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A ditadura filial. O papel dos pais deve ter começo, meio e fim

Enxergá-los como aprendizes, tais como somos, é liberação altamente capacitante, uma vez que nos coloca no nosso lugar de poder

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Mother and her child holding hand together with love in the park,vintage filter
1 de 1 Mother and her child holding hand together with love in the park,vintage filter - Foto: iStock

Quando nascem, as crianças têm seus pais como provedores de tudo – de comida, carinho, conforto, cuidados. Passam os anos, a independência chega a conta-gotas, mas de forma definitiva. Aprendem a falar, a ir ao banheiro sozinhas, a tomar banho, a ler, a se comunicar com o mundo. Chega a adolescência, a faculdade, o trabalho: viram adultos. Durante esse período, os pais fizeram tudo que podiam, tanto do ponto de vista material, quanto emocional.

Acostumados a isso, alguns filhos não compreendem que esse papel de tutores que os pais cumprem tem um começo, um meio e um fim. Os títulos de parentesco e a gratidão por terem sido seus portais de entrada na experiência da vida, é claro, serão sempre eternos.

Porém, um ser humano que realmente deseja evoluir e se responsabilizar pelos próprios atos, precisa ir além e perceber que – chegadas a emancipação e a maturidade – os pais, os tutores disponíveis de toda hora, tornam-se companheiros na jornada da vida.

 

Ontem, ao ler uma página do livro “Nosso Lar”, encontrei frase que diz:

“Na Terra, quase sempre, as mães não passam de escravas, no conceito dos filhos. Raros lhes entendem a dedicação antes de as perder.”

Quando temos nossos próprios filhos, conseguimos compreender essa afirmativa numa outra dimensão. Costumamos projetar e esperar de nossos pais tanta perfeição, tanta presença, lançar sobre eles tantas expectativas que, alguém com um olhar mais atento poderia rotular esse processo facilmente de “ditadura filial”.

Mas, quando enfim somos nós próprios os pais, vivenciamos o outro lado da moeda de passarmos a ser idealizados, exigidos e cobrados. Por muitos anos, essa postura se justifica dadas as necessidades da infância e da adolescência. Mas não para sempre. Não mesmo.

Queremos fazer o melhor pelos filhos, mas nos deparamos com nossa humanidade, com o cansaço e as tantas impossibilidades de agir e sentir da forma que gostaríamos. Aí, nessas horas, redimensionamos todas as expectativas idealistas que tínhamos sobre nossos pais, os humanizamos e os percebemos como mais um de nós – simplesmente um ser que está nesta experiência como qualquer pessoa, com a finalidade de experimentar, acertar, errar, cair, levantar, enfim, aprender.

Alguns estudiosos dizem que levamos quatro ciclos de sete anos para rompermos, em definitivo, o cordão umbilical. A cada sete anos, uma nova emancipação e, aos 28 anos, a liberação final. A começar desse momento, não estamos mais sob seu comando. Podemos dizer a eles:

Gratidão por minha vida, você me deu tudo que eu precisava. Agora é comigo!

Digo isso, claro, em circunstâncias gerais, deixando de lado os casos em que filhos ou pais adoecem, e as dependências se perpetuam anos a fio, em processos de resgate e aprendizado.
Quando conseguimos, finalmente, compreender a irmandade humana, e encaixar nossos pais nessa turma, ocorre alquimia das mais interessantes. As expectativas caem por terra e, junto com elas, todas as frustrações, os desagrados, os abandonos, os medos, as projeções infundadas.

Vamos além: aceitamos as impossibilidades dos pais e suas falhas. Entendemos que fizeram o que deram conta, e que foi suficiente! Porque seus SINS nos fortaleceram e empoderaram. Seus NÃOS despertaram em nós conteúdos e aprendizados importantes, para evoluirmos na vida.

Enxergá-los como aprendizes, tais como somos, é liberação altamente capacitante, uma vez que nos coloca no nosso lugar de poder. Sempre reverenciando-os por serem os instrumentos de nossa vinda a este Planeta-Escola. Suas bençãos nos religam à Fonte Maior, já que guardam as chaves dos portais que a Ela nos ligam.

No mais, o poder de fazer nossa vida, de escrever as páginas do nosso livro deve ser só nosso a certa altura da existência. Isso só faz bem. Não é uma perda, nem de um lado nem de outro. Mas, antes, um processo de aprendizado e amadurecimento absolutamente necessário para os filhos. E um movimento de liberação e leveza para os pais. Um caminho desafiador, por assim dizer, e sempre muito belo e curativo.

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