metropoles.com

Serginho teme pelo ciclo do país no vôlei e detona falta de estrutura

Recém-aposentado aos 40 anos, líbero falou sobre o estado de coisas no vôlei brasileiro e deu opiniões sobre a futura geração da seleção

atualizado

Compartilhar notícia

Daniel Ferreira/Metrópoles
serginho, desafio de ouro, vòlei
1 de 1 serginho, desafio de ouro, vòlei - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

A camisa 10 da seleção brasileira masculina de vôlei não tem mais dono. Aos 40 anos, Serginho se despediu oficialmente da equipe nacional depois de entrar na história olímpica como o maior medalhista do Brasil em esportes coletivos, com dois ouros e duas pratas. Em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, o líbero não esconde a preocupação com o futuro da modalidade, comenta do seu papel como conselheiro da nova geração e compartilha o desejo de ajudar a revelar novos talentos.

Qual balanço você faz da sua passagem pela seleção?
Foi uma história de alegrias, não tenho decepção na seleção brasileira. É igual ao primeiro ano de escola, você faz muitos amigos e depois tenta lembrar. Só tenho recordações boas.

Já caiu a ficha de que no Rio-2016 foi sua última participação?
Confesso que estou bem aliviado de ter ido para a minha última Olimpíada, de ter vestido a camisa da seleção pela última vez, de ter conquistado o ouro. Vou sentir falta só dos amigos, mas como sentir falta de alguma coisa que te tira do aniversário do seu filho e da sua mãe? Seu amigo está casando e você não pode ir. Teu amigo está fazendo churrasco, manda foto e você está preso.

Você vai assistir aos jogos da seleção brasileira?
Vou, torço e sofro demais. Na televisão, né? Odeio ver jogo de vôlei na quadra (risos).

Quanto tempo ainda planeja ficar em atividade?
Na minha cabeça, jogo essa e mais uma temporada. Se eu estiver bem fisicamente, vamos ver o que vai acontecer.

Como vê o futuro do vôlei aqui?
Preocupante. Nosso vôlei respira por aparelhos, a gente sabe que o nível técnico das categorias de base caiu muito, poucos times no Brasil têm categorias de base. Até na Superliga, acho que apenas quatro equipes vão brigar pelo título. É muito pouco para um País que é tricampeão olímpico, chega a ser ridículo.

Como você avalia a montagem das equipes no Brasil?
Sou contra o ranking. Falam que é para equilibrar, mas não vejo equilíbrio, se fosse assim teríamos 12 equipes brigando pelo título na Superliga. Poucos clubes no Brasil têm dinheiro. Ranking às vezes deixa o cara desempregado. E o mercado está levando muitos jogadores para fora porque a situação dos clubes aqui é triste. Riad, jogador de seleção brasileira, está sem time. O Lipe, campeão olímpico, está sem time. É inadmissível esses caras estarem sem ter onde jogar. Alguma coisa está errada

Daqui quanto tempo você acha que esse problema pode afetar a seleção brasileira?
Já no próximo ciclo olímpico. Somos carentes em algumas posições Temos o Wallace e o Evandro de opostos, mas precisa ter gente nova. A gente também precisa agregar líberos novos para verem o que é vestir a camisa da seleção brasileira, ganhar responsabilidade, jogar com pressão. Jogar no clube é diferente de jogar na seleção. Isso preocupa muito.

Você participou de diferentes gerações do vôlei. Pode fazer uma comparação?
Jogadores foram agregados em todos os ciclos desde 2001, mas acho que é pouco para um País que é tricampeão olímpico. A gente deveria ter mais jogadores brigando por posições dentro da seleção brasileira. Nessa Olimpíada, passamos por um sufoco muito grande, lesão, alguns jogadores chegaram quebrados. Algumas coisas precisam ser revistas.

Quando você entrou para a seleção, se juntou a seus ídolos. Hoje você é o ídolo de muitos jogadores que chegam. Como vê essa mudança?
Quero passar aos meninos que sou igual a eles, só que sou alguém que já viveu o ápice do esporte, já chegou até o cume da montanha duas vezes. Quero mostrar quais são as formas de chegar lá, é difícil. Tento passar uma fórmula de que é possível fazendo as coisas direito. Não quero a imagem de um cara que não dá abertura.

Eles te procuram?
Muito. Não só os mais novos, como os principais pilares da seleção brasileira hoje. Nessa Olimpíada, fui até psicólogo. Você conversa e passa confiança também, não pode só ficar martelando o atleta, apontando os erros. Vamos achar a solução para que ele não cometa aquele erro. Conversei com todos em diversas situações e isso facilita de certa forma eles esquecerem um pouco o que a minha imagem representa como jogador no vôlei.

Acha que o Bernardinho deve continuar na seleção?
Bernardo é a imagem da seleção brasileira. Quem tem de decidir é ele, gostaria muito que ele ficasse. Sei também que é um desgaste grande e ele está ficando velho, já não consegue dar mais as broncas dele (risos). O cara ganhou de novo, será que algo vai motivá-lo a continuar dando treino? Tem de ter uma motivação a mais. Ir só para fazer as coisas, tenho certeza de que não vai.

E como continuar motivado durante tanto tempo?
Atleta que não tem título no vôlei é difícil ser valorizado. A motivação é muito do que você já passou na carreira. As coisas na minha vida sempre foram muito difíceis, acho que essa motivação vem da infância. Cada um tem uma fórmula. Eu sou um cara que tenho muita fome de conquistar as coisas. Sempre tive fome.

Como manter a humildade?
É de berço. A pessoa não se transforma, ela já é aquilo tendo dinheiro ou não. Eu sei da minha vida com e sem dinheiro e é a mesma coisa. Isso é do caráter de cada um.

O que o vôlei te deu e o que tirou de você?
O vôlei me deu tudo o que tenho hoje, uma condição de vida melhor, a possibilidade de dar uma educação melhor para os meus filhos. E o que vôlei me tirou é eu não poder estar próximo da minha família, principalmente dos meus dois filhos mais velhos. O dinheiro não vai pagar essa ausência.

Gostaria de ter uma despedida em São Paulo?
Não. A gente sofre demais, se emociona, eu ia chorar de novo. Se fizessem, lógico que eu jogaria. Seria muito legal poder jogar em São Paulo, que é a minha casa, mas não precisa mais. Em Brasília, vi muita gente chorando. Não quero ver as pessoas chorando, quero ver as pessoas sorrindo.

Depois da aposentadoria você planeja se dedicar mais ao seu projeto Viva Vôlei, em Pirituba (zona norte de São Paulo)?
Estou tentando terminar o centro de treinamento. Vou me dedicar muito a ele porque quero tentar revelar jogador, lapidar atletas profissionais e até jogadores de fim de semana. É um sonho que tenho e está próximo. Vai ajudar também a tirar a molecada da rua para jogar. Quero contribuir.

Compartilhar notícia