam a cama onde ele morreu).

É uma junção de olhares, cada um do seu jeito, expondo o lado mais humano, o alegre e o cruel, a personalidade e o personagem, e quando eles se fundem. São entrevistas completas que fiz para uma edição do programa “Caminhos da Reportagem”, da TV Brasil, exibida em 2015.

O tributo em Ceilândia e em várias cidades, os malucos beleza que existem por aí, a carreira de Chitãozinho e Xororó e a vida do empresário cearense, as músicas como hino que tocam em todas as classes sociais e faixas etárias, os cerca de 50 livros publicados, os documentários audiovisuais, o “TOCA RAUL!” que surge da plateia em qualquer show musical… Para qual artista brasileiro você vê essa devoção e capilaridade quase 30 anos depois de morto?

Mas afinal, o que o Brasil aprendeu com Raul? Deixo a resposta do outro maluco beleza, Cláudio Roberto: “Inconformismo… tenacidade… valentia. Essas três coisas, com certeza, foram aprendidas. Houve coisas negativas que o Brasil aprendeu, mas isso eu vou deixar pra história julgar.”

Tiago Bittencourt é jornalista e escritor. Autor do livro “O Raul que me contaram” – A história do Maluco Beleza revisitada por um programa de TV”

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