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Misérias do cárcere e reforma do presídio da Papuda

Essa mini-reforma atendeu as exigências mínimas do art. 88 da Lei de Execução Penal (LEP), quais sejam: cela individual, com área mínima de 6m quadrados, contendo dormitório, aparelho sanitário e lavatório

Autor Cezar Roberto Bitencourt

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Complexo Penitenciário da Papuda
1 de 1 Complexo Penitenciário da Papuda - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A mídia nacional ocupou-se de uma pequena reforma de um dos pavilhões do Complexo Penitenciário da Papuda, representada apenas por uma simples pintura, com a colocação de sanitário com vaso, pia e uma pequena ampliação de cada cela. Os fiscais do sistema penitenciário, que têm a obrigação de zelar pela segurança, bem-estar, limpeza, higiene e tratamento humanitário dos reeducandos escandalizou-se com a melhora das condições dos locais dessa área.

Essa mini-reforma atendeu as exigências mínimas do art. 88 da Lei de Execução Penal (LEP), quais sejam: cela individual, com área mínima de 6m quadrados, contendo dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Ademais, cada cela deverá conter: salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana.

Os estabelecimentos penitenciários, em quase sua totalidade, não satisfazem nenhuma dessas exigências, inclusive o Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Mas essas carências históricas nunca indignaram os fiscais do sistema, pelo menos nada disso nunca veio a público. A violência das prisões, o empilhamento de presos, a falta de vagas, a inexistência de celas individuais, de vasos sanitários, de camas ou colchões, a insuportável insalubridade e desrespeito à dignidade humana são a tônica de todas as prisões brasileiras.

Aliás, essas deficiências sistêmicas ganharam repercussão mundial e envergonharam a nação brasileira, a ponto de a Itália negar a extradição de brasileiro em razão das péssimas condições de nosso desumano e indigno sistema penitenciário.

Essa pequena reforma que apenas procurou atender aquelas exigências mínimas da Lei 7.210/84, que é dever do Estado, indignou de tal forma o Ministério Público da capital brasileira, que a chamou, inacreditavelmente, de “surreal”! O ineditismo reside no aspecto de, ante omissão absoluta do Estado, um particular realizou as reformas absolutamente necessárias.

Conhecemos a temática penitenciária — academicamente e profissionalmente: fizemos doutorado nessa área[2] e tivemos oportunidade, nos idos da década de 1980, de trabalhar como promotor de Justiça na Vara de Execuções de Penais de Porto Alegre. De lá para cá o sistema penitenciário nacional só piorou, e muito, tanto que o Presídio Central de Porto Alegre transformou-se em um novo Carandiru, que envergonha a todos os gaúchos.

A revolta do Ministério Público, segundo se alega, deve-se ao fato de dita reforma não ter sido levada a efeito pelo Poder Público, órgão permanentemente omisso, sob o conhecido argumento de falta de recursos orçamentários. Um empresário recolhido ao sistema teria bancado dita reforma. Abriu-se caça às bruxas, exigindo-se punição de funcionários que possam ter liberado a melhora da imundície que é o sistema penitenciário local. Talvez tenha mesmo havido alguma irregularidade administrativa, mas para o bem, ou na moderna linguagem penal da República de Curitiba, se houve “foi de boa-fé”!

Ao contrário disso, seria interessante que se adotasse duas medidas: uma premiando aos funcionários que permitiram a melhora do caos local, e, outra, colocando um empresário da mesma magnitude em cada bloco do Complexo da Papuda para, quem sabe, se pudesse — adotando medida semelhante — humanizar um mínimo dessa vergonhosa casa penitenciária, ante a impune omissão do Poder Público que nada faz e o complacente olhar do Poder Judiciário e do Ministério Público, que não a interditam pela insalubridade, indignidade e por não atender aos requisitos mínimo exigidos pela Lei de Execução Penal!

Essas “misérias do cárcere”, para usar a linguagem de Carnelutti, são do conhecimento das autoridades brasileiras, inclusive do Supremo Tribunal Federal, sem implementarem qualquer iniciativa em busca de melhoras, pois para determinadas autoridades quanto pior, melhor. Ignoram que o detento não é preso para ser punido, que a condenação é a própria punição, e que o indivíduo é preso para ser recuperado, isto é, ressocializado, segundo a falaciosa dicção da lei brasileira.

É indispensável que se encontrem novas penas compatíveis com os novos tempos, mas tão aptas a exercer suas funções quanto as antigas, que, se na época não foram injustas, hoje, indiscutivelmente, o são.

Exigências mínimas
Para concluir e enfatizando a situação degradante das casas penitenciárias brasileiras, as quais além não atenderem a exigência mínima da Lei 7.210/84, como já demonstramos, violam garantias básicas da constituição Federal que, ademais, proíbe também a aplicação de penas cruéis e degradantes. O ideal é que todas as prisões atendessem as exigências mínimas do já referido artigo 88 da LEP, aliás, nesse sentido, parece que o Complexo da Papuda é o que mais se aproxima das necessidades estabelecidas no referido diploma legal.

Mesmo assim, é recomendável que o poder público determine, com urgência, que se crie as mesmas condições de salubridade, aeração, higiene e estrutura nos demais blocos do Complexo da Papuda, em vez de gastar suas energias e economias em busca de “culpados” por melhorar a habitabilidade de uma ala dessa casa.

Vale destacar, finalmente, que a digna juíza das Execuções Criminais designou para esse espaço reeducandos que necessitam segurança especial, verbis: “deverão ser alocados na referida Ala presos que não possuam condições de permanecer junto à massa carcerária comum, em virtude da existência de risco concreto à sua integridade física ou à segurança e estabilidade do sistema penitenciário, tendo em vista a natureza ou a repercussão dos crimes que cometeram ou mesmo sua condição pessoal”.

Não se ignora, por outro lado, que, em qualquer prisão há detentos que correm maior risco de serem vítimas dos mais variados crimes, tais como extorsões, assaltos, coações, abusos de qualquer natureza, e, inclusive, serem utilizados em motins e rebeliões etc. A responsabilidade pela segurança é do Estado, por isso, essas medidas de seguranças não representam nenhum privilégio pessoal ou especial, mas medida cautelar fundada em critérios técnicos que levam em consideração exclusivamente razões de segurança para qualquer interno que satisfaça requisitos objetivos e subjetivos preestabelecidos.

Cezar Roberto Bitencourt é jurista, professor e advogado, sócio-diretor do Cezar Bitencourt & Advogados Associados.

O artigo foi publicado Revista Consultor Jurídico em 17 de agosto de 2016

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