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Sob pressão, GDF ameaça romper contratos de marmitas em presídios

Medida foi tomada após denúncias de que nem todos os produtos alimentícios pagos em licitações milionárias chegam aos presos no DF

atualizado

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Giovanna Bembom/Metrópoles
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1 de 1 cial, marmitas, presídios - Foto: Giovanna Bembom/Metrópoles

Um mês após o Metrópoles publicar denúncias de que as fornecedoras de alimentação para os presídios do DF não estavam entregando todos os itens contratados em licitações milionárias, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) resolveu agir. As empresas Cial, Confere e Nutriz foram notificadas para dar explicações, sob o risco de serem punidas até com a rescisão dos contratos. As três são responsáveis pelas refeições de 15.311 detentos, um serviço que custa aos cofres públicos R$ 200 milhões.

Uma delas, a Confere Comércio e Serviços de Alimentação, tem até esta semana para esclarecer a situação. As outras duas — Cial e Nutriz — serão inspecionadas dentro das unidades prisionais nas quais atuam. A Sesipe emitiu uma circular para que seja informado se o lanche noturno tem sido servido como prevê o contato pago pelos cofres públicos, com queijo, presunto e mortadela.

O Centro de Detenção Provisória (CDP) e a Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II), atendidos pela Cial, têm até esta semana para passar à subsecretaria o detalhamento do serviço prestado. O mesmo prazo vale para o Centro de Internamento e Reeducação (CIR) e para a Penitenciária do Distrito Federal (PDF1), servidos pela Nutriz.

A Sesipe pode dar advertência para a empresa, multa ou até rescindir o contrato pela quebra das cláusulas previstas.

Trecho de nota da Sesipe

Pressão do MP
As medidas foram tomadas após denúncias de detentos, de seus familiares e de forte pressão do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT). O Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri) questionou as três empresas suspeitas de descumprir os contratos e notificou a subsecretaria no último dia 13.

Os contratos estabelecem pelo menos três opções de lanche noturno. Uma delas é pão com manteiga, queijo, presunto ou mortadela. Mas investigações do Nupri identificaram que só pão seco era entregue, sem qualquer recheio. Há, ainda, quantidades menores do que as contratadas de itens servidos, como feijão, carne, legumes e frutas.

“Verificamos que as empresas não faziam um revezamento entre os itens previstos no contrato para a ceia. Solicitamos os cardápios específicos e oficiamos para que passem a cumprir fielmente o que foi determinado“, explicou Berenice Maria Scherer, promotora de Justiça do Nupri.

Arte/Metrópoles

 

Lavagem
Familiares de detentos também acusam problemas na qualidade das marmitas e chamam as refeições de “lavagem” (restos servidos a animais). Eles contam que alguns presos chegam a passar mal, vítimas de intoxicação alimentar. Um dos problemas seria o tempo que as refeições passam fora de refrigeração. Foi  denunciada ainda a quantidade de marmitas e de caixinhas de suco inferiores ao número de presos.

O que não chega aos detentos é cobrado, de qualquer forma, no preço fechado nos contratos. E quem paga pelo serviço que não é prestado em sua plenitude é o cidadão, por meio de impostos e taxas.

Para fornecer quatro alimentações diárias aos detentos dos seis presídios do DF, cada empresa conta com um orçamento milionário, segundo os contratos que abrangem o período de 2014 a 2019. A Cial Comércio de Alimentos receberá R$ 91.873.700,98 até o término do contrato. A Nutriz abocanhará R$ 71.622.908,75; e a Confere/Confederal, R$ 31.208.401,53.

Também foram feitas denúncias de que nem todas as quentinhas estavam sendo entregues. “Essa prática estaria gerando um comércio irregular dentro das unidades. Quem tem acesso às marmitas cobra pela parte que vai dividir”, disse a diretora da Associação de Familiares dos Internos e Internas do Sistema Prisional do DF e Entorno (Afisp-DFE), Darlana Godoi.

Depois das denúncias, as empresas entraram na mira da Vigilância Sanitária. Reincidente nas reclamações, a Confere foi alertada sobre o estado das marmitas de alumínio, “que estavam chegando amassadas” e com “a temperatura abaixo do recomendado”, segundo documento dos fiscais.

Em 19 de maio, o órgão também visitou a Cial e a Nutriz. Na primeira, foi determinada a instalação de estrados nas caixas de alimentos. Uma das reclamações dos parentes de presos é o acúmulo de sujeira e comida velha nas caixas. Segundo eles, isso provoca mau cheiro, que acaba sendo transferido para a comida servida e aumentando o risco de contaminação.

A Nutriz, por sua vez, foi notificada a fazer ajustes na estrutura física da cozinha, como manutenção de pintura de paredes e tetos, substituição de cerâmicas e instalação de telas de proteção nos vidros. A Vigilância Sanitária deu prazo de 45 dias para que os ajustes sejam feitos.

O outro lado
A reportagem esteve, semana passada, nas três empresas em busca de explicações, já que desde março tenta entrevistas por e-mail e telefone sem conseguir respostas. Os escritórios da Cial e da Confere em Brasília ficam no Setor de Armazenamento e Abastecimento Norte (SAAN), na mesma quadra: 3. A Cial mantém a cozinha dentro das unidades prisionais onde atua. A Confere tem uma cozinha industrial no local e transporta os alimentos até as cadeias.

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Mesmo com as notificações, o dono da Cial, Frederico Valente, garantiu cumprir fielmente o contrato. “As normas nutricionais, a quantidade de itens. Tudo é obedecido. Mais informações é preciso perguntar à Sesipe”, recomendou.

A Nutriz está localizada no Setor de Oficinas Sul (SOF), entre duas mecânicas. Ela também produz os alimentos em cozinhas instaladas em presídios. O superintendente da empresa, Douglas Isaac, disse que desconhece qualquer notificação emitida pelo MPDFT ou pela Sesipe. “Não existe descumprimento contratual. Somos constantemente fiscalizados e tudo é tratado diretamente com os órgãos”, rebateu.

A Confere também garantiu, por meio de nota, que “problemas eventuais, quando verificados, são imediatamente corrigidos” e afirmou que a alimentação que produz tem “rigorosa supervisão de equipe de nutricionistas”, embora as denúncias mostrem que tamanho zelo não se comprova.

Código Penitenciário
A oferta de comida com qualidade aos detentos, em pelo menos quatro refeições diárias, também está prevista no Código Penitenciário do DF, aprovado semana passada pela Câmara Legislativa, 33 anos depois de ter sido promulgada a Lei Federal nº 7.210, de 1984. Ela estabeleceu a responsabilidade de regulamentar as normas nos presídios às unidades da Federação.

No DF, porém, o sistema penitenciário é regido por uma portaria da Secretaria de Segurança baixada em 1998. Agora, a legislação precisa ser promulgada pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB).

O projeto originalmente é de autoria dos deputados distritais Rodrigo Delmasso (Podemos) e Raimundo Ribeiro (PPS), porém o plenário da Casa aprovou um substitutivo, elaborado por órgãos como o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e a Ordem dos Advogados do Brasil seccional DF (OAB-DF), além de sindicatos representativos como o dos policiais civis.

Confira a íntegra do texto:

PL-2015-00308-EME-001-PLENARIO (1) by Metropoles on Scribd

Fraudes Brasil afora
O Distrito Federal não é a única unidade da Federação a enfrentar problemas com as empresas contratadas para fornecer marmitas aos presídios. Em Minas Gerais, Goiás e no Rio de Janeiro foram desencadeadas ações policiais e do Ministério Público relacionadas a fraudes e superfaturamento. A mais recente ocorreu no Rio, onde a Polícia Federal deflagrou, em 1º de junho, a Operação Ratatouille. O caso é um desdobramento da Lava Jato e levou à prisão um fornecedor de merenda escolar e de alimentação para presídios: o empresário Marco Antônio de Luca.

Marco Antônio teria pago pelo menos R$ 12,5 milhões em propina para pessoas ligadas ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). O objetivo era assegurar os contratos com o governo fluminense. Segundo a PF, ele é ligado às empresas de alimentos Masan e Milano. Juntas, elas receberam, entre 2011 e 2017, R$ 7 bilhões do estado para prestar os serviços de alimentação.

Em Minas, a diferença entre o preço do menu e a fatura apresentada ao contribuinte levou à prisão de quatro pessoas em 2012. Segundo investigações da Operação Laranja com Pequi, foi montado um esquema no estado para favorecer a empresa Stillus, de Alvimar de Oliveira Costa, irmão do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).

A Stillus foi acusada de superfaturar quentinhas servidas nas penitenciárias. A investigação apontou que uma das formas de a empresa lucrar por fora era com o fornecimento de alimentação de baixa qualidade. A fraude, em valores da época, estava estimada em R$ 166 milhões.

Em Goiás, um escândalo recente envolveu um grupo de 10 pessoas e duas empresas, todos relacionados com o contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

Em 22 de maio passado, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões dos envolvidos em um esquema de fraudes na contratação de empresas para o fornecimento de refeições no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.

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