Crítica: Documentário “Volta à Terra” retrata a dura vida do campo
A forma simples e direta com que o diretor João Pedro Plácido registra o cotidiano do grupo, num período de um ano, comove
atualizado
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Há um diálogo exemplar no documentário português “Volta à Terra”, em cartaz no Cine Brasília. É quando, durante uma festa popular religiosa no interior do país, uma jovem pergunta ao rapaz que a acompanha o que ele faz. “Sou agricultor”, responde. “Nossa, é raro encontrar pessoas assim hoje em dia”, comenta a “rapariga”.
A frase, absurda, resume a essência do filme dirigido pelo diretor de fotografia João Pedro Plácido. Trata-se de um registro sobre pessoas em extinção. Enfim, genuínos trabalhadores rurais que lidam diariamente, de sol a sol, com a dura e árdua lida do campo num vilarejo com ares medieval.
O lugar em questão se chama Uz, aldeia localizada próxima a fronteira de Portugal e Espanha, região entre o rio Minho e a província de Trás-os-Montes. É ali que vive a família Guimarães, personagens do filme e antepassados do diretor João Pedro Plácido. O avô e a mãe, por exemplo, nasceram ali.
Sentimento de pertencimento e identidade
O velho Antônio quer manter as tradições do lugar, como as festas religiosas e eventos culturais que ajudam a solidificar certo sentimento de pertencimento, identidade. Daniel, o rapaz de 20 e poucos anos que assustou a jovem amiga no início da história, apenas deseja encontrar alguém com quem dividir o cobertor à noite. Em meio a esses contrastes de ideias, interesses e prioridades, perpassam de forma bem sutil, mas pontuais, temas como a busca por melhores condições de vida e o revés de uma economia cada vez mais globalizada.
A forma simples e direta com que João Pedro Plácido registra o cotidiano do grupo, num período de um ano, comove. A beleza de imagens rústicas e telúricas encanta ao mesmo tempo em que assusta pelo realismo com que expõe a rotina bruta da dura labuta, como aquela de um porco grande morto dependurado sendo destrinchado.
Claramente uma obra-homenagem do diretor às suas raízes, “Volta à Terra”, exibido no Festival de Cannes em 2016, será o único filme dirigido por João Pedro Plácido, que já avisou que é realizador de um filme só. Uma pena. Ao deixar a sessão o espectador sai com a imagem de o bom selvagem de Rousseau na cabeça, com vontade de ouvir “Geraes” de Milton Nascimento.
Avaliação: Bom