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Conheça a “Gordinha do Rabecão”, que há 20 anos recolhe mortos no DF

Ana Cristina Neves diz que já levou mais de 5 mil corpos ao IML. Bem humorada, ela conta que ama a profissão e não pensa em se aposentar

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
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1 de 1 iml5 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A auxiliar de necropsia Ana Cristina Neves, 44 anos, costuma dizer que sua vida é a morte. Há duas décadas, ela encara com naturalidade, respeito e uma dose de bom humor, uma rotina que, para a maioria, pode parecer mórbida. Recolhe corpos pelas ruas do Distrito Federal. Calcula que já levou mais de 5 mil para o Instituto Médico Legal (IML). E ela nem pensa em parar de trabalhar.

Ana Cristina gosta do que faz. O ofício que herdou do pai lhe rende muitas histórias e alguns apelidos. “Dona Morte” e “Gordinha do Rabecão” são alguns deles. Ela também é chamada de Cris e se diverte com os nomes. Confessa, porém, que está tentando perder os quilinhos a mais. “Faço academia para emagrecer um pouco”, diz, acrescentando que não tem ideia do quanto pesa atualmente.

Por onde passa, a servidora chama atenção. Seja pelo tamanho (tem 1,73m de altura), simpatia ou vaidade, que ela não deixa de lado. “Vai que eu encontro a minha alma gêmea em um desses locais de remoção”, brinca a moradora de Ceilândia, que está solteira e tem um cachorro de estimação chamado “Bidu”.

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Ana Cristina não entrou na profissão por acaso. Trabalhar no necrotério é algo que sempre lhe atraiu. Ela estudou muito para chegar ao Instituto Médico Legal. “Desde criança, eu me interessava pela anatomia humana. Fiz enfermagem e cheguei a trabalhar no Exército, mas o IML sempre foi o meu sonho”, relata.

Apesar de amar o trabalho, a rotina no rabecão é puxada. Dos 20 anos de atividade, em apenas cinco ela pôde passar Natal e Ano Novo com a família. “Atualmente, eu faço plantões noturnos. É tranquilo, mas dependendo do dia e das ocorrências, volto para casa muito cansada. Há casos que sugam muito a energia da gente”, disse.

Nessas duas décadas, existem, ainda, relatos de pequenos acidentes no trabalho. “Teve uma vez que fui descer do rabecão, mas tinha um barranco enorme. Caí, rolei e o pessoal ainda gritou: ‘Segura, gordinha'”, lembra, rindo de si mesma.

Alegria
Cris tem um jeito especial de ver a vida. Ela dribla os imprevistos com muito humor, não deixa se abater e define o local onde trabalha como um grande centro cirúrgico, e a morte como um “avião”. “Uma hora a gente tem de embarcar”.

As pessoas têm a visão de que aqui é como se fosse um açougue ou um cenário desses filmes trash. Eu prefiro ver de outra forma. É como se fosse um hospital. Usamos equipamentos, luvas e os ambientes são bem iluminados e limpos

Ana Cristina

O humor da servidora já a tirou de algumas saias justas. Em uma das remoções, por exemplo, um religioso acreditava piamente que o amigo morto iria ressuscitar em três dias. “Ele não me deixava tirar o corpo do local. Me pediu para esperar, pois tinha certeza de que ele ia voltar a viver. Isso exige um jogo de cintura da gente porque também temos horários a cumprir.”

Durante o ofício, ela já participou de orações, rodas de rap e trabalhos espirituais em terreiros. Quando os casos envolvem morte de crianças, Ana dá uma atenção ainda maior. “Eu carrego no meu colo. Peço licença para os pais e pego com o maior jeitinho. Criança sempre nos comove”, disse. E afirma trabalhar sem pré-julgamentos. “Costumo dizer que não importa se a pessoa morreu no Lago Sul ou na Estrutural. É um ser humano que está ali e sempre vai ter alguém chorando por ele”, acrescenta.

Fora do IML, nas horas vagas, Ana Cristina se distrai no forró e até mesmo cantando em festas. A preferência musical é o “feminejo” (cantoras femininas do sertanejo).  A “Gordinha do Rabecão” já se aventurou na política. Em 2010, foi candidata a deputada distrital. Não chegou a se eleger. Atualmente, sonha em ser estrela de TV. Tem a intenção de escrever um livro contando tudo que já passou.

Ana cogitou participar de realitys, mas seu desejo mesmo é ter uma personagem de novela inspirada nela. “Eu adoro novela. Acho que seria legal a história de alguém que trabalha no meu setor e que só quebra a cara no amor”, diz a sonhadora “Gordinha do Rabecão”.

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