Iluminando tabus: Setembro Amarelo põe o suicídio em evidência

Na última pesquisa feita sobre o assunto, em 2012, cerca de 142 pessoas tiraram a própria vida em Brasília, 25% a mais do que no ano anterior

Paulo Lannes ,
Carolina Samorano
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Em outubro de 2008, pela primeira vez os prédios públicos da cidade foram iluminados de rosa com o objetivo de a sociedade discutir o avanço do câncer de mama. Em 2014, acendeu-se o azul no mês de novembro, um alerta para doenças do sexo masculino. Neste ano, setembro foi escolhido pela primeira vez para iluminar os monumentos em tons amarelos. O objetivo desta nova campanha é debater um assunto que primeiro adoece a alma, encurta a existência de milhares de vidas, destrói famílias inteiras, mas ainda é considerado tabu no país: o suicídio.

De acordo com o último Mapa da Violência no Brasil, elaborado pela Unesco em 2014, diariamente cerca de 25 pessoas morrem tirando sua própria vida – e ao menos outras 50 tentam se matar, mas não obtêm sucesso. Somente em 2012, último ano em que foi realizada a pesquisa, 10.287 vidas se extinguiram dessa forma. O Brasil alcançou, então, o triste posto de país da América Latina com maior número de suicidas.

Em Brasília, 142 pessoas morreram dessa forma em 2012. O número é baixo se comparado com outras regiões do país, como São Paulo, em que houve 2.093 óbitos pelo mesmo motivo, e Minas Gerais, com 1.262 suicídios. Porém, esse dado se torna preocupante quando se leva em questão o aumento em relação ao ano anterior.

Visto sob esse ângulo, o Distrito Federal se torna campeão nacional com um aumento de 25% se comparado com 2011.

“Sem visibilidade, as pessoas ficam ainda mais vulneráveis às crises da vida”, explica a psicóloga Marina Kohlsdorf, professora do Centro Universitário UniCeub.

A tradição do silêncio
Há três grandes motivos para tornar o assunto pouco comentado na sociedade.

A Catedral de Brasília também ganhou a cor amarela *Daniel Ferreira/Metrópoles**

O primeiro diz respeito ao efeito Werther, protagonista do livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, escrito em 1774 pelo alemão Goethe. Diz-se que após o lançamento da obra, conhecida pelo conteúdo de alto teor melancólico, houve uma onda de suicídios em toda a Europa. Desde então, o tema passou a ser debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral. Até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para que não se estimule o ato.

Esse mesmo silêncio deu origem ao segundo problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matar. “97% dos casos de suicídio vêm de pacientes com transtornos mentais”, explica Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. Depressão, esquizofrenia e o uso de drogas ilícitas são os principais problemas identificados pelos médicos em um potencial suicida. “São situações que poderiam ser tratadas em 90% dos casos”, conclui o psiquiatra.

Por fim, há também a questão de que esse problema cresce à sombra dos acidentes de trânsito e homicídios, que contam com taxas até seis vezes superiores às do suicídio.

Essa questão é até hoje vista com desdém pela sociedade, o que agrava o quadro

Psicóloga Marina Kohlsdorf

Apoio 24 horas
A campanha promovida pela Associação Internacional de Prevenção do Suicídio tem como objetivo divulgar ações preventivas ao ato. Quem vem realizando esse trabalho de maneira efetiva é a organização não governamental Centro de Valorização da Vida (CVV).

Com quase 2.200 voluntários ativos, o CVV busca dar apoio moral 24 horas por dia por meio de diversos canais de atendimento. O mais tradicional deles é o telefone 141, no qual atendem cerca de 1 milhão de chamadas por ano. Há também a versão on-line – e-mail ou Skype – e, em 20 estados, pode-se optar pelo atendimento pessoal. Em Brasília, a instituição funciona no Setor de Rádio e TV Norte, quadra 702, edifício Rádio Center, sala 5.

O voluntário Carlos Correia faz parte da organização há 23 anos e diz estar acostumado a passar cerca de 40 minutos ao telefone com um potencial suicida. “Como não fazemos julgamento, a pessoa se sente à vontade para se abrir conosco”, afirma Correia. O treinamento do pessoal é bastante rigoroso e inclui estudos de capacitação, simulações de diferentes casos e até mesmo autoavaliação. Mesmo assim, nenhum deles pode correr o risco de se sobrecarregar e, por isso, só trabalham 4 horas e meia por semana. “Como resultado, é comum fazermos com que desistam de tentarem o suicídio”, diz.

Medidas de proteção
Em 2009, após assistir a um caso de suicídio no Pátio Brasil, o desembargador Roberval Casemiro Belinati encaminhou um ofício ao Ministério Público do DF solicitando providências com relação ao local. Segundo o site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), já haviam ocorrido 12 casos no shopping.

A administração do centro comercial acabou instalando equipamentos de segurança que evitassem tais ocorrências, como muralhas de vidro no terceiro e quarto andares e um grande telhado que isolou o terraço para o lado externo.

Abaixo, o documento:

 


 

Mais vozes iluminadas
Outra campanha de alerta vai tomar conta do mês de setembro no Brasil todo. De hoje até o final do mês, o Palácio do Buriti ganha iluminação amarela à noite, em apoio ao Setembro Dourado. O projeto encabeçado pela Confederação Nacional das Instituições de Apoio a Crianças e Adolescentes com Câncer (Coniacc) buscar chamar a atenção de pais e médicos sobre os sinais da doença nas crianças e a importância do diagnóstico precoce para a cura.

“Em toda criança com câncer, existe um adulto com grande chance de viver” é a mensagem divulgada pela ação. Segundo a Coniacc, cerca de 11 mil novos casos de câncer infantil são diagnosticados todos os anos. Detectados em estágio inicial, muitos podem chegar a 90% de cura.

“ A questão é que nós temos um problema de pediatras aqui no Brasil e de atendimento. Desde os sintomas até o diagnóstico, o tempo é longo e, quando se chega finalmente a uma conclusão, ou perdemos a criança ou a curamos com sequelas”, lamenta Rilder Campos, presidente da Coniacc e coordenador da campanha, que chega ao seu terceiro ano.

A leucemia é o tipo de câncer mais comum em crianças. Rilder reforça que sinais como palidez permanente, sangramento gengival, mancha branca nos olhos, febre constante e abdômen dilatado não podem passar despercebidos. “Eles não significam câncer, mas levantam uma suspeita. Existe um medo muito grande no Brasil quando se fala em câncer infantil. É preciso criar uma cultura sobre esses sintomas, para que se curem essas crianças.”

Palácio do Buriti iluminado em campanha de conscientização sobre o câncer infantil *Daniel Ferreira/Metrópoles**
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