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Conheça “Quimera”, projeto brasiliense de graphic novel de horror

Em entrevista ao Metrópoles, Lucas Gehre e Rafael Lobo falam sobre o projeto

atualizado

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Realizar uma cosmovisão do horror em quadrinhos. Essa é a proposta principal de “Quimera”, nova iniciativa das HQs brasilienses. Os responsáveis são dois caras já safos na cena e as pretensões do novo material dialogam com seus trabalhos anteriores. O argumento e o roteiro são de responsabilidade de Rafael Lobo, cineasta com três curtas premiados (“Confinado”, “Palhaços Tristes” e “Bartleby”). O artista plástico, diretor de arte e celebrado quadrinista Lucas Gehre (de “Quadradinhas”) dá vida, por meio de nanquim e aquarelas, às enigmáticas imagens e sequências do projeto.

“Quimera” busca o pesadelo interno de seus personagens por meio da tecnologia e da vigilância. Ao menos é o que dá para perceber até agora. O projeto é um “work in progress” e vai sendo lançado na internet na medida em que vai sendo produzido. Há um Instagram e outras mídias devem veicular seu desenvolvimento, como o próprio Facebook LTG (de Gehre) e a plataforma de quadrinhos on-line Tapas.

As primeiras etapas podem ser conferidas aqui. A ideia é que “Quimera” se torne um universo expandido: Lobo e Gehre já possuem roteiro para um longa-metragem do projeto e uma série também está nos planos da dupla.

A impressão que tive até agora é de uma narrativa bastante sensitiva, muito silenciosa, que vai descortinando aos poucos a terrível verdade de que já vivemos em uma distopia. As misteriosas introduções dos capítulos, quando uma moça é lobotomizada assistindo a filmes clássicos de horror, dão o tom para o resto do mistério.

A arte de Lucas ainda é delicada, mas nunca esteve tão sombria. Paranoia e vigilância vão se inserindo progressivamente na história. O fundamento para esses quadrinhos de “pós-horror” veio da dissertação de mestrado de Lobo, sobre o perturbador diretor canadense David Cronenberg.


O “Projeto Quimera” é uma ótima novidade para a produção cultural brasiliense, não apenas porque reúne duas figuras importantes, mas por propor um modelo diferente de distribuição e exibição da obra — podemos acompanhar cada passo da realização. Troquei uma ideia com os dois:

Você sempre trabalhou com narrativas mais curtas e experimentais. Qual a diferença em produzir um quadrinho de fôlego maior e mais narrativo?
Gehre: Apesar de realmente trabalhar mais com narrativas curtas, gosto de experimentar com estruturas e formatos diversos. “Quimera” não só se propõe a ser uma narrativa mais longa, mas também tem outras características que a diferenciam: é feito em dupla. Um trabalho contínuo onde expomos o processo, uma história que se propõe de horror. Todos estes componentes tornam “Quimera” um trabalho único dentro da minha exploração da linguagem.
Seu trabalho em quadrinhos é poético e busca uma diferente sensibilidade para essa forma de arte. Como esta visão chega até “Quimera”?
Gehre: A obra tem seu viés poético, mas como é uma narrativa mais longa, esse componente se dilui ao longo da história. Acredito que a construção do clima de suspense e horror, os momentos de reflexão do leitor e dos próprios personagens, os silêncios e imagens de carga mais simbólica sejam uma forma de trazer essa visão para a trama. Busco menos um resultado que seja percebido como “poético” do que propor um espaço de reflexão e associações mais sutis.

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Lucas Gehre

“Quimera” parece refletir sobre uma cultura de vigilância e paranoia operada pela tecnologia e redes sociais. Você acha que já estamos vivendo em uma distopia tecnológica?
Lobo: Pensar por meio de uma ótica conceitual do gênero de horror normalmente nos direciona para uma reflexão distópica ou apocalíptica do mundo. Acredito que estamos vivendo em meio a uma revolução tecnológica capaz de mudar nossas perspectivas e, por consequência, uma transformação intensa de nossa organização ética. Os caminhos e resultados ainda são desconhecidos. Exatamente por isso torna-se necessário especular sobre eles.

Rafael Lobo

Você tem trabalhos bastante particulares no cinema com filmes claustrofóbicos e incômodos. Que dificuldades está tendo em traduzir sua visão para os quadrinhos?
Lobo: Para mim, a maior dificuldade em traduzir o uso da linguagem cinematográfica para os quadrinhos está na criação da atmosfera de suspense. Nos filmes, costumo trabalhar tempos espaçados mediados por uma ambientação sonora expressiva, uma questão difícil de se transpor correlatamente para os quadrinhos.

Por outro lado, os variados formatos de quadro me permitem pensar a história por meio de uma decupagem muito mais livre, gerando uma multiplicidade de significados para cada formato, bem como outras formas narrativas. A interação das duas linguagens no quadrinho são dadas não apenas pelo próprio uso da mídia cinematográfica na história, mas pelo uso das mais diversas telas (dispositivos tecnológicos ou não) através das quais as experiências dos personagens são mediadas.
Ademais, o projeto do quadrinho “Quimera” também é pensado para ser desdobrado no formato fílmico. Tanto a linguagem cinematográfica está interferindo na forma como estamos produzindo o quadrinho e já estamos pensando em como ele irá trazer suas particularidades estéticas e narrativas para a forma audiovisual. Não irá se tratar de uma mera adaptação, mas de produzir uma obra experimental e de linguagem híbrida.

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