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Comissão eleitoral suspeita de fraude em inscrições para Conselho Tutelar do DF

Centenas de declarações foram emitidas por poucas entidades. Documento é requisito para atestar a experiência dos candidatos na atuação com crianças. Em um dos casos, eleita na Cidade Estrutural nem sequer morava no Distrito Federal

atualizado

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Felipe Menezes/Metrópoles
Conselhos Tutelares – 23/10/15
1 de 1 Conselhos Tutelares – 23/10/15 - Foto: Felipe Menezes/Metrópoles

Embora o resultado da eleição para o Conselho Tutelar do Distrito Federal tenha sido divulgado na sexta-feira (23/10), a disputa está longe de um desfecho concreto. Uma suspeita levantada pela Comissão Especial do Processo de Escolha de Membros do Conselho aponta indício de fraudes no processo de inscrição dos candidatos, e o caso será levado à Justiça.

Algumas irregularidades chamaram a atenção da comissão eleitoral ainda no período de inscrição dos candidatos.

Na ocasião, foi identificada uma concentração na emissão das declarações exigidas pelo edital para comprovar a experiência dos candidatos com crianças e adolescentes. Cerca de cinco instituições teriam distribuído, sozinhas, centenas de declarações, referentes a um mesmo período de tempo, para pessoas de diversas regiões administrativas do DF.

Reprodução/Facebook
Folder da campanha de Michelle Marçal ao Conselho Tutelar da Estrutural

Um dos casos identificados é o de Michelle Marçal, a candidata mais votada da Cidade Estrutural este ano, com 356 indicações. Para se inscrever na disputa, ela apresentou uma declaração que atestava a atuação como voluntária em uma creche no Recanto das Emas, a Associação Beneficente Coração de Cristo (Cocris). A instituição atende cerca de 120 crianças de até 5 anos.

O documento, emitido em 12 de agosto de 2015, informa que ela atuou no local entre maio de 2012 e junho deste ano. Há, entretanto, diversos indicadores de que Michelle nem sequer morava no Distrito Federal durante a maior parte do período.

O Colégio da Polícia Militar de Goiás (CPMG) confirmou ao Metrópoles que, em 2012, a candidata cursava o ensino médio na instituição. Além disso, em 2013, ela ingressou no turno matutino do curso de direito da Faculdade de Anicuns (GO), e teve até mesmo de recorrer à Justiça para se manter matriculada na instituição, conforme documento disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO).

Reprodução/TJGO
Processo do TJ-GO de junho de 2013 revela que Michelle Marçal estudava em Goiás naquele período

Confecção de brinquedos
No entanto, segundo o presidente da Cocris e pastor da Assembleia de Deus, Valdemir José dos Santos Silva, 44 anos, Michelle realizava “aula de confecção de brinquedos a partir de materiais recicláveis, teatro de fantoches e dinâmicas de recreação com crianças”. Ao Metrópoles, Valdemir reconheceu que a candidata não morava no Distrito Federal no período atestado, mas afirmou que ao menos uma vez por mês ela comparecia à entidade, como voluntária.

“Ela tem de ser gratificada com o nosso reconhecimento. Ela fez o ensino médio lá (em Goiás)? Fez. Mas uma vez por mês esse pessoal todo vem aqui”, diz Valdemir. Questionado se uma frequência mensal seria suficiente para qualificar a candidata na disputa como conselheira tutelar, o presidente da entidade defendeu que sim.

Se os críticos chegam lá e falam que essa pessoa não tem condições de trabalhar e ser eleita para o Conselho Tutelar, aí não é mais mérito meu. Mas por que eu não vou ajudar uma pessoa que me ajudou? Agora, a gente tem de ser sincero. Eu ajudo quem me ajuda. Quem não me ajuda, mermão…

Valdemir José dos Santos Silva
 Felipe Menezes/Metrópoles
O pastor da Assembleia de Deus e presidente da Cocris, Valdemir José dos Santos Silva

Procurada pela reportagem, Michelle afirmou que foi notificada pela comissão eleitoral e que apresentou, por meio de um advogado, sua versão dos fatos. “Quando sair o resultado oficial da minha defesa, aí vão ser provadas muitas coisas. Mas eu prefiro esperar até lá para falar”, disse a candidata. Pelo edital da disputa pelo cargo de conselheiro tutelar, além de comprovar experiência na área de infância e adolescência por pelo menos três anos, Michelle também precisa residir pelo menos desde 2013 na cidade pela qual concorreu.

Irregularidades
De acordo com integrantes da comissão eleitoral, a Cocris teria emitido mais de cem declarações de voluntariado nesta eleição. Todas estão sob suspeita. O presidente da entidade nega a informação e diz que apenas 23 voluntários foram referenciados pela creche.

Além da Cocris, outras instituições foram identificadas como suspeitas de terem cometido irregularidades no processo de inscrição. Segundo a coordenadora da comissão eleitoral, Andrecinda Pina, diversas denúncias foram recebidas e estão sob investigação. “Caso sejam verdadeiras, serão encaminhadas ao Ministério Público para que ele proceda as devidas providências”, explicou.

Inquérito
O promotor de Justiça de Defesa da Infância e Juventude Anderson Pereira de Andrade, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), afirmou que pedirá à comissão eleitoral informações detalhadas sobre as suspeitas. Segundo ele, se forem constatados indícios de falsidade ideológica, o caso deverá ser comunicado à polícia para que se instaure um inquérito.

Secom/MPDFT
O promotor de Justiça de Defesa da Infância e Juventude Anderson Pereira de Andrade

“Diante das reiteradas denúncias de declarações repetidas emitidas por determinadas instituições, o Ministério Público vai oficiar a Comissão Especial do Processo Eleitoral para que informe quem são essas entidades”, disse  Andrade.

Na avaliação do promotor, diversos problemas ocorridos ao longo do pleito poderiam ter sido evitados caso a eleição passasse a ser de responsabilidade da Justiça Eleitoral, e não do Executivo. Segundo ele, essa mudança é uma reivindicação antiga do Ministério Público no Tribunal Superior Eleitoral, mas depende de mudança na legislação federal.

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