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Máfia das Próteses: Inquérito revela envolvimento de outros hospitais

Transcrições obtidas pelo Metrópoles revelam que o neurocirurgião e empresário Johnny Wesley Gonçalves, apontado como um dos cabeças da organização desbaratada na Operação Mr. Hyde, pretendia fornecer materiais cirúrgicos para o Hospital Santa Lúcia

atualizado

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Michael Melo/ Metrópoles
Operação Mister Hyde
1 de 1 Operação Mister Hyde - Foto: Michael Melo/ Metrópoles

Interceptações telefônicas feitas durante as investigações que deram origem à Operação Mr. Hyde comprovam a suspeita da Polícia Civil sobre o envolvimento de outros hospitais na Máfia das Próteses. O inquérito, conduzido pela Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco), afirma que as conversas “deixam claro que existe um esquema vigente no Distrito Federal e que cada hospital tem empresas que atendem com exclusividade, para que, assim, possam manipular os preços de órteses, próteses e materiais especiais, supervalorizando as cirurgias”.

Conversas gravadas do neurocirurgião Johnny Wesley Gonçalves (foto principal), acusado de ser um dos cabeças da Máfia das Próteses, revelam, por exemplo, que ele pretendia infiltrar o esquema criminoso no Hospital Santa Lúcia. Gonçalves é dono da TM Medical, empresa fornecedora de órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs).

Em uma conversa flagrada entre o médico-empresário e um homem não identificado, os dois discutem como fornecer esses equipamentos para cirurgias de coluna no Hospital Santa Lúcia, um dos mais tradicionais de Brasília. O interlocutor pergunta a Gonçalves se ele tem cadastro no grupo “Zé Leal”, fazendo referência ao nome do proprietário da unidade de saúde, José Leal.

Johnny Wesley Gonçalves diz que “(cirurgia) na coluna não tem como fazer, pois lá tem outra empresa, a Medicato, mas existem outras situações que permitem entrar ‘nessa panela’”. Gonçalves foi um dos 13 presos em 1º de setembro, quando foi deflagrada a Operação Mr. Hyde. Ele está detido no Complexo Penitenciário da Papuda.

Divulgação

 

Outro lado
Por meio da assessoria de imprensa, o Santa Lúcia informou que a conversa entre um interlocutor desconhecido com o neurocirurgião preso na Operação Mr. Hyde “é incipiente e vaga”. “Além disso, não é verdade o fato de o hospital usar apenas um fornecedor de órteses e próteses para cirurgias de coluna. A instituição conta com dezenas de fornecedores e diferentes OPMEs nos procedimentos que ocorrem nas dependências do hospital”, explicou. A reportagem não conseguiu contato com representantes da Medicato Produtos Médicos Ltda.

Além do Santa Lúcia, pelo menos outros quatro hospitais são citados no inquérito: Santa Helena, Daher, Home e das Forças Armadas (HFA). Segundo depoimentos de pacientes vítimas de médicos acusados de integrar o esquema, as cirurgias foram realizadas nessas instituições. Todas as unidades de saúde negam irregularidades e afirmam que os profissionais presos na Operação Mr. Hyde apenas alugavam as instalações para fazer os procedimentos cirúrgicos.

Procurado pela reportagem, o Hospital Santa Helena afirmou que, desde que a Rede D’or assumiu a unidade de saúde, em dezembro de 2015, o médico Leandro Flores — preso pela Polícia Civil — não realizou mais nenhuma cirurgia no local.

O HFA garante não ter conhecimento de nenhuma cirurgia feita indevidamente na unidade. Mas informa que “se algum paciente sentir-se lesado pode procurar a ouvidoria da entidade para que seja investigado.”

Já o Hospital Home, que foi alvo de mandados de busca e apreensão, rechaçou, por meio de nota, qualquer envolvimento com o esquema e disse que os cirurgiões citados no escândalo não fazem parte do corpo clínico da instituição. O Hospital Daher informou não ter conhecimento sobre as denúncias.

O esquema
Segundo as investigações, ao menos uma empresa, a TM Medical, fornecia órteses, próteses e equipamentos à organização criminosa. Quanto mais materiais caros eram usados em cirurgias para colocação desses equipamentos, maior era a propina recebida pelos médicos, que chegavam a ganhar 30% extras sobre o valor pago pelos planos de saúde pela intervenção nos pacientes.

Desde que o caso veio à tona, ao menos 60 vítimas do esquema procuraram a polícia para prestar depoimento. Os relatos incluem mutilações e tentativa de homicídio, segundo consta no inquérito.

A Operação Mr. Hyde foi deflagrada em 1° de setembro. Naquela quinta-feira, 13 pessoas foram presas, incluindo médicos acusados de participar da Máfia das Próteses. No dia seguinte, cinco conseguiram habeas corpus no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e deixaram a carceragem do Departamento de Polícia Especializada (DPE).

Um dos que deixaram a cadeia foi Henry Greidinger Campos, proprietário da Ortopedia Sudoeste, que, apesar de ser suspeito de integrar o esquema e até mesmo de orientar pacientes a mentir para planos de saúde, voltou a atender em seu consultório.

Material enviado ao CRM-DF
O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) garantiu que os fatos serão apurados com rigor e critério. Todo o material referente à operação Mister Hyde foi enviado nessa segunda-feira (12/9) à entidade pela Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida). O objetivo é subsidiar o processo administrativo que vai avaliar a participação de médicos na organização criminosa.

Entre os documentos estão depoimentos, áudios e outras evidências que vão direcionar a avaliação do conselho. Dependendo da decisão do CRM, os profissionais envolvidos podem até perder o direito de medicar.

De acordo com os artigos 68 e 69, do Código de Ética Médica, é proibido ao profissional interação com qualquer segmento da indústria farmacêutica e de outros insumos para a saúde com o intuito de manipular, promover ou comercializar produtos por meio de prescrição a pacientes.

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