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Zika e microcefalia: um ano de medo, incertezas e relatos de superação

Primeiros bebês têm histórias marcadas por desafios e amor. Boa parte das promessas do governo para ajudar famílias não saiu do papel

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Microcefalia
1 de 1 Microcefalia - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Há um ano, o Ministério da Saúde decretava emergência por causa de um surto de microcefalia causado pelo zika vírus, recém-descoberto no Brasil. Desde então, 2.143 casos da má-formação foram confirmados e outros 3.086 seguem em investigação. Pressionado pela repercussão nacional da epidemia, o governo fez dezenas de promessas para amparar as famílias com bebês vítimas da doença. Porém, poucas saíram do papel.

No Distrito Federal, segundo dados da Secretaria de Saúde, de julho de 2015 a 21 de novembro deste ano, foram confirmados 40 casos de doença aguda pelo zika vírus em gestantes. Um bebê nasceu com microcefalia. Rafael Prichoa Arja está com 11 meses e, ao lado dos pais (foto de destaque), começou a escrever a sua história de superação desde cedo.

Grávida de apenas dois meses, a bancária Nádia Prichoa, 37 anos, recebeu o diagnóstico de que estava infectada pelo zika. O dia a dia da família mudou completamente com o nascimento de Rafael. Para dar a atenção que o menino precisa, ela e o marido, o servidor público Alex Alonso Arja, 40, se revezam em uma rotina marcada por exames, consultas e tratamentos. De fisioterapia à estimulação visual e auditiva. Tudo feito com muito amor e dedicação.

Para Alex, conseguir atendimento qualificado e lutar para melhorar a qualidade de vida do filho são as prioridades da família. “A vida muda por completo. Até os três aninhos de idade, que é a fase considerada mais delicada, é onde os pais precisam estar permanentemente com as crianças para dar a maior quantidade de estímulo possível”, explica.

Por isso, o objetivo do casal é passar mais tempo com a criança. Eles entraram na Justiça para conseguir uma flexibilização maior no horário de trabalho. A situação ficou pior ainda depois que o Tribunal de Justiça do DF declarou inconstitucional a lei que assegurava a servidores públicos do GDF direito a horário especial para aqueles que tivessem parentes com deficiência, sendo desnecessária a compensação de horário.

Confira o depoimento do casal:

 

Tão cruel quanto as sequelas da doença são as limitações impostas pela falta de assistência médica adequada, demora nas ações governamentais e desigualdade social.

Estamos iniciando o projeto de uma ONG para acolher a todos que precisam enfrentar a microcefalia e ajudar. O Rafa é tudo em nossas vidas e o amor que sentimos por ele é indescritível. Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudá-lo.

Alex Alonso Arja, pai do Rafa

Dificuldades
Se no Distrito Federal, o zika alterou a vida de um número reduzido de famílias, o mesmo não se pode dizer de outros estados, principalmente os do Nordeste, que concentra 78% dos casos de microcefalia em bebês decorrentes do vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo da dengue.

Em Recife (PE), Gleyse Kelly da Silva Cavalcanti, 28 anos, tem uma história semelhante à de Alex e Nádia. Do quinto para o sexto mês de gestação, ela teve coceira, febre baixa, manchas e dor no corpo por uns três dias.

A suspeita da microcefalia surgiu durante um ultrassom, no sétimo mês de gravidez. “Passei a fazer exame de 15 em 15 dias para acompanhar, e aí confirmaram. Foi desesperador pelo fato de não conhecermos nada sobre a doença”, contou ao Metrópoles.

Arquivo pessoal
Gleyse e Giovanna

Mas o choro e as lamentações deram espaço para a luta por um tratamento adequado à filha Maria Giovanna, que nasceu em 17 de outubro de 2015: “Minha filha é uma criança tranquila, porém precisa de muitos remédios caros que ainda não estou conseguindo de graça. Essa é minha grande dificuldade no momento. Os médicos dizem que ela vai ter limitações, mas tenho fé que no futuro vou vê-la andando e falando”.

O marido de Gleyse ganha pouco, o que dificulta a situação. No auge da doença, o governo estendeu às pessoas com microcefalia o direito ao  Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ele garante um salário mínimo mensal, mas apenas para família de baixa renda.

Em todo o Brasil, foram concedidos 2.532 benefícios, dos quais 46 no Centro-Oeste e sete no Distrito Federal. O desejo das família é que o BPC seja concedido a todos que tenham a doença, independentemente da classe social.

Enfrentamento
As crianças com microcefalia podem ter o sistema nervoso central afetado, apresentando epilepsia, deficiências auditivas e visuais, prejuízo no desenvolvimento psicomotor, bem como efeitos negativos sobre ossos e articulações.

Apesar da promessas de ajuda estatal, os centros de reabilitação prometidos pelo Ministério da Saúde não saíram do papel. Os locais de tratamento estão concentrados nos grandes municípios, dificultando o acesso de bebês do interior do país. Medicamentos para sequelas da microcefalia estão em falta nas farmácias do SUS.

O ministério, por sua vez, garante que ampliou a rede de atendimento às crianças com microcefalia. Na semana passada, anunciou novas medidas, ampliando o acompanhamento para crianças até três anos de idade.

O cuidado com as gestantes também será ampliado. Uma segunda ultrassonografia no pré-natal para identificar alterações neurológicas durante a gestação será recomendada em toda a rede pública. Assim, o exame deverá ser realizado no primeiro trimestre, como já é previsto, e repetido por volta do sétimo mês de gravidez. Os repasses federais para esse atendimento serão de R$ 52,6 milhões por ano.

Arte/Metrópoles


No Distrito Federal, segundo o gerente de Epidemiologia de Campo da Subsecretaria de Vigilância Epidemiológica da SES-DF, Rodrigo Rodrigues Miranda, a pasta trabalha na capacitação dos profissionais para o atendimento, diagnóstico precoce e reabilitação, além do acompanhamento de todos os casos.

Um comitê técnico para o enfrentamento da microcefalia e outras alterações de sistema nervoso central foi criado e é formado por especialistas em diversas áreas. Entretanto, boa parte das medidas ainda não saiu do papel e está no campo das intenções.

A intenção é analisar todos os casos, de acordo com os protocolos do Ministério da Saúde, e oferecer toda a atenção às famílias, desde o diagnóstico, exames de laboratório e de imagem, consulta com especialistas, reabilitação física e motora, além de assistência social.

Rodrigo Miranda

Para ele, é importante salientar que a microcefalia é só uma das consequências apresentadas por bebês que tiveram mães infectadas pelo zika vírus. “Esta doença é muito nova no mundo e se constitui um problema de saúde pública de importância internacional, conforme definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde fevereiro de 2016. Muitas questões ainda precisam ser esclarecidas pela ciência”, afirma.

 

 

 

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