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Como educar os filhos para a beleza da diversidade?

Esta é uma carta aberta às mães e pais que desejam criar filhos com o coração livre e respeitoso

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1 de 1 diversidade, mãos - Foto: iStock

Esta é uma carta aberta às mães e pais que desejam criar filhos com o coração livre e respeitoso. Formar seres abertos para amar de forma criativa, sem pesadas amarras e condições enquadradas.

Tive a oportunidade de ver surgir o tema da homoafetividade com minha filha, Rafaela, então com sete anos. Estávamos em casa, e nos deparamos com a foto do beijo de Daniela Mercury e sua namorada em um jornal.

Rafaela, que até aquele momento só tinha se deparado com referências heteroafetivas, espantou-se com o diferente. Um espanto natural, sem julgamentos, afinal, seres humanos – e crianças mais ainda – gostam de se emocionar. Com os olhos arregalados, perguntou: “Mãe, são duas mulheres, pode isso?”.

Eu tinha segundos para escolher como reagir: alguns virariam o jornal para baixo, encobririam a verdade, julgariam ser cedo demais para discutir aquele tema com a filha, poderiam fazer piadas, ou dizer algo enviesado: “Pois é, tem gente que é assim”. Sem contar com os que julgariam a situação com algum termo jocoso, sem respeito ou de forma preconceituosa, colocando a situação como uma anomalia.

Primeira decisão: agir com naturalidade, sem susto, para não colocar fermento na reação contra o “diferente”, para não contrastar ainda mais as tintas dessa descoberta. E respondi: “Filha, isso é uma foto de duas pessoas que se amam, é só amor”. Ao que ela retrucou: “Mas pode isso?”. E eu disse: “Amor é sempre bom, não é? Pode ocorrer com dois homens, duas mulheres, e entre homens e mulheres. Agora, vamos correr que estamos atrasadas”.

O assunto encerrou ali. Não porque eu não quisesse entrar em contato com isso, ou esconder. Mas simplesmente porque optei por inserir a descoberta rapidamente na vala do comum, do natural, do humano. Minha filha acompanhou o ritmo e se distraiu.

Um mês depois, estávamos no shopping e ela viu dois rapazes andando de mãos dadas, e apontou com o braço em riste: “Olha mamãe!”. Na mesma hora, fui veemente: “Filha, você gosta que apontem para você na rua e falem de suas características ou de algo que esteja fazendo? Não apontamos para os outros”.

Mais uma vez, foquei no comportamento em si, o de apontar para os outros, e não no fato de se tratar de um casal homoafetivo. No mesmo dia, ela apontou para outras pessoas, por outras razões, e reiterei o aprendizado: “Nós não apontamos para os outros, pois ter alguém apontando para a gente nos causa desconforto. Não façamos aos outros o que não queremos que nos façam”. Bola pra frente.

Isso se repete com qualquer outra situação de contrastes: hábitos sociais, formas de vestir, aparências físicas, condições de saúde, expressões culturais. A resposta é sempre a mesma: “Tudo bem ser diferente, né filha?”. Assim, temos buscado ensiná-la sobre a beleza da diversidade, mostrando que a variedade das cores e formas das flores do jardim tornam-no ainda mais bonito.

Fico triste quando vejo pais escondendo realidades. Mentindo para os filhos. Ensinando a condenar. Reforçando que é ruim ser diferente. Julgando o outro. Se sobressaltando com manifestações distintas. Tudo isso incita o julgamento e, nesse ambiente, sempre acaba se delineando algo como certo e algo como errado. Tudo se torna estático e deixamos de ser livres e criativos.

Tempos depois, nos deparamos com uma nova oportunidade de admirar o diferente: numa tarde de ida ao salão de beleza, nos encontramos com um rapaz transexual no atendimento do local.

Curiosa como sempre (e livre para perguntar o que quiser, como sempre), minha filha notou que era um homem com voz e compleições femininas, e disparou em voz alta a pergunta direta, que ele próprio ouviu: “Mãe, ele é menino ou menina?”. Ao que retruquei: “Não sei, pergunta para ele.”

Todos sorriram pacientes, e ele voltou-se para ela, ouvindo a pergunta certeira: “Você é menino ou menina?”. Ao que respondeu: “Sou uma menina num corpo de menino, e sonho um dia poder ter corpo de menina”. Sem perder tempo, falei: “Pois é filha, nós sabemos como os sonhos são importantes e devem ser levados à sério! Vamos torcer pra que esse sonho se realize!”. E, assim, mudamos de assunto para a cor que íamos aplicar nas unhas.

Rafaela sorriu, entendeu, e ficou amiga da moça em questão. Ficaram brincando e falando de outros temas: uma fez a unha da outra, e seguiram em animada conversa. De longe, pude notar a emoção que tomou conta do ambiente. A manicure que me atendia explicou: “As mães que vêm aqui nunca deixam os filhos brincarem com ele”. Observando as risadas que as duas davam juntas, fiquei com o coração oprimido tentando dimensionar o tamanho daquela dor.

A única lição que ficou para minha filha foi a do respeito com o diferente. Será que alguém pode concordar com a ideia de que ela ficou mais inclinada à homoafetividade após esse fato? Seria muita ingenuidade, para não dizer, limitação intelectual, pensar assim. Na verdade, seria muito medo: o pânico de não ser aceito, o terror de ser algo diverso do que é considerado normal.

Quando criamos proibições, prisões, sentenças, a atração pelo diferente cresce ainda mais na mente dos filhos. A curiosidade pelo proibido, pelo mistério, isso, sim, chama a atenção e instiga.

A manifestação sexual de um ser o acompanha desde os primeiros anos de vida. Muitos gays relatam vivenciar suas inclinações sexuais desde a mais tenra idade. Para outros, dizem que foi uma escolha diferente a certa altura da vida.

Independente disso, antes de mais nada, quero que meus filhos sejam livres, felizes, autênticos e vivam sua verdade. E se essa expressão passar pela homoafetividade, que sejam felizes igual.

Mas o importante mesmo é que, nessa reflexão, me deparei com um fato fundamental sobre o tema: esse assunto não me pertence! Pais, entendam isso: a sexualidade de ninguém, nem mesmo a dos nossos filhos, nos pertence! Mas nos pertence, e muito, cuidar para que sejam a cada dia mais respeitosos com a diferença.

Sinto que a melhor forma de educar nossos filhos nesse sentido é nos vigiarmos para não fazer da sexualidade alheia um passatempo nas conversas, uma brincadeira social, a piada pronta permitida – e muito explorada, até mesmo, por alguns gays que se divertem provocando héteros.

Podíamos, de verdade, gays e héteros, tratar cada vez mais de ideias, e menos das escolhas pessoais que pertencem apenas a cada um de nós.

Saberemos que nossa sociedade está mais evoluída no dia em que a sexualidade alheia deixar de ser assunto em toda e qualquer circunstância; no dia em que a homo ou a heteroafetividade não for um tema que vá além das quatro paredes a que somente pertence.

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