metropoles.com

Crônica: Um jantar entre amigos ajuda uma família a aceitar um membro LGBT

A irmã, o irmão e o amigo conversam sobre como apresentar um namorado para a família

atualizado

Compartilhar notícia

iStock
jantar amigos
1 de 1 jantar amigos - Foto: iStock

A mesa da pizzaria era pequena para tanta alegria. Um grupo de amigos tentavam se encontrar, mas a distância e a faculdade dificultavam. Eles marcaram a data e todos cumpriram com o compromisso de não faltar. Era uma garota e dois caras. Melhor dizendo, a irmã, o irmão e o amigo. A irmã contou muito com o ombro do amigo quando soube que o irmão era gay. Águas passadas, assunto superado. Mas naquela noite de celebração, o sentimento de comunhão ia dar lugar à surpresa.

— Eu queria falar uma coisa com vocês, porque estou precisando de um conselho.

O amigo e a irmã olharam espantados, pois o irmão nunca havia falado naquele tom tão formal.

— O que será para você estar falando assim tão sério?

— É porque é sério. Eu já tô namorando tem quase um ano e, apesar da minha irmãzinha não ter se preocupado em conhecer ele ainda, tô pensando em levar ele para conhecer nossos pais.

Se instalou um silêncio na mesa, constrangedor. Eles eram amigos há tanto tempo que nem se lembravam mais quando haviam sentido um silêncio constrangedor pela última vez. A irmã ficou encarando o azeite de oliva com alho dentro, achou que ali devia ser algo interessante o suficiente para disfarçar que estava evitando o olhar do irmão.

– Legal, cara – tentou o amigo cortar o clima. – Então vai rolar casamento, é?

– Não sei se casamento, mas eu gosto dele o suficiente para assumir diante dos meus pais – ele olhou para a irmã esperando alguma reação sobre o assunto, sem se dar conta que olhar para o vidro de azeite era a reação dela. – Você não diz nada?

A garota deixou o azeite para lá e deu uma resposta mecânica, mas que depois ela achou que seria uma muito boa, um ótimo conselho inclusive.

Velho, só acho que não precisa disso. Nossos pais já praticamente sabem que você é gay. Eles já tem quase 60 anos, não precisa fazer eles passarem por esta situação. Tu vive aí com o cara, feliz e pronto.

O amigo olhou para os dois, relembrando o que já haviam passado juntos e separados. Enquanto passava por esse processo, viu a satisfação da irmã por ter encontrado uma boa resposta, mesmo que ela não saiba bem de onde saíram aquelas palavras, e o irmão com um olhar cada vez mais vazio de concordância com aqueles argumentos.

– Mas olha só, me fala uma coisa – começou o amigo -, você acha mesmo isso justo? Porque pelo que eu conheço do namorado do teu irmão, ele é um cara bacana. Ele trabalha e estuda, é responsável. Rala um bocado para ajudar em casa e pagar a faculdade, e do jeito que a coisa vai, ele vai ser um profissional com uma carreira brilhante pela frente. Ele parece gostar muito do teu irmão e fazer ele feliz. Eles se amam, eu não vejo nada de errado com ele. Se ele fosse seu namorado, era um cara que teus pais iam adorar conhecer e que iam botar a maior fé no namoro. O único motivo, o único porque eu não encontrei nenhum outro, para ele não ir à casa de vocês é porque ele é namorado do seu irmão e não teu. Agora me fala, você acha mesmo isso justo?

A irmã não teve tempo de voltar ao azeite de oliva, o cruzado de direita do amigo no seu estômago foi mais ligeiro. Não deu para ela se defender, ao mesmo tempo que o irmão ia levantando a vista e vendo se formar uma imagem que ele ainda não tinha visto.

Neste instante, os olhos fraternos só puderam olhar um para o outro e experienciar uma das sensações mais mágicas do mundo: a de se colocar no lugar do outro.

Sem sair da cadeira, ou de seus corpos, um vislumbrou como era ser o outro. Mal sabiam eles que dali há um ano, a mesa estaria ocupada com mais três cadeiras. Pai, mãe e namorado.

Compartilhar notícia