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E de repente a bancada da bala descobriu a cultura brasileira

O conturbado panorama político brasileiro nos últimos meses produziu algumas cenas esdrúxulas. Uma das mais recentes foi a do deputado Alberto Fraga (DEM-DF) defendendo na TV a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar irregularidades na Lei Rouanet. Nada há nada de errado em um parlamentar se preocupar com a destinação de […]

Autor Rosualdo Rodrigues

atualizado

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Kacio Pacheco/Metrópoles
Ilustração Cultura
1 de 1 Ilustração Cultura - Foto: Kacio Pacheco/Metrópoles

O conturbado panorama político brasileiro nos últimos meses produziu algumas cenas esdrúxulas. Uma das mais recentes foi a do deputado Alberto Fraga (DEM-DF) defendendo na TV a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar irregularidades na Lei Rouanet.

Nada há nada de errado em um parlamentar se preocupar com a destinação de recursos públicos. E a Rouanet, pelo que se sabe, funciona de maneira torta desde que foi sancionada pelo então presidente Fernando Collor de Mello, em 1991.

O inusitado da cena é o súbito interesse do notório integrante da bancada da bala pelo tema cultura, a ponto de liderar um movimento de colegas e apresentar um requerimento para a criação da tal CPI. O conhecimento do assunto pelos requerentes é tal que, já foi dito, o texto do pedido é em boa parte copiado da internet.

Os autores do documento são, em verdade, espelho de seu eleitorado. É lamentável que, a essa altura da história do Brasil, ainda seja necessário esclarecer a uma substanciosa parcela da população o que é e para que serve a cultura. E, ainda, ter que justificar a importância de existir um órgão governamental responsável por tratar do assunto.

Há pouco menos de mês, quando o presidente interino Michel Temer anunciou a extinção do Ministério da Cultura (MinC) — para em seguida revogar a decisão –, um acirrado debate em torno do tema tomou conta das redes sociais. A discussão poderia ser útil se parte dos debatedores não se mostrasse tão ignorante em relação à pauta, reduzindo cultura a “coisa de artistas vagabundos”.

Tivessem um mínimo de informação, saberiam que cultura é muito mais que o filme, o show, a exposição, o filme. Tem a ver com patrimônio, memória e identidade do país, e também com mercado produtivo. E cabe ao governo cuidar disso com o mesmo rigor com que deve cuidar de nossos recursos naturais e de nossa economia.

Cultura é um assunto tão amplo que inclui a ciranda pernambucana, o boi do Maranhão, o chimarrão gaúcho, os casarões do centro histórico de capitais brasileiras, o rap de Ceilândia, Maria Bethânia, Wesley Safadão… É um patrimônio muito grande para ser administrado de um puxadinho no Ministério da Educação — curiosamente, foi o que aconteceu enquanto durou a ditadura militar, até 1985.

E é justamente por conta dessa amplidão que precisa de políticas sérias de preservação, promoção e incentivo, que considerem e atendam as particularidades de quem produz e consome. A Lei Rouanet — que é, enfim, o que temos — precisa, sim, ser revista, discutida, reformulada para ser mais justa e atender às necessidades da imensa produção cultural deste extenso país. Mas que isso não venha vestido de oportunismo, em um momento em que tudo se partidariza, tudo se polariza.

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