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Grupo Galpão leva Pirandello das ruas para dentro da Caixa Cultural

Montagem da companhia mineira retoma expedientes já conhecidos e consagrados de sua parceria com o diretor Gabriel Villela

atualizado

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Divulgação
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1 de 1 gigantes02 - Foto: Divulgação

Em cartaz na Caixa Cultural para o segundo e último fim de semana de sua curta temporada brasiliense, o espetáculo “Os Gigantes da Montanha” funciona para o Grupo Galpão como um chamado vocacional e uma revalidação de práticas. Uma reafirmação de usos e costumes que o coletivo mineiro vem desenvolvendo desde que surgiu na cena brasileira, há três décadas.

Mais uma vez sob direção de Gabriel Villela, o Galpão aproveita esse texto original de Luigi Pirandello (1867-1936) para retomar algumas de suas mais caras referências, que eram referências também para o notável dramaturgo italiano, um renovador do teatro de sua época. Como em outras montagens de Villela, estão ali as figuras dos clowns (ou os pagliaci, se preferires) com suas pesadas maquiagens e seus adereços mil.

Estão ali também os instrumentos musicais e as canções, amplificando o espírito saltimbanco e levando a plateia adiante. E estão ali ainda os tantos e diferentes signos todos misturados no mesmo cenário e no mesmo figurino: máscaras gregas, liteiras egípcias, tendas persas, sombrinhas chinesas e uma caveira de bode xamânica.

Recursos já conhecidos
Villela já tinha usado de semelhantes recursos desde sua mais notável colaboração com o Galpão: “Romeu e Julieta” (1992), em versão teatro de rua, peça que entrou para o repertório da companhia e volta à cena de tempos em tempos. Villela já tinha usado de semelhantes recursos até mesmo quando esteve longe do Galpão, por exemplo, numa montagem de “Leonce e Lena” (2006), em São Paulo, para a Cia. Brancaleone de Teatro.

Expedientes assim reiterados, não importa se em texto de William Shakespeare ou Georg Büchner, podem ser entendidos como estética própria, identidade artística ou linguagem consolidada. Mas eventualmente, entenda-os como quiser, podem causar certo fastio, certo enfado. Cansaço de material.

Galpão lotado: doze atores em cena *Divulgação*
Os fantasmas se divertem: bordados e adereços mil *Divulgação*

 

Fiapos de histórias
Aqui o espírito saltimbanco do Galpão pode se espalhar à vontade. A história de Pirandello apresenta um grupo de teatro já combalido, decadente, a bater sem rumo num vilarejo abandonado. Nesse lugar, eles encontram apenas a figura desvairada do Mago Cotrone (o altivo Eduardo Moreira). Na ausência de viv’alma, o mágico se faz rodear por fantasmas. Ele e suas almas penadas serão, portanto, o único público do derradeiro espetáculo dessa companhia.

Todas as noites a vila se enche de sonhos e de música, diz Cotrone, a horas tantas, e precisamos de poetas para dar coerência aos sonhos.

Eis aí a metalinguagem tão cara a Pirandello, a Villela e ao Galpão. Uma metalinguagem que, neste caso específico, mais do que simples recurso, se mostra quase uma necessidade dramática. Uma vez que Pirandello morreu sem ter concluído seu texto. O final em aberto é explicado ao público, um tanto didaticamente, por um narrador em cena — e o grupo meio que pede licencinha ao fantasma de Pirandello para fechar a história da maneira que julga mais apropriada.

Chave para a montagem
Esse elemento intelectual da metalinguagem dá a chave para toda a montagem. Um exercício constante de aproximação e distanciamento, à medida em que texto e direção operam em duas frentes simultâneas e paralelas: a peça e a peça dentro da peça. E ainda há uma terceira frente: a vida real, com o autor/personagem Pirandello a morrer antes de concluir esta peça que tem uma peça dentro dela.

A unir todos esses fiapos de histórias e a (tentar) levar o espetáculo adiante como um todo íntegro e indivisível, entra uma trilha sonora executada e cantada ao vivo pelos atores. Uma série de canções populares italianas. Entre elas, a ancestral “Bella Ciao”, mas também as mais contemporâneas “Il Mondo” (Jimmy Fontana) e “La Arrabiatta” (Nino Rota).

E aqui o truque fica por demais evidente: sempre que a narrativa desliza e/ou falta algum elemento na peça inconclusa, a música serve para empurrar a ação e cativar corações e mentes da plateia.

Um final em aberto: licencinha ao autor *Divulgação*
Fechando um final deixado em aberto: licencinha ao autor *Divulgação*

 

Fio de cabelo
Antes mesmo de o palco da Caixa Cultural se encher de atores e de fantasmas, o público que toma as cadeiras para “Os Gigantes da Montanha” é recebido por um som de radinho de pilha. Uma sequência de modas de viola e de canções sertanejas recorda a Minas Gerais, o sertão espiritual do qual nem Villela nem o grupo se afastam muito. Entra até “Fio de Cabelo”, de Chitãozinho & Xororó. (Tal aspecto, no entanto, não voltará a ser abordado em momento algum pela dramaturgia de Villela e Eduardo Moreira, revelando-se apenas gratuito.)

Circulando pelo Brasil desde 2013, esta montagem precisa se adaptar a diferentes paisagens e geografias ao longo do caminho. Desta vez, na Caixa Cultural, precisa caber num caixote do tipo palco italiano, o tablado ficando num patamar mais elevado em relação à plateia, o que acarreta alguns estorvos de encenação ao longo do espetáculo. Antes disso, quando a peça aqui esteve para ser apresentada na Sala Plínio Marcos da Funarte, a dinâmica era oposta: teatro de arena, e provavelmente funcionava melhor.

E antes ainda, quando foi apresentada pela primeira vez, na Praça do Papa, de Belo Horizonte, o espetáculo era a céu aberto. O que faz todo o sentido. Esta é uma história que não pode ter paredes em sua volta. Para os fantasmas de Cotrone poderem transcender sua dimensão espiritual e de fato contracenarem com as pessoas da peça — e com o mundo aqui fora.

Sexta (4/12) e sábado (5/12), às 20h; domingo (6/12), às 19h, no teatro da Caixa Cultural (Setor Bancário Sul , Quadra 4, Lotes 3 e 4; 3205-9448). Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$10 (meia). À venda na bilheteria do teatro. Não recomendado para menores de 12 anos.

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