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Riacho Fundo: poluição da nascente à foz envenena o Lago Paranoá

O Metrópoles percorreu um dos principais mananciais do lago e constatou problemas ambientais graves em toda a extensão do curso d’água

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
bom dia – ponte jk
1 de 1 bom dia – ponte jk - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O Riacho Fundo, um dos quatro principais afluentes do Lago Paranoá, tem abastecido o cartão-postal de Brasília com esgoto e dejetos. No sábado (14/1), o Metrópoles percorreu o leito do rio, da nascente à foz, e constatou a realidade verificada pelos órgãos ambientais do Distrito Federal.

O crescimento urbano desordenado, a derrubada da mata ciliar, as ligações irregulares de esgoto e o excesso de lixo depositado às margens envenenam o curso d’água e, consequentemente, o Lago Paranoá. Esse foi um dos motivos que provocaram a morte de centenas de peixes em novembro do ano passado.

Ao lado do geógrafo e pesquisador Vitor Paiva, a reportagem visitou os seis pontos mais críticos ao longo do leito de cerca de 17km do Riacho Fundo, passando por áreas agrícolas e urbanas até chegar ao Lago Paranoá. O cenário é desolador.

Os locais visitados podem ser vistos no infográfico abaixo:

 

O relatório divulgado em dezembro pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do DF (Adasa), pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram) já apontava a situação de degradação ambiental.

São quatro os principais afluentes do Lago Paranoá — Ribeirão do Torto, Ribeirão Bananal, Ribeirão do Gama e Riacho Fundo. E, não por coincidência, foi justamente na foz desse último onde se deu a ocorrência da mancha verde que matou centenas de peixes em novembro passado. O Riacho Fundo, em comparação com os outros, é aquele com águas de pior qualidade, por percorrer áreas altamente urbanizadas, com mata ciliar escassa ou completamente removida

Trecho de relatório dos órgãos ambientais do DF

 

Problema desde a nascente
Os problemas do córrego Riacho Fundo começam logo no início de seu percurso. As nascentes estão localizadas em uma reserva ecológica na região administrativa de mesmo nome, às margens da Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB).

Em tese, a área deveria ser preservada para proteger os nascedouros. Mas não é o que ocorre. A falta de vigilância e de obstáculos permite que pessoas cheguem próximo ao manancial e lá despejem lixo e entulho. Na visita feita no sábado (14), havia sacolas plásticas, garrafas pet e até mesmo uma privada dentro de um dos bolsões da nascente.

Para o geógrafo Vitor Paiva, a situação demonstra o descaso com o riacho. “A mata em volta já não é a original do cerrado, o que prejudica a proteção natural. E a intervenção humana agrava o caso”, critica o especialista.

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Esgoto em meio à água
Logo no começo de seu trajeto, o Riacho Fundo passa por um dos pontos mais críticos, próximo à Estação de Tratamento de Esgoto da Caesb localizada perto da Colônia Agrícola Sucupira.

No local, é possível sentir um forte odor vindo do córrego. “Esse cheiro não é da decomposição do material orgânico, mas sim de esgotos irregulares despejados na água. Como a vazão é pequena aqui, a concentração desses poluentes é ainda maior”, diz Paiva. Uma das ligações irregulares pôde ser vista de um pequeno viaduto sobre o curso d’água.

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Poluição agrícola
Mais adiante, as produções agrícolas são as responsáveis pela poluição do riacho. Segundo a análise feita pelo Ibram em parceria com a Adasa, trechos do rio que passam por ambientes rurais apresentam grande concentração de fósforo.

Esse elemento químico favorece a proliferação de cianobactérias, que consomem o oxigênio dos peixes. Essa foi a causa da alta mortalidade desses animais ocorrida em novembro. Naquele mês, o índice de fósforo na água chegou a 0,345 mg/l, enquanto o limite ideal é de 0,05 mg/l. O material está presente principalmente em produtos usados na agricultura, que acabam sendo levados para o córrego pelas chuvas.

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Invasão urbana
Após percorrer regiões rurais, o Riacho Fundo adentra áreas amplamente urbanizadas, como o Núcleo Bandeirante. Na cidade, a vazão é bem maior do que próximo às nascentes. O volume de água ajuda a dispersar o esgoto despejado anteriormente e o mau cheiro não é sentido. Mas ainda é possível observar grande quantidade de lixo acumulado nas margens.

A proximidade com áreas habitacionais facilita que a população jogue objetos no leito do rio. Em muitos pontos, a distância de 30m entre o curso d’água e construções, estabelecida por leis ambientais, não é respeitada

Vitor Paiva, geógrafo

Em seguida, o Riacho se aproxima do Lago Paranoá e passa por baixo de vias urbanas, como a Estrada Parque Indústrias e Abastecimento (Epia). Sob os pequenos viadutos, é possível se aproximar do córrego.

Apesar das condições melhores em comparação a outros pontos, ainda há presença de lixo jogado por pessoas que passam pela via ou de moradores de rua que usam as estruturas como abrigo.

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A foz no Lago Paranoá
São aproximadamente 17 quilômetros até encontrar a foz do Lago Paranoá. E somente no fim do percurso a preocupação ambiental parece ser maior por parte do governo.

Próximo à Estação de Tratamento de Esgoto Sul, há até mesmo uma reserva de recuperação de área degradada, onde o GDF replantou diversas unidades de plantas nativas, com o intuito de manter a proteção natural do lago.

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No entanto, o perigo de nova contaminação, como a ocorrida em novembro, não é descartada. “Durante o período de seca, os agentes poluidores ficam concentrados ao longo do córrego. Mas bastam as primeiras chuvas para que essas substâncias sejam arrastadas para o Lago Paranoá”, diz Paiva.

Captação de água 
Segundo o especialista, a questão torna-se mais grave com a expectativa de captação de água do reservatório para abastecimento da população do Distrito Federal. “Basta que uma pessoa seja contaminada para que o Estado seja responsabilizado. Para que os planos de captação do Lago Paranoá saiam do papel, seria necessário primeiro proteger de forma efetiva os mananciais que o abastecem.”

Para o geógrafo, algumas medidas consideradas básicas poderiam evitar parte da poluição do Riacho Fundo. “Um dos principais problemas é o despejo de esgoto irregular. Assim, o óbvio é ampliar a rede de saneamento em regiões próximas ao curso d’água. Outro ponto é o lixo acumulado. Um sistema de coleta de resíduos mais eficiente também minimizaria esse fator”, sugere.

Após o incidente da morte de peixes em novembro, os órgãos ambientais e de fiscalização assinaram em conjunto um documento com propostas de ações para controlar a poluição do Lago Paranoá.

Entre as medidas, estão a pesquisa preventiva e a correção de ligações clandestinas de esgoto de responsabilidade da Caesb, além da realização de estudos para avaliar a viabilidade do desassoreamento do Riacho Fundo. Entretanto, não foram estabelecidos prazos ou ações pontuais em locais críticos do córrego.

Giovanna Bembom/ Metrópoles
Para reverter os danos ambientais, será necessário um intenso trabalho de recuperação e de proteção ao Riacho Fundo

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