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Estrutural sob novo olhar, muito além do Lixão

Cidade atrai cineastas, que utilizam as câmeras para misturar ficção e realidade, elevando autoestima dos moradores da região

atualizado

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Numa tentativa de escapar dos clichês e estereótipos, cada vez mais chegam aos cinemas novos olhares sobre a Cidade Estrutural. Neste ano, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro selecionou o curta-metragem “Setor Complementar”, dirigido por Tiago Rocha. Entre outras coisas, o filme busca discutir as limitações da mobilidade urbana no Distrito Federal. Nas últimas edições do evento, a presença de produções filmadas na cidade, popularmente conhecida por abrigar o maior lixão da América Latina, tem sido praticamente constante. À exceção de 2013, há pelo menos cinco anos todos os festivais têm reunido obras sobre as mais diversas temáticas locais.

A partir do olhar de crianças e adolescentes da cidade, “Setor Complementar” mistura ficção e documentário para retratar as contradições de uma região que reúne, ao mesmo tempo, o maior polo de vendas de automóveis da América Latina e a cidade com uma das maiores concentrações de bicicletas por habitante do DF. “Aí, eu passava sempre pelas duas cidades: a do Automóvel e a Estrutural. E era muito visível essa discrepância”, conta o diretor, que antes do filme não sabia que as duas cidades tinham um só nome: Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA).

Mesmo sendo retratada quase sempre como um lugar violento, de forma marginalizada, a Estrutural é um lugar onde as pessoas andam na rua, ocupam as esquinas, têm um senso de comunidade e usam muito a bicicleta – uma coisa que sempre me chamou muito a atenção.

Tiago Rocha, produtor de Setor Complementar
Still de Lucas Kato e Pato Sardá/Divulgação
Filmagens de “Setor Complementar” na Estrutural envolveram moradores

Pelas telas do Cine Brasília, espectadores também conheceram os bastidores dos concursos de miss no Distrito Federal, no documentário “O Entorno da Beleza” (2012), de Dácia Ibiapina.

Além disso, no mesmo cinema, foi possível se aproximar da realidade dos catadores que trabalham no Lixão da Estrutural, pelas lentes de Webson Dias, no documentário “Cata(Dores)”, de 2011, e acompanhar as aventuras do adolescente Lucas ao encontrar, no mesmo lixão, um exemplar do livro “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, apresentadas pelo cineasta Fáuston da Silva no curta “Meu Amigo Nietzsche”, também de 2012.

Estereótipos
Na opinião de Webson Dias, é preciso haver um cuidado na hora de discutir estereótipos. “Muitas vezes, as pessoas se sentem ofendidas ao ver aquele retrato da cidade e reclamam do olhar de fora. Mas você tem que ficar com raiva da foto ou da realidade? A gente procura sempre mostrar o desafio de se filmar de forma respeitosa, mas crítica, só que sem ser fatalista”, diz.

Quase sempre, se você der um equipamento para esses jovens da cidade mostrarem a visão que eles têm dessa periferia, eles vão reproduzir uma visão estereotipada, porque é como eles se veem representados.

Webson Dias, diretor de Cata(dores)
Divulgação/Suproc
Fáuston gosta de falar de superação e esperança

De acordo com Fáuston, uma de suas bandeiras é filmar na periferia sem reforçar estereótipos de violência e criminalidade geralmente associados às cidades. “Você pega Cidade de Deus, por exemplo. É um filme muito forte, que o mundo inteiro gosta, mas do qual a cidade não se orgulha. Nos filmes que eu faço, espero que as pessoas se orgulhem. São filmes que falam sobre superação, sobre esperança”, explica o cineasta, que é morador de Ceilândia.

Em “Ácido Acético” (2014), Fáuston se aproveita do estigma de cidade violenta associado à Estrutural para brincar com a quebra de expectativas e surpreender o espectador.

Quando escrevi ‘Meu Amigo Nietzsche’, queria que pela primeira vez a cidade fosse filmada com uma abordagem que tivesse poesia, valorização, respeito. No meio da filmagem, veio uma pessoa saber o que a gente estava fazendo e, quando ouviu o nome do filme, perguntou quem era esse tal de Nietzsche, se era um traficante. Ou seja, tem um problema de autoestima, e em como as pessoas se enxergam, muito grande. A gente não pode reforçar isso.

Fáuston da Silva, cineasta

Filmografia da Estrutural

  • “Cata(dores)” (2011): Webson Dias
  • “O Entorno da Beleza” (2012): Dácia Ibiapina
  • “Meu Amigo Nietzsche” (2012) e “Ácido Acético” (2014): Fáuston Silva
  • “Agindo sem Pensar” (2012) e “Marcas da Dor” (2014): Ronaldo Rocha
  • “Meu nome é Johnny” (2013): Ivan Viana Costa, Petronio Neto e Tiago Rocha
  • “Restrutural” (2014): Marcelo Díaz
  • “Setor Complementar” (2015): Tiago Rocha

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