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Após 30 anos, fantasma do “Badernaço” ainda assombra Brasília

Manifestação na Esplanada em 1986, parecida com as atuais, terminou com viaturas incendiadas, lojas saqueadas e dezenas de presos

atualizado

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Mádia do Prado/Arquivo pessoal
badernaço em 1986
1 de 1 badernaço em 1986 - Foto: Mádia do Prado/Arquivo pessoal

Jovens com camisa no rosto, veículos tombados, comércio depredado, confronto com a polícia. A cena poderia estar relacionada às manifestações recentes contra a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma do Ensino Médio. Mas foi vista na capital no dia 27 de novembro de 1986, durante o “Badernaço de Brasília”, que consta nos documentos da ditadura abertos recentemente pelo Arquivo Público do Distrito Federal.

A motivação do protesto era a situação econômica do país. O fracasso do chamado Plano Cruzado, do então presidente José Sarney, foi seguido por medidas indigestas. Em novembro, entrava em vigor o Plano Cruzado II, que previa, entre outras coisas, o aumento de tarifas públicas, reajuste de impostos e novos cálculos de inflação.

As medidas causaram indignação de parte da população e uma manifestação foi convocada no dia 27 de novembro, como relembra o deputado distrital Chico Vigilante (PT). “Na época, eu era presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Marcamos o início do protesto para as 14h, saindo da Rodoviária (do Plano Piloto), com o intuito de seguir para o Congresso e, depois, para o Ministério da Fazenda”, conta o parlamentar.

O grupo, então, caminhou em direção à Praça dos Três Poderes. Na altura da Catedral, uma barreira policial chegou a ser montada, mas não impediu a passagem dos manifestantes.

A situação começou a ficar mais tensa na chegada ao Congresso. Um cordão de isolamento feito pela polícia e pelo Exército impediu a aproximação dos manifestantes, que se dirigiram à Praça dos Três Poderes.

O próximo passo seria a entrega de cartas de protesto ao então ministro da Fazenda, Dilson Funaro. Na companhia de deputados e senadores, o grupo caminhou para o prédio da pasta, mas não conseguiu levar os documentos.

A confusão
Dispersados, os manifestantes retornaram para a Rodoviária. Foi quando a verdadeira confusão teve início. “No carro de som, dei como encerrado o ato por volta de 18h. Mas vários grupos começaram a se exaltar e iniciaram um quebra-quebra repentino e sem controle”, relembra Vigilante.

O distrital também deu depoimento no documentário “Badernaço — O dia que não acabou”, dirigido por Marcelo Emanuel e Eliomar Araújo, com imagens de Fábio Varela.

Confira a íntegra do filme

https://youtu.be/88KMNGNklDM

 

Ataque surpresa
Entre os documentos divulgados recentemente pelo Arquivo Público do DF, estão laudos, relatórios e depoimentos apresentados à comissão de sindicância, que investigou o episódio na época. No grupo que participou do Badernaço, aparecem o chefe de Gabinete Civil do Governador do DF, Guy Affonso de Almeida Gonçalves; o então reitor da Universidade de Brasília (UnB) Cristovam Buarque; e o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Carlos Max Torres.

A comissão ouviu vários policiais que estiveram no local. O relato mostra que os militares presentes não esperava o tumulto. “Causou surpresa à polícia a grande mobilidade e rapidez que agiam os depredadores (…) Na opinião do declarante, houve uma subestimação dos responsáveis pelo planejamento ocorrido na véspera pela PM”, declarou, na época, o major Túlio Cabral Moreira.

ArPDF/ Reprodução

 

Veículos incendiados
Segundo o militar, o tumulto maior começou após um grupo incendiar um ônibus do Exército. Sem repressão, o ato foi ampliado e 32 veículos oficiais foram depredados ou incendiados, de acordo com laudo dos bombeiros.

Além dos veículos, diversas pessoas aproveitaram a situação para depredar estabelecimentos, quebrar prédios públicos e saquear lojas na rodoviária e proximidades. Agências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, o prédio da Empresa de Correios e Telégrafos, o mercado Cobal e até o escritório da Cruz Vermelha na Rodoviária se tornaram alvos dos manifestantes, conforme pode-se ver nos relatórios dos bombeiros abaixo.

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Medo de reprise
Foram necessárias quase duas horas para que o tumulto fosse encerrado. Além dos prejuízos materiais, a revolta popular terminou com 65 policiais feridos, sendo três gravemente, e dezenas de presos.

Entre os detidos, estava o próprio deputado Chico Vigilante. “Me enquadraram na Lei de Segurança Nacional. Mas meses depois fui julgado e absolvido”, relembra. Para o parlamentar, a conjuntura da época tem semelhanças com o período em que o Brasil passa e não descarta novos episódios. “Assim como naquele tempo, a população vive hoje um momento de pressão e insatisfação. E Brasília é o centro de movimentos populares, que se irradiam pelo restante do país. Acho que um fenômeno parecido pode vir a acontecer novamente, sim”, pondera.

A comparação também pode ser feita com movimentos ocorridos na capital nos últimos meses. Em dezembro de 2016, um grupo de manifestantes contrários à PEC do Teto dos Gastos entrou em conflito com a polícia próximo à Catedral.

Usando máscaras e panos no rosto, o grupo seguiu para o Setor Bancário Sul. No caminho, apedrejou lojas, agências bancárias e colocaram fogo em um ônibus. A descrição é muito parecida com a dada pelos policiais presentes no Badernaço.

ArPDF/ Reprodução
Trecho da declaração do policial Carlos Chagas à Comissão de Sindicância

Entretanto, para o comandante do Batalhão de Choque da PMDF, major Luiz Ramos, as chances de um novo evento nas proporções do Badernaço são bem menores. “O episódio de 1986 foi um divisor de águas. O caos daquele dia alertou sobre a necessidade de especialização dos policiais. Atualmente, temos diversos mecanismos para evitar e conter revoltas como aquela”, diz o militar, que está há quase 30 anos na corporação.

Michael Melo/Metrópoles
Confronto entre manifestantes e PMs no dia 13 de dezembro do ano passado

 

Segundo Ramos, a polícia conta hoje com tecnologias e estratégias bem definidas para casos semelhantes. “A principal ferramenta que temos é a comunicação. Conseguimos avaliar o panorama, com o levantamento de manifestantes, em tempo real e tomar as ações necessárias”, explica o comandante. “Além disso, temos melhores equipamentos e estratégias estudadas, como o uso progressivo da força”, completa.

Para o comandante do Batalhão de Choque, o tumulto de dezembro só ocorreu porque os manifestantes premeditaram as ações. “Em 1986, houve o que chamamos de ‘efeito contágio’, quando um grupo pequeno não é repreendido e incita os demais. Hoje em dia, conseguimos evitar esse fenômeno. No caso do ano passado, os participantes vieram em sua maioria de fora de Brasília com o intuito de causar o conflito, o que tornou o controle mais difícil”, explica Ramos.

Com intuito de evitar novos episódios de quebra-quebra, as forças de segurança têm tomado medidas preventivas durante manifestações. Em maio do ano passado, durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, um muro chegou a ser erguido na Esplanada para conter brigas entre grupos opositores.

Em outros protestos, a PM tem feito a triagem da população, na qual são vasculhadas bolsas, mochilas e bolsos com objetivo de evitar a entrada de objetos perigosos no espaço de manifestação. Mesmo assim, alguns deles ocorridos recentemente na Esplanada dos Ministérios saíram do controle.

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