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Itamaraty elimina 47 candidatos cotistas no concurso para diplomata

Para comissão de verificação do certame para diplomatas, não foi confirmada a autodeclaração de candidatos de serem negros.

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
palácio Itamaraty
1 de 1 palácio Itamaraty - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A falta de critérios bem estabelecidos para a inscrição de candidatos a vagas em concursos públicos como cotistas causou um grande problema na disputa para a carreira de diplomata do Itamaraty. Quarenta e sete aprovados na primeira etapa, que tentavam entrar a partir do benefício, foram eliminados ao passarem pela verificação da autodeclaração como negros. Do grupo, sete haviam sido selecionados no ano passado com uma bolsa de R$ 25 mil para se preparem para a concorrência. Na ocasião, um dos requisitos era ser negro. Todos receberam o dinheiro.

Uma das pessoas que passou na primeira fase do concurso com 40 pontos — quatro a mais do ponto de corte dos cotistas —, mas que não quis se identificar, conseguiu avançar para as outras fases. No último fim de semana, porém, ele foi avaliado pela comissão de verificação, e, por unanimidade, acabou eliminado do concurso. Os integrantes da banca decidiram pela “não confirmação das autodeclarações dos candidatos”.

Ele reconhece que não tem características de uma pessoa negra e sim parda, e defende o benefício da bolsa oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores como uma autodeclaração confirmada pelo órgão anteriormente. “Participei de um processo para concorrer a essa bolsa. O requisito básico era ser negro. Fiz a prova, passei por uma entrevista técnica e a bolsa foi concedida nessas condições. Agora, outra comissão do mesmo órgão decide que não sou negro para o concurso”, questiona.

Segundo ele, outras seis pessoas contempladas com a bolsa na condição de cotistas também foram eliminadas pela comissão de verificação. “Eu sou pardo, claramente não sou branco. Eles justificaram a não confirmação da autodeclaração com base na insuficiência da negritude, com avaliação subjetiva. Mas não haveria propósito liberar os R$ 25 mil da bolsa para a pessoa se preparar para o concurso e depois negar que ela entre”, completa.

O grupo escreveu uma carta de manifesto para encaminhar ao Instituto Rio Branco, responsável pela seleção dos diplomatas.

Ação civil
Este não é o primeiro concurso para diplomata, que tem uma das provas mais disputadas e difíceis do país, que gera polêmica sobre o ingresso de candidatos pelas cotas. Em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma ação civil pública para evitar que cinco pessoas aprovadas na terceira e última fase do concurso para a carreira no Itamaraty tomassem posse. O grupo de candidatos brancos é suspeito de se autodeclarar negro para avançar mais facilmente na seleção por meio das cotas.

Com base principalmente em fotos, o MPF constatou que os candidatos não apresentam “cor de pele escura, própria de pretos ou pardos, e nem mesmo traços faciais/cabelos característicos de pessoas negras”.

A intervenção eliminou o candidato Lucas Nogueira Siqueira do certame, que não apresentava características físicas de um indivíduo negro. Ele, porém, entrou com duas ações na Justiça e, em julho deste ano, conseguiu uma liminar autorizando ingresso no curso de formação do Instituto Rio Branco.

Legislação
A Lei 12.990 instituiu a reserva de 20% das postos oferecidos em concursos públicos para candidatos pretos ou pardos e estipulou a autodeclaração como critério para garantir as candidaturas. A norma também prevê que, em casos de confirmação de fraude, o candidato deverá ser eliminado do certame ou ter sua nomeação anulada.

Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), o professor Nelson Inocêncio ressalta a importância das cotas para atender pessoas preteridas, constrangidas e que sofrem assédio pela aparência, mas destaca os cuidados que devem ser tomados para evitar a “conveniência” na inclusão de candidatos nas cotas raciais. Segundo ele, a possibilidade de concorrer a vagas apenas pela autodeclaração pode abrir espaço para o ilícito. “A cultura tem aspectos positivos e negativos e entra aí o constante desejo de burlar as leis. Ser negro nunca foi importante, agora, de acordo com a conveniência, as pessoas estão querendo ser”, diz.

Segundo ele, as bancas de verificação são treinadas para avaliar se o candidato realmente se enquadra na lei das cotas. “O conceito de afrodescendente não cabe no sentido de ser o critério para a seleção. Costumo defender que toda pessoa negra é afro, mas nem todo afro será negro. O exercício do olhar das bancas é suficiente para pessoas treinadas. Essas equipes são montadas por pessoas que têm o domínio do conhecimento”, completa.

O Itamaraty não se pronunciou sobre o caso.

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