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Alunos, professores e diretores da Escola Superior de Ciências da Saúde contestam Ministério Público

Escola Superior de Ciências da Saúde questiona recomendação do Ministério Público de que médicos e enfermeiros deixem de dar aulas para reforçar hospitais durante a greve

atualizado

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Fepecs
1 de 1 Fepecs - Foto: Divulgação

A crise na saúde pública do Distrito Federal saiu dos leitos dos hospitais para as salas de aula da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), instituição que funciona sob a tutela da Secretaria de Saúde. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apontou como irregular o ato de ceder médicos e enfermeiros da pasta para atuarem como docentes, enquanto faltam profissionais para atender a demanda das unidades hospitalares locais.

Em resposta, alunos, professores e membros da direção da ESCS contestaram as afirmações do Ministério Público. O Centro Acadêmico Mourad Ibrahim Belaciano (Camib), que reúne grande parte dos alunos da escola, publicou, na segunda-feira (9/11), uma carta aberta ao governador Rodrigo Rollemberg (PSB). No texto, o Camib nega que os professores sejam repassados para atuar somente como docentes.

De acordo com o documento, praticamente todos os professores trabalham 40 horas na secretaria — 20 horas na assistência em hospitais e a outra metade atuando na docência. No texto, o centro acadêmico afirma que somente 17 dos profissionais da ESCS têm dedicação exclusiva ao centro de ensino, pois trabalham em cargos de direção e de gerência da instituição.

O Ministério Público acredita mesmo que desfalcar um centro de ensino é a solução para os problemas de saúde pública da cidade?

Carolina Pereira, aluna de medicina no terceiro ano

Outro ponto questionado pelos alunos é que os médicos cedidos pela secretaria são altamente especializados. Ou seja, eles não trabalham em Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) nem em emergências, pontos que contam com o maior desfalque de profissionais. “Temos medo de perder nossos professores por causa de uma situação que eles não poderão resolver”, diz Bárbara Nunes, aluna de medicina no segundo ano.

Embate
A informação descrita na carta vai de encontro ao que foi publicado pelo levantamento do MPDFT. O Ministério Público afirma que, dos 238 profissionais da ESCS, ao menos 35 se dedicam integralmente ao centro de ensino. Além disso, a instituição critica a contratação de professores, feita por meio de um concurso interno desde 2001, momento em que a escola foi inaugurada. Nesse modelo, somente médicos e enfermeiros da secretaria podem se tornar professores da escola.

Para o órgão, deveria haver um projeto de lei em que os profissionais seriam contratados por meio de concurso aberto para o público geral. Dessa forma, os funcionários do GDF poderiam voltar a atuar em tempo integral na assistência médica. “Numa situação de crise, tem que pôr na balança o que vale mais. Saúde ou educação?”, questiona Marisa Isar, promotora de Justiça de Defesa da Saúde do MPDFT.

Insatisfeitos, professores que atuam na ESCS afirmaram que, caso sejam proibidos de ensinar em sala de aula, voltarão a trabalhar somente 20 horas pela secretaria, o que anularia qualquer possibilidade de melhoria na saúde pública. “Ainda faço parte do corpo do GDF porque posso trabalhar como docente. Se não fizer mais isso, é mais lucrativo usar as 20 horas que terei para abrir um consultório privado”, explica Getúlio Morato, pediatra e professor.

Diante dessa situação, a promotora Marisa Isar disse esperar que “nem todos tomem esse posicionamento e se conscientizem de que a cidade precisa deles”.

A diretoria da ESCS, que também contesta o MPDFT, afirmou que todos os professores atuam na assistência da mesma forma que os não docentes. Além disso, ressalta que a escola — avaliada como o quarto melhor centro de ensino de medicina do país pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) — já formou cerca de 700 médicos e 140 enfermeiros.

“Muitos dos alunos passaram a atuar, depois de formados, na Secretaria de Saúde, com o diferencial de já conhecerem profundamente a rede de Saúde do DF, uma vez que, desde o primeiro ano, eles atuam dentro da rede de saúde pública do DF sob supervisão”, explica Paulo Roberto Silva, diretor-geral substituto da ESCS.

Veja a carta publicada pelo Camib na íntegra:

Exmo. sr. Governador Rodrigo Rollemberg

Diante dos recentes acontecimentos, o Centro Acadêmico Mourad Ibrahim Belaciano (CAMIB) decidiu escrever esta carta ao Exmo. Sr. Governador na esperança de que, compreendendo os argumentos em favor da faculdade e do papel de seus docentes, seja possível um diálogo visando a solução desse impasse. Como já deve ser de seu conhecimento, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e o Ministério Público de Contas (MPC/DF) expediram quatro recomendações ao GDF sobre a situação da saúde. A quarta recomendação determina que o GDF adote medidas para garantir o número mínimo de profissionais para a realização de cirurgias e atendimentos na rede pública de saúde, porém, para que isso ocorra, o MPDFT afirma que os gestores devem “rever a cessão dos inúmeros profissionais da SES à Faculdade de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs), em detrimento do atendimento à população, prática que vem ocorrendo desde 2001”.

Em suas recomendações, o MP insinua que os docentes estão sendo “roubados” da assistência hospitalar, no entanto, a verdade é que todos os profissionais já atuavam 20h na assistência. Quando passaram no processo seletivo da ESCS, eles apenas aumentaram a carga horária para 40 horas, ou seja, as 20 horas na Escola são adicionais. Nenhuma hora de trabalho na assistência foi retirada.

E caso o docente volte pra assistência em tempo integral, como sugerido pelo MP, ele tem o direito de pedir retratação para 20 horas novamente. De todo o corpo docente, somente 17 profissionais atuam 40 horas integralmente no curso de medicina. Porém, desses 17, quatro não são médicos e dos 13 restantes, todos ocupam cargos essenciais na escola, como gerência de pesquisa, direção do curso de medicina e direção geral da ESCS .

Além disso, esses profissionais não atuavam em locais onde há a maior demanda de médicos, que são as UPAS e portas de emergências. O déficit de cerca de três mil médicos não será sanado com o retorno de apenas 13 médicos.

Anualmente a ESCS forma cerca de 160 profissionais na área da saúde (80 médicos e 80 enfermeiros) com excelência. Pelo MEC, temos o 4º melhor curso de Medicina do país – vide ENADE, no qual obtivemos nota máxima em todas as avaliações desde a fundação da faculdade -, além de sermos exemplo na formação de profissionais que praticam uma medicina mais humana e voltada para a população.

O profissional que se forma na ESCS passa os seis anos de sua graduação inserido na SES, aprendendo e servindo. Depois de todo esse período, o egresso da ESCS conhece na prática as falhas do SUS, mas reconhece também a sua importância e, por isso, se torna interessado em tornar o serviço público de saúde cada vez melhor, mais abrangente e eficiente.

Não são formados apenas profissionais que podem ou não vir a atuar na SES, mas profissionais interessados pela secretaria de saúde e que, por isso, escolhem trabalhar dentro dela. Além da graduação, a ESCS proporciona a educação continuada de seus docentes, pois utiliza metodologia ativa de ensino, à semelhança das universidades de Harvard (EUA) e MacMaster (Canadá).

Ano passado, essa metodologia deixou de ser apenas recomendada, com as Novas Diretrizes Curriculares do Ensino Médico, do MEC, e recebeu caráter obrigatório para os atuais e novos cursos de medicina. Desde então, a ESCS tem sido considerada modelo de ensino médico no Brasil, comprovado pelas diversas consultorias de educação médica que tem dado, pelo destaque em eventos como o Congresso Brasileiro de Educação Médica (COBEM) e pelos projetos de Fundação da Universidade Aberta do Distrito Federal (FUNAB), que cita e usa a ESCS como modelo de metodologia de ensino, tanto pelo excelente custo benefício para a mantenedora, quanto pelos resultados acadêmicos.

Portanto, acabar com uma instituição de ensino superior como essa significa agravar a carência de profissionais da área da saúde a médio e longo prazo, além de retroceder na educação médica brasileira e negar o título de Pátria Educadora, tão almejado pelo Brasil.

A faculdade está inserida na SES e, por isso, desde o primeiro ano de curso serve a comunidade e contribui para a melhoria da qualidade do serviço público. Mesmo no primeiro ano, estudantes são recebidos por grandes empresas e escolas públicas para ensinar técnicas de primeiros socorros, realizam visitas domiciliares em São Sebastião, Estrutural, Rota do Cavalo, Recanto das Emas e acompanham pacientes hipertensos, diabéticos e depressivos, sempre com o objetivo de ajudá-los na compreensão de sua doença e na adesão à terapêutica. Desde o primeiro ano, através do eixo educacional IESC (Integração Ensino-Serviço-Comunidade), realizam-se ações gratuitas em prol da saúde nas quais se afere pressão, checa-se glicemia e todos os sinais vitais do cidadão. A partir do segundo ano, o estudante já possui conhecimento básico suficiente para auxiliar e atuar em alguns exames e procedimentos básicos, no diferentes níveis de complexidade da assistência.

No internato, alunos do 5º e do 6º ano, estão inseridos em diversos hospitais e são essenciais na assistência. Segundo o relato do Dr. Getúlio Bernardo Morato Filho, docente da ESCS e médico atuante na SES, “Os serviços em que há internos e estudantes em atendimento oferecem uma qualidade de atendimento muito melhor do que os serviços que não possuem internos. Se não houvesse interno no HRT, por exemplo, seria impossível evoluir os mais de 70 pacientes internados no PS. No internato, são mais de 160 alunos cumprindo de 40 a 60 horas na assistência, o que corresponderia ao trabalho de ao menos 320 médicos, quase três vezes o número de médicos que atuam na ESCS.”

Vale ressaltar que, como foi citado anteriormente, a ESCS também exerce um importante papel na capacitação e reciclagem técnica e teórica dos médicos da SES através da docência. No eixo educacional de Módulos Temáticos, por exemplo, os docentes presenciam semanalmente discussões teóricas e compartilhamentos de matérias do curso que, muitas vezes, não fazem parte de sua especialidade. No eixo de Habilidade e Atitudes, o profissional participa de debates sobre assuntos éticos e polêmicos da profissão, além de expor para os estudantes as técnicas da conduta médica durante vários tipos de exames – outro aspecto inovador da metodologia da ESCS, que vai ao encontro das Novas Diretrizes Curriculares do Ensino Médico (MEC, 2014).

E, por fim, no eixo IESC, muitos médicos que trabalham em hospitais terciários especializados, como o HBDF, têm a oportunidade de serem inseridos no contexto da atenção básica em postos de saúde e visitas domiciliares. Desse modo, solicita-se que o MPDFT reveja essa recomendação, que o Governo do Distrito Federal não retire os docentes da ESCS, pois implicará em periculum in mora inverso, ou seja, o dano resultante da concessão da medida é infinitamente superior àquele que se deseja evitar. Por fim, o CAMIB solicita uma reunião com algum representante do GDF e da SES para informar melhor a situação da ESCS.”

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