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Show Legião Urbana XXX leva o público a uma catarse coletiva

Como se fossem levadas 30 anos de volta no tempo, 5,5 mil pessoas cantaram as letras em coro, choraram, extravasaram frustrações e saíram do Net Live Brasília de alma lavada

atualizado

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Rayan Ribeiro/Divulgação
Show Legião Ubrana XXX
1 de 1 Show Legião Ubrana XXX - Foto: Rayan Ribeiro/Divulgação

Nos idos dos anos 1970, quando surgiu um zum zum sobre um possível retorno dos Beatles, John Lennon foi bem realista. “Não tem como voltar a uma casa que não existe mais”, disse, categórico. De modo que, difícil imaginar um show da Legião Urbana, sobretudo em Brasília, sem o Renato Russo. É como uma aventura de capa e espada com os três mosqueteiros, sem o D’Artgnan. Ou um quadro da “Santa Ceia” sem Jesus Cristo.

Mas isso aconteceu neste sábado (7/5), no Net Live Brasília, diante de 5,5 mil fãs ensandecidos, que cantaram loucamente as canções da maior banda de rock brasileira de todos os tempos. Quase 30 anos depois daquela conturbada apresentação no Mané Garrincha, em 18 junho de 1988, era como se todos estivessem de volta à cidade onde tudo começou. Ninguém sentiu falta do angustiado líder da Legião, já que ele estava lá o tempo todo, nos refrões poderosos e em cada verso dos sucessos que escreveu. E foram muitos.

“Boa noite! Vocês estão prontos?”, perguntou o guitarrista Dado Villa-Lobos, às 22h33, antes de beliscar os acordes iniciais de “Será”, faixa de abertura do primeiro álbum do grupo, lançado em janeiro de 1985. Foi a senha para o espaço quase vir abaixo. E foi assim ao longo de duas horas e cinco minutos de show. “Muito foda estar aqui hoje! Difícil sempre isso aqui”, desabafou.

Viagem numa cápsula do tempo
Acompanhado do baterista Marcelo Bonfá e dos amigos André Frateschi (vocais), Roberto Pollos (baixo) e Lucas Vasconcellos (guitarra e violão), ele prometeu o que disse ao Metrópoles em matéria publicada no dia 5/5.

Conduziu uma massa ululante de legionários a uma verdadeira “celebração, um grande show de rock”. Capturou as almas das pessoas e jogou-as numa cápsula do tempo que foi parar três décadas atrás. Um filme passou na cabeça de milhares de pessoas, era como se um pedaço de cada um que estava ali montassem um gigantesco mosaico de lembranças de uma Brasília mágica.

Impressionante como as letras viscerais, confessionais e universais de Renato Russo continuam atuais e ainda tocam fundo no coração e na mente das pessoas. E de uma maneira passional, quase delirante. Tocadas na íntegra, faixa por faixa, na sequência em que foram registradas, as canções do primeiro disco da banda, intitulado apenas “Legião Urbana”, promoveram uma catarse coletiva.

Letras cantadas em coro
Pelo menos seis delas fizeram o lugar tremer, levando as pessoas a cantarem as letras do início ao fim: “Será”, “Ainda É Cedo”, “Geração Coca-Cola”, “Soldados”, “Baader-Meinhof Blues” e “Por Enquanto”. Nesta última, o carismático André Frateschi só cantou os versos iniciais, jogando o microfone para o público. Quando ele tomou de volta a letra da canção, só para cantar o trecho: “Estamos indo volta pra casa…”, lágrimas escorriam no rosto de cada um.

Assim como acontecia nas apresentações da Legião Urbana pelo Brasil afora, quando Renato Russo era vivo, o público usava as letras escritas pelo sensível poeta para extravasar suas frustrações, indignações e insatisfações com o país, a vida. De modo que um grito de raiva, misturado com sentimento de impotência e repulsa saiu da voz do público nos versos: “Essa justiça desafinada é tão humana e tão errada”. Era como se todos estivessem exorcizando os Cunhas, Temers, enfim, os corruptos de ambos os lados, partidos e bandeiras num cuspe-desabafo.

Dado, Bonfá e André Frateschi
Passada a histeria da primeira parte do show, eis que a Legião Urbana XXX volta ao palco trazendo canções de outros álbuns da banda. Com exceção de “Uma Outra Estação” — registro de 1997 lançado com sobras e músicas não gravadas pela banda após a morte de Renato Russo –, todos os discos tiveram canções lembradas.

Com camiseta descolada homenageando a banda Talking Heads, Marcelo Bonfá trocou as baquetas pelo microfone e mandou bem na faixa “Pais e Filhos”, mega hit do álbum “As Quatro Estações”, o primeiro gravado sem o baixista Renato Rocha, o Negrete. E não parou por aí, fazendo dobradinha vocal com Dado em “Tempo Perdido” e “Índios”, a música que traz reminiscência sobre o Clube da Vizinhança em Brasília. Em “Faroeste Caboclo”, o baterista tirou sarro tocando um triângulo e conduziu uma bateria com toques jazzísticos em “Eduardo e Mônica”.

Surtos, desabafos e lembranças
Bem à vontade, o guitarrista Dado Villa-Lobos deixou se contagiar pela euforia do momento, surtando, literalmente, algumas vezes ao longo da apresentação. Em “Soldados”, por exemplo, ainda na primeira parte, brincou de combatente imitando uma metralhadora com sua Les Paul, fuzilando a plateia com riffs certeiros e solos bem elaborados. Em “Teatro dos Vampiros” — que ele escreveu a melodia –, um desabafo sobre a atual e caótica situação do país. “A televisão tem mostrado espetáculos bizarros nas últimas duas semanas, vivemos momentos conturbados”, comentou.

Antes de tocar “Faroeste Caboclo” com os amigos, ele lembrou os tempos em que era aluno do Maristão, e do primeiro show da Legião Urbana na Associação Brasileira de Odontologia (ABO), na 616 Sul, em 1983. “Nós fazemos parte da cultura desse lugar que repercutiu no país inteiro”, recordou, referindo-se ao rock Brasília. “Brasília nos transformou. O que sou hoje, com certeza, tem a ver com este lugar”, emendou.

Brincalhão, o guitarrista cinquentão não perdeu a oportunidade de esculhambar a cidade onde mora hoje e seus “ilustre moradores”. “O Rio de Janeiro está fodido, o Cunha voltou para lá”, zoou, antes de apresentar “Perfeição”. “Gente, um pouco mais de tolerância e compreensão”, pediu.

O carisma de André Frateschi
Ligado à banda desde os seus 10 anos de idade, quando acompanhava a mãe Denise Del Vecchio nas apresentações da peça “Feliz Ano Velho” pela cidade — projeto que contou com parceria da Legião –, o vocalista André Frateschi conquistou a atenção da plateia desde que pegou o microfone e cantou “Tire suas mãos de mim/Eu não pertenço a você”.

Muito dessa empatia instantânea se deve ao fato de o cantor e ator, em momento algum, querer ser Renato Russo em cima do palco. Era apenas um grande fã da Legião Urbana cantando as músicas dos ídolos. Se divertiu à beça, contagiando milhares de legionários como ele.

Antes de encerrar com chave de ouro, essa “volta” triunfal a Brasília, tocando a emblemática “Eduardo e Mônica”, uma apoteótica performance de “Que País É Este”, com direito a participação do lendário baixista de uma das bandas seminais do rock Brasília, Geraldo Ribeiro, o Gerusa.

Até então carentes, os fãs da Legião deixaram o Net Live Brasília com a alma lavada. Uma bela homenagem ao Renato Russo e a eles mesmos, a Legião Urbana.

(*) No fim da tarde de sábado, pouco antes do início do show. Dado, Bonfá e os músicos que os acompanham na turnê Legião Urbana XXX posaram para foto na Praça dos Três Poderes. No mesmo lugar, em 1984, eles fizeram a foto abaixo, com Renato Russo.

1984

Reprodução


2016

Reprodução/Facebook
Faixas da segunda parte do show na sequência:

“Tempo Perdido”
“Daniel na Cova dos Leões”
“Há Tempos”
“Tédio (Com um T Bem Grande Pra Você)”
“Dezesseis”
“Meninos e Meninas”
“Eu Sei”
“Pais e Filhos”
“Angra dos Reis”
“Teatro dos Vampiros”
“Quase sem Querer”
“Índios”
“Faroeste Caboclo”
“Perfeição”
“Que País É Este”
“Eduardo e Mônica”

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