Empresários, arquitetos, engenheiros e representantes do setor produtivo são unânimes em apontar que a ineficiência da Central de Aprovação de Projetos (CAP) do GDF tornou-se um entrave para o desenvolvimento do Distrito Federal

21/06 5:17 , atualizado em 08/07 18:07

Criada em janeiro de 2015, a Central de Aprovação de Projetos (CAP) do Governo do Distrito Federal surgiu com a promessa de desburocratizar a análise e a liberação de obras na capital da República. Em um ano e quatro meses de existência, no entanto, o que se viu foram pilhas e mais pilhas de propostas acumuladas nas mesas dos poucos funcionários que despacham no órgão. E a CAP, em vez de ser solução para um sistema disperso e corrompido, acabou transformando-se na pedra fundamental da burocracia no DF.

Em uma sala improvisada de um antigo prédio do Setor Comercial Sul, pastas repousam amontoadas à espera de uma primeira análise. Atualmente, 2.724 projetos aguardam a aprovação dos 40 analistas que compõem o quadro de 112 funcionários do órgão. Uma média de 68 plantas de grandes empreendimentos, como hotéis, edifícios residenciais e comerciais, por técnico.

Felipe Menezes/Metropoles
Analistas da CAP trabalham em uma sala improvisada do Setor Comercial Sul

De janeiro a abril deste ano, foi emitido pela CAP um total de 148 alvarás de construção, ou seja, uma obra foi liberada por dia. Quantidade irrisória, incoerente com as características de uma metrópole em formação. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, aprovou 8.302 projetos ao longo de 2015, o que equivale a uma média de 22,7 empreendimentos por dia. No mesmo período, São Paulo atingiu a marca de 2.796 plantas liberadas, ou 7,6 empreendimentos a cada 24 horas. No caso de Belo Horizonte, foram 2.312 projetos e uma média diária de 6,3 propostas.

Embora Brasília seja a mais nova entre essas capitais e ainda ostente grandes espaços vazios, segue na lanterna do processo de análise e aprovação de projetos de obras. Durante todo o ano passado, foram liberadas apenas 645 propostas, o que significa menos de duas aprovações por dia (1,7). Somente nas asas Sul e Norte, há 93 lotes vazios, à espera de empreendimentos. Alguns deles adiados pela própria vontade dos proprietários, como é o caso da Universidade de Brasília (UnB). Mas boa parte desses lotes continuam ociosos pela dificuldade de seus donos em vencer a burocracia da CAP.


Ao falhar na fase mais básica do processo, o princípio, o governo compromete toda a cadeia produtiva que gera desenvolvimento. Cenário que já seria ruim em tempos de prosperidade torna-se devastador numa época de crise econômica, em que o próprio GDF perdeu sua capacidade de investimento.

Michael Melo/Metropoles

Certamente não é por escolha, mas por falta de opção, que o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) inclui entre seus compromissos oficiais inauguração de pista de corrida, poste de iluminação pública, praças, estações de bicicleta. Em uma década, 2015 tornou-se o ano de investimento mais minguado. Foram liquidados R$ 320 milhões, um terço do que se gastou no ano anterior, o último da já travada gestão petista.

Sem condições de patrocinar o desenvolvimento de Brasília, o governo, com suas práticas burocráticas, ainda achata a capacidade do setor privado, que, mesmo oprimido pela crise econômica, ainda encontra meios para empreender.

Na série de reportagens Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia, o Metrópoles vai revelar a primeira de muitas paradas na via crucis dos empreendedores que investem na capital federal – a dificuldade que enfrentam antes mesmo de cercar o canteiro de obras, na hora de aprovar um projeto.

As três letrinhas que resumem a Central de Aprovação de Projetos parecem descomplicadas, mas falar em CAP para empresários é como soltar um palavrão. Há uma unanimidade sobre a avaliação do órgão: tornou-se uma convergência da burocracia no Distrito Federal. Antes, no entanto, de dar voz às testemunhas dessa rotina baseada nos pilares da falta de estrutura e das normas ultrapassadas, é preciso entender como funcionava o sistema.

A implementação da CAP, fisicamente localizada na área central de Brasília, substituiu a antiga Diretoria de Análise e Aprovação de Projetos (Diaap). O que antes era resolvido nas administrações regionais passou a ser de responsabilidade da CAP. Em tese, a centralização do processo deveria ser positiva, porque facilita o acesso dos empresários e o controle das autoridades. Mas, na prática, a mudança na dinâmica de aprovação das plantas não eliminou etapas, nem diminuiu o tempo gasto.

Todos os projetos protocolados na CAP são analisados por uma das três diretorias existentes no órgão, que estudam obras de grande, pequeno e de médio porte, além dos empreendimentos públicos.

Em última instância, quem administra essa central é a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth). E o parâmetro de prazos e regras estabelecidos para o serviço está detalhado em uma cartilha oficial lançada pela Segeth. Lá, está dito que se leva 30 dias para a análise do plano de obra. Após a entrega do processo para o empresário, ele tem mais 30 dias para cumprir as exigências.

Na matemática da cartilha de aprovação de projetos, dois meses é a soma entre a análise do plano de obra e os ajustes de engenheiros e arquitetos para o empreendimento. Razoável. O problema é que esse ritmo está longe de ser uma ciência exata. Entre idas e vindas, somam-se até 24 meses de demora entre o dia do protocolo e o carimbo da liberação para a obra.

Embora empresários relatem com frequência prazos que chegam a dois anos de espera, o secretário da Segeth, Thiago de Andrade, estima uma média de oito meses para a aprovação dos projetos na CAP, tempo quatro vezes maior que o proposto pela própria cartilha do GDF. Em entrevista ao Metrópoles, o chefe da pasta admitiu que o sistema ainda hoje funciona de forma “arcaica”.

O período estipulado pelo secretário foi ultrapassado, e muito, no caso do engenheiro civil Renato Dias. Ele é um dos sócios da Embre Engenharia e tem um lote de 55 mil m² no Lago Sul, região mais valorizada de Brasília. O empresário espera a liberação para construir no bairro há quatro anos.

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Minha arquiteta vai à CAP uma vez por semana para acompanhar o andamento do processo e costuma sair do jeito que entrou, sem respostaRenato DiasUm dos sócios da Embre Engenharia

Ele estima que, se o seu empreendimento já estivesse construído, estaria empregando 600 pessoas. “Esse é o preço da burocracia”, adverte o engenheiro.

No dia 13 de maio, a reportagem esteve em frente ao protocolo da CAP. Em meio período observando o movimento, o Metrópoles reuniu uma série de reclamações de empresários e de representantes das construtoras.

O gestor imobiliário Erivaldo Ramos é um desses inconformados com a marcha lenta da CAP. Carregando um amontoado de documentos e sem conseguir estimar o número de visitas que já fez ao local, ele ansiava sair naquele 13 de maio com uma resposta positiva em relação aos projetos que representa (assista ao depoimento em vídeo).

Você acredita que eles demoraram quatro meses apenas para dizer que a cópia da minha carteira de identidade estava sem a autenticação?Erivaldo RamosGestor imobiliário

José Júnior Goulart planeja fazer uma reforma em um de seus prédios comerciais de Águas Claras. O empresário conta que o projeto foi submetido à análise da CAP em 17 de julho de 2015. Praticamente um ano depois, Goulart havia vencido apenas a primeira etapa do calvário das autorizações — recebera do órgão as exigências que deveria cumprir para dar sequência ao projeto, num prazo onze vezes maior do que o estipulado oficialmente.

Sem querer se identificar, um representante de um plano de saúde esbravejou ao ser abordado pela equipe do Metrópoles. “Isso aqui é um inferno”, resumiu a insatisfação ao ver que seus empreendimentos continuariam aguardando a aprovação.

Desemprego

Impedidos de empreender, empresários da construção civil contam os prejuízos. Alexandre Matias, fundador do Grupo Cygnus, calcula que tem R$ 1 bilhão em empreendimentos parados. Ele coleciona 18 projetos em análise na CAP. Se aprovados, Matias dará início à construção de 2 mil unidades comerciais e residenciais no DF. Por enquanto, sua história não é de prosperidade, mas de crise. Em função da demora na liberação de suas plantas e o consequente adiamento das obras, Alexandre diz que demitiu 250 trabalhadores no último ano.

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Se o governo fosse mais eficiente, imagina o tanto que esses projetos gerariam em impostos e em empregos?Alexandre MatiasFundador do grupo Cygnus

Há quase uma década no mercado do DF, a Construtora e Incorporadora Habitar teve que encolher 50% de seu tamanho em 2015. Com nove projetos parados na CAP, a empresa dispensou 150 funcionários.

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Perdemos a capacidade de planejamento estratégico, não conseguimos prever minimamente nosso futuroCelestino FraconDiretor da Habitar

O advogado e especialista em direito urbanístico Mateus Oliveira confirma que a construção civil é o principal motor de uma economia. Quando essa peça não funciona, toda a cadeia produtiva estaciona: “Tantos projetos parados levam a um resultado desastroso para a geração de empregos e na arrecadação de impostos”.

Rafaela Felicciano/Metropoles
Em pouco mais de um ano, o setor demitiu mais de 40 mil pessoas

Os brasilienses sentem o reflexo dessa retração. A última pesquisa divulgada em maio pelo governo, em parceria com Dieese e a Fundação Seade, mostrou que a taxa de desemprego saltou de 14,1% em abril do ano passado para 18,6% em abril deste ano. Nesse mesmo mês, o contingente de desocupados foi estimado em 290 mil pessoas, oito mil a mais que no período anterior.

De janeiro de 2015 a fevereiro deste ano, a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi) registrou mais de 40 mil demissões no setor. “Temos 168 projetos dos nossos associados estagnados na CAP, o que totaliza uma área ociosa de 2.765.155 m²”, disse o presidente da Ademi, Paulo Muniz. A fatia equivale a praticamente metade de todo o Distrito Federal. Segundo ele, esse cenário representa uma perda de R$ 13 bilhões para as empresas.

Um desperdício que expõe duas vezes o governo da capital da República, por não conseguir estimular o crescimento e por paralisar um setor pronto para empreender.

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As recorrentes denúncias de empresários e representantes do setor produtivo sobre a demora na análise e liberação de propostas pela Central de Aprovação de Projetos do GDF motivou o presidente do Tribunal de Contas local, Renato Rainha, a abrir uma inspeção na CAP

No centro da capital da República, cenas de guerra chocaram o país no início deste mês de junho. Durante a desocupação do hotel Torre Palace crianças foram usadas como escudo, houve tiros, bombas e enfrentamento entre invasores e policiais. Uma ação que custou, pelo menos, R$ 4 milhões aos cofres públicos e expôs a vida de militares e civis envolvidos na operação.

O enredo que tangenciou uma tragédia ambientada no Torre Palace apresenta um capítulo reservado à burocracia. Nada do que foi visto recentemente teria ocorrido se o empreendimento no centro da cidade tivesse passado por um processo de revitalização. Mas o Torre Palace, soma-se às 2.724 propostas que aguardam autorização da Central de Aprovação de Projetos (CAP) do GDF para o começo das obras.

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O Metrópoles iniciou nesta terça (21/6) uma série de três reportagens revelando o desgaste do setor produtivo e o preço que a população paga pela morosidade do GDF em estudar os projetos arquitetônicos submetidos ao crivo oficial.

Com exceção das casas, todos os outros empreendimentos têm de passar pela análise do governo. Na série Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia, o portal mostrou que na capital da República menos de dois projetos são aprovados, em média, por dia. Número muito inferior ao de outras importantes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

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No Distrito Federal, o próprio governo admite que se leva, no mínimo, oito meses para a liberação de uma planta na Central de Aprovação de Projetos (CAP). Mas empresários denunciam que esse tempo tem sido até três vezes maior, chegando a dois anos de espera.

É o caso do Torre Palace, cuja proposta de reforma repousa nas mesas da CAP desde 2013. Somente agora, em maio deste ano, quando o prédio já estava invadido, houve o último andamento no processo. A Central recebeu, em 20 de maio, um novo projeto com as exigências impostas pelo órgão. Agora, o governo tem mais 30 dias, em tese, para proceder à análise e, quem sabe, dar um desfecho para o prédio que virou um símbolo do descaso bem no coração da capital federal.

O ritmo arrastado da CAP é tão evidente que entrou na mira dos órgãos de controle. Sem ter mais a quem recorrer, empresários e representantes de empreendimentos na cidade passaram a procurar o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) para denunciar os sucessivos e inexplicáveis atrasos na análise e na aprovação das propostas pela Central.

Resultado disso é que o presidente do TCDF, Renato Rainha, decidiu abrir uma inspeção para apurar a demora na aprovação dos projetos que tramitam na CAP. Promete ele mesmo fazer uma batida na Central para entender o porquê de tantas travas.

“Tenho recebido, constantemente, queixas de empresários que querem construir um negócio e esperam há mais de um ano por isso. É vergonhoso”, apontou Rainha. O conselheiro chamou a atenção para o fato de que o DF tem, proporcionalmente, o maior índice de desemprego do país. Ou seja, não poderia se dar ao luxo de perder um posto de trabalho, ainda que na iniciativa privada, para a burocracia estatal.

Migrar é a solução

Desesperançosos, muitos empresários do setor imobiliário têm migrado para outros estados em busca de condições mais favoráveis. “Quantos empreendedores conhecemos que foram para Goiás abrir negócio por conta da burocracia aqui? Se existem pessoas ainda com a coragem de investir no DF para gerar desenvolvimento econômico, nós temos que auxiliá-los”, defendeu Rainha.

Tenho recebido, constantemente, queixas de empresários que querem construir um negócio e esperam há mais de um ano por isso. É vergonhosoRenato RainhaPresidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal

O fundador do Grupo Cygnus, Alexandre Matias, é um dos empreendedores que têm planos de expandir sua empresa para outra região do país. Decisão que, à primeira vista, pode parecer resultado de um crescimento econômico, na verdade, reflete a sua insatisfação com a CAP.

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Muitos empresários da capital do país estão construindo em outros estados porque não conseguem mais trabalhar no DFAlexandre MatiasFundador do grupo Cygnus

Não só os órgãos de controle, mas também os sindicatos e federações que falam em nome dos empresários e profissionais ligados à construção civil se transformaram em ouvidorias das constantes reclamações sobre a Central de Aprovação de Projetos do GDF.

A diretora financeira do Sindicato dos Arquitetos do DF (Sinarq), Elza Kunze, disse que recebe, pelo menos, dez queixas por semana sobre a CAP. Ela se diz desiludida com as promessas do governo.

Pereira/Metropoles

O ‘Rolla e Empurra’ falou que criaria essa central para facilitar as nossas vidas e aí você viu no que deu. Em três meses, registramos aqui no sindicato 45 rescisões de contratosElza KunzeDiretora Financeira do Sindicato dos Arquitetos do DF (Sinarq)

Presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do DF (Ademi) e um dos sócios da construtora Conbral, Paulo Muniz contou que, no ano passado, a empresa desistiu de alguns empreendimentos na capital federal por causa da burocracia. Ele chegou a devolver quatro terrenos para a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap). “Os projetos aguardam mais de dois anos para ter a aprovação na CAP. Antes, não esperávamos mais que 120 dias”, comparou.

Há 23 anos no mercado, a empresária Karla Gomes Figueiredo, do escritório Gomes Figueiredo, avaliou que 2015 foi o pior ano para os negócios. “Tenho pelo menos 40 projetos que estão na CAP e a dificuldade de andamento deles reflete no nosso faturamento, porque parte da nossa renda depende da aprovação das propostas”, lamentou. Para Karla, a lentidão nas análises desaquece o mercado.

Michael Melo/Metropoles

Ninguém tem coragem de comprar um terreno para esperar um ano e meio e, só depois, começar a construçãoKarla Gomes FigueiredoEmpresária

Em busca de facilidades

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontam que, se por um lado a centralização dos serviços, no caso da CAP, inibiu a corrupção, por outro, concentrou e intensificou a burocracia envolvida na aprovação de projetos.

Se antes as propostas indecorosas eram negociados com assessores e administradores regionais, hoje é preciso ter mais ousadia – uma vez que as atividades foram centralizadas e gerenciadas por um único órgão.

A CAP, portanto, surgiu com o objetivo de dificultar os atos ilícitos. Após inúmeros casos de corrupção envolvendo servidores públicos e grandes empresários, o GDF encontrou na centralização um meio para pôr fim a essas práticas. Ponto positivo para a Central. Mas o que está difícil de o GDF conciliar é a correição com a eficiência.

O delegado-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap), Alexandre Linhares, reforça que, após a criação da CAP, ele não recebeu mais denúncias de corrupção referentes a alvarás. Mas o delegado advertiu que a burocracia é uma porta de entrada para quem deseja pular etapas do sistema.

A criação da CAP foi uma receita caseira que o GDF adotou para aprovar projetos em menos tempo. A Central acabou inibindo os casos de corrupção, mas ainda não demonstrou eficiência. O ideal é a combinação de rigor com agilidade para fechar as brechas da ilegalidade Alexandre LinharesDelegado-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap)

Histórico de problemas

Um exemplo do que ocorria nas administrações regionais, antes da criação da CAP, foi lembrado pela arquiteta Elza Kunze. “Em Brasília, infelizmente o suborno e a corrupção são comuns nesse setor. Um dos meus clientes tinha um projeto que ficou parado durante três meses. Ofereceu R$ 5 mil para um arquiteto da Administração Regional do Lago Norte e, em apenas duas horas, a planta foi aprovada”, contou.

Em nota, a Região Administrativa do Lago Norte confirmou que a denúncia de suposta irregularidade está em apuração, por meio de uma sindicância. “A atual gestão desenvolveu um sistema informatizado próprio de controle interno, que garante transparência e a segurança das informações, para acompanhar e auditar em tempo real todas as etapas dos processos”, disse o órgão por meio de nota

O caso também é investigado na Decap. O ex-administrador do Lago Norte Leandro Casarin chegou a ser chamado na delegacia no começo deste ano para prestar esclarecimentos. “Ele se comprometeu a nos passar informações sobre investigações internas que foram instauradas na unidade. Também afirmou que recebeu uma denúncia anônima apontando o envolvimento de um funcionário”, explicou o delegado Alexandre Linhares. Casarin, no entanto, já não é mais o titular do cargo, desde abril.

A Polícia Civil orienta os empresários a denunciar os casos de extorsão à delegacia. “Já prendemos um despachante que cobrava propina em frente à Terracap. Ele não tinha qualquer relação com o órgão, mas dizia que era servidor para dar credibilidade. Recebeu R$ 600 em um acordo. A fiança estabelecida pelo juiz foi de R$ 50 mil”, lembrou Linhares.

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Um dos episódios mais emblemáticos e que descortinou o esquema de “troca de favores” no processo de obtenção de autorizações para construir está no escopo da Operação Átrio, investigação que começou em 2011 a pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A ação foi liderada em 2014 pela Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco). O escândalo levou para a cadeia dois administradores regionais da época: Carlos Alberto Jales e Carlos Sidney de Oliveira, de Taguatinga e de Águas Claras, respectivamente. Além do empresário Luiz Bezerra e do ex-vice-governador do DF Paulo Octávio.

O grupo, segundo o MPDFT, montou uma organização criminosa para conseguir a liberação de alvarás de empreendimentos situados nas RAs citadas. Ainda de acordo com o MPDFT, os envolvidos dificultaram as investigações.

“Nossa perícia constatou falhas e fraudes no projeto do JK Shopping. O poder público se tornou complacente porque foi dado o habite-se mesmo com as diferenças entre a construção e o projeto. Infelizmente, alguns integrantes do poder judiciário ainda não perceberam a gravidade de se manter uma obra dessas aberta, já que coloca em risco a segurança da população. O MPDFT atuou desde o primeiro momento, mas as orientações foram descumpridas por influência política”, denunciou Fabiano Mendes, promotor da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público Social (Prodep).

Oito ações relacionadas ao esquema desvendado pela Átrio foram ajuizadas na 2ª Vara Criminal de Taguatinga. Atualmente, as testemunhas de defesa são ouvidas pela Justiça. As audiências serão retomadas neste mês de junho. O promotor afirmou que a expectativa é concluir o caso até o final deste ano. O MPDFT segue pedindo a interdição do centro de compras.

Outro caso registrado em 2014 envolveu pessoas da confiança do ex-governador Agnelo Queiroz (PT-DF). As investigações também compõem a Operação Átrio. Ilza Queiroz, mulher de Agnelo e então primeira-dama do DF, foi flagrada negociando a liberação de alvarás para uma clínica de oftalmologia em Taguatinga. De acordo com as investigações, após três dias desde o pedido da ex-primeira-dama, o estabelecimento conseguiu toda a documentação necessária para funcionar.

Na conversa interceptada em 1º de outubro de 2014, Ilza disse ao administrador de Taguatinga: “Meu filho, quero te pedir um favor. Vai abrir lá outra clínica de oftalmologia, e eles deram entrada aí na administração por um alvará. E eu queria ver se você podia agilizar.” Mas quem não tem uma madrinha desse porte, aí tem que enfrentar a dura saga das dezenas de empresários que penam para ver seus projetos materializados.

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Governo, empresários e arquitetos sugerem alternativas para transformar as pilhas de papéis amontoados nos gabinetes em metros quadrados de prosperidade no DF: aumentar o número de funcionários da Central de Aprovação de Projetos, melhorar a gestão do órgão e criar normas administrativas e jurídicas mais claras

Praticamente metade do território do Distrito Federal está ocioso por causa da demora do governo em analisar, encaminhar e liberar empreendimentos. Na capital do país, os gestores aprovam, em média, um projeto por dia, 22 vezes menos que os do Rio de Janeiro ou oito vezes menos que os de São Paulo. Segundo os cálculos de empresários, a leniência do Poder Público rouba do setor produtivo assustadores R$ 13 bilhões ao ano. Os dados foram revelados pelo Metrópoles desde terça-feira (20/6), quando o portal iniciou a série Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia.

Os dois primeiros capítulos da reportagem reúnem críticas, desabafos e denúncias de todos aqueles que dependem da Central de Aprovação de Projetos (CAP) para materializar suas plantas na capital brasileira. Também mostram que órgãos de controle estão atentos aos prazos abusivos que emperram o desenvolvimento local. Mas só quem gera a burocracia é capaz de apresentar a saída para esse cenário desalentador. Por isso, o Metrópoles ouviu o que o governo propõe para mudar essa realidade.

Além do GDF, outras partes envolvidas sugerem alternativas com potencial de transformar as pilhas de papéis amontoados nos gabinetes em metros quadrados de prosperidade no DF. Aumentar o número de funcionários da Central de Aprovação de Projetos é uma delas. Melhorar a gestão do órgão e criar normas administrativas e jurídicas mais claras são outras providências consideradas urgentes.

Felipe Menezes/Metropoles

Não dá para imaginar que todos os projetos de Brasília serão aprovados em um único lugar se esse espaço não estiver bem estruturadoAdalberto JúniorVice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon)

O quadro de analistas da CAP dobrou desde março deste ano, passando de 27 para 54 técnicos. No entanto, até a segunda semana de maio, 10 funcionários ainda aguardavam nomeação para assumir seus postos. Além disso, os servidores estão em treinamento. Então, embora o contingente de analistas tenha crescido, os usuários da CAP ainda não sentiram a diferença.

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Modelo antiquado

O próprio secretário de Gestão do Território e Habitação (Segeth), Thiago de Andrade, qualificou o guia que estabelece as normas de construção no DF – o Código de Obras e Edificações (COE) – como “arcaico”.

Passamos 2015 e o começo deste ano fazendo uma revisão radical do código, que está no gabinete do governador para as análises jurídicasThiago de AndradeSecretário de Gestão do Território e Habitação (Segeth)

O documento está precisamente na Subsecretaria de Políticas Públicas da Casa Civil, encarregada de analisá-lo e apontar sugestões para eventuais mudanças. Após esse trâmite, o conteúdo passa pelo crivo do governador Rodrigo Rollemberg. E aí, depois, segue para apreciação da Câmara Legislativa. Não há prazos para a conclusão dessas etapas.

A falta de perspectiva sobre as mudanças nas regras preocupa os empresários, que veem no novo modelo do COE uma das soluções para os problemas atuais.

“Torcemos para que, até o fim do semestre, ele seja enviado para a Câmara. Será um grande avanço”, acredita o presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi), Paulo Muniz.

As propostas são inspiradas em experiências de outras grandes capitais, como São Paulo. Uma delas é aumentar a responsabilidade de arquitetos e de engenheiros que assinam projetos. Assim, o governo analisaria apenas índices urbanísticos. A mudança daria mais celeridade à CAP.

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Outra ideia emprestada da capital paulista é informatizar a análise de projetos de até 1.500m² e de residências. Lá em São Paulo, o Habite-se e a Licença de Funcionamento de Atividades também são emitidos pela internet desde 2013, quando a Secretaria Municipal de Licenciamento (SEL) foi criada.

A descentralização de análises em São Paulo permite que os projetos sejam aprovados em até 90 dias. Apenas empreendimentos com mais de 1.500m² de área construída são avaliados pela SEL. As subprefeituras se encarregam das edificações menores.

O que nós temos buscado, através da Ademi, do Sinduscon e da Associação dos Arquitetos daqui de Brasília, é simplificar a análise para que o arquiteto seja responsabilizado civilmente pelo projeto que faz. A secretaria verificaria apenas parâmetros urbanísticosKarla Gomes FigueiredoArquiteta

Hoje, os técnicos da CAP avaliam cerca de 260 itens para aprovar obras.

Mudanças nos ritos e na burocracia

Diminuir a quantidade de trâmites exigidos pela CAP é visto com bons olhos até pelo governo. Hoje, qualquer proposta passa por duas etapas: aprovação de projeto e licenciamento de obras. Só é possível começar a construir com o alvará em mãos, que é emitido na última fase.

“A aprovação de projetos é a parte em que gastamos mais tempo. Nessa fase, concentra-se o maior investimento da nossa força de trabalho”, contou o secretário Thiago de Andrade. O novo COE prevê uma fase única, concentrada no licenciamento.

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Levantamento da Segeth revela que é muito difícil concluir o processo de aprovação e iniciar uma obra. Dos 100 projetos que dão entrada no protocolo da CAP, apenas 8% conseguem os alvarás de construção. No caso da emissão do Habite-se, o número é ainda menor: 4%.

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Para tornar viável o licenciamento unificado, o governo estuda a criação do Sistema Eletrônico de Informação (SEI). A ferramenta também é usada em São Paulo. O serviço deve funcionar, segundo a Segeth, a partir de agosto deste ano. “Já estamos em fase de testes. Temos um bom intercâmbio com outras prefeituras do país. Muitas conseguiram desburocratizar o sistema”, disse o secretário.

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Perspectivas

O governo garante que há um horizonte para transformar a cidade de papel em obras concretas. O secretário Thiago Andrade diz que trabalha para desafogar o sistema. A lista de tarefas inclui a reorganização estrutural da CAP, mudanças nas normas, informatização dos sistemas, criação de postos de atendimento nas regiões administrativas e transformação da central em autarquia.

Se as metas definidas pela Segeth forem cumpridas — e não no prazo habitual da CAP — a análise de empreendimentos passará a ser feita em, no máximo, seis meses. “A gente está na idade da pedra. Anos 80, entendeu? Papel sendo trocado de maneira arcaica. Três, quatro dias para um processo sair de um lugar para outro…”, admitiu e prometeu: “Vamos mudar isso ainda neste governo”.

DIREÇÃO DE JORNALISMO

LILIAN TAHAN

EDITORA-CHEFE

PRISCILLA BORGES

COORDENAÇÃO E EDIÇÃO

LILIAN TAHAN

REPORTAGEM

MIRELLE PINHEIRO & LETÍCIA CARVALHO

ARTE E INFOGRÁFICOS

JOELSON MIRANDA & KACIO VIANNA

EDIÇÃO DE VÍDEO

GABRIEL PEREIRA & GUI PRÍMOLA

FOTOGRAFIA

DANIEL FERREIRA, FELIPE MENEZES,
MICHAEL MELO E RAFAELA FELICCIANO

DESENVOLVIMENTO

FELIPE MARQUES & SAULO MARQUES