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Rogéria foi a revolução de batom, pinto, cinta-liga e pernas torneadas

Maquiador das famosas, Astolfo Barroso Pinto tornou-se estrela do show business internacional enfrentando com humor e coragem o preconceito

atualizado

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Reinaldo Marques/Globo
Programa do Jô
1 de 1 Programa do Jô - Foto: Reinaldo Marques/Globo

No mês em que o Brasil sofreu o golpe militar, abril de 1964, Rogéria foi notícia na extinta revista “Manchete”. Nascia uma estrela em tempos de censura e opressão. “Foi a minha salvação”, dizia o jovem Astolfo, maquiador das estrelas da dança, do teatro e da música. Não precisou ir pro exílio. Encaminhou-se para o palco, com a alma de mulher exposta aos holofotes.

Rogéria nasceu para mudar a ordem. Aos 12 anos, saiu pelas ruas de Niterói exibindo um maiô Catalina. Provocou frisson. Não sofreu represálias familiares. A mãe a adorava. Dizia que deu hormônios femininos demais ao menino talentoso. Foi trabalhar nas coxias dos teatros. Da bailarina Zelia Hoffman, ouviu: “Troque de nome. Astolfo não combina com você. Use Rogério”. Fez então uma aparição num baile de carnaval. Dentro de uma fantasia deslumbrante, ganhou o concurso e o público gritou em coro: “Rogéria, Rogéria, Rogéria’

Nascia uma estrela, que cantava, representava e encantava. Rogéria, como todas as pioneiras travestis e transformistas brasileiras, inspirou-se em Ivanah, trazida, nos anos 1950 ao Brasil por Walter Pinto para o teatro de revista brasileiro. Assistiu ao número da artista importada: uma sucessão de figurinos arrancados um debaixo do outro. Saiu do teatro pensando que poderia fazer mais e melhor. Tinha a voz que brilhou no filme “Copacabana”, de Carla Camurati.

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Começou nos palcos cantando o repertório de Maria Bethânia e Elis Regina. Amiga de artistas, não demorou para estrelar seus shows nos chamados anos de chumbo da ditadura militar. Tentaram tirar ela do palco. Defendia-se dizendo que o teatro não tem sexo. Aprendeu a máxima com Fernanda Montenegro. Quando o pano caía, tinha de se vestir de homem.

Astolfo Barroso Pinto estava por ali segurado a peteca.

Rogéria

Rapidamente se associou aos shows com artistas consagrados. Em “Charme 1974”, estava ao lado de Jô Soares, Wanderléa e Eliana Pittman. Não demorou para fazer carreira internacional. Moçambique, Angola, Espanha e França. Aprendeu a ficar ainda mais fina: tomando champanhe e comendo caviar. Em Barcelona, em plena ditadura Franco, foi perseguida por ser travesti e recebeu uma oferta para fazer a cirurgia de troca de sexo. Negou-se. Rogéria se identificava com o gênero masculino. O pênis era fonte de prazer e não de sofrimento. Foi corrida para Paris e estrelou shows na boate Carrousel ao lado da estrela Capucine. No camarim, conheceu mitos como Yves Saint Laurent.

O mundo estava pequeno para Rogéria. Tinha vencido pela arte. Driblou a sina da prostituição imposta às travestis e transformistas como uma das poucas formas de viver. Voltou ao Brasil e novamente foi abraçada pela classe artística. Com o amigo e genial Agildo Ribeiro, fez uma sucessão de shows. Um dos mais famosos era “Agildo Ribeiro & Rogéria em Alta Rotatividade”. Uma metralhadora de piadas hoje politicamente incorretas e autorreferências à vida pessoal.

Nasci de nove meses, pancadinha no bumbum, choro e luzes. Meu sexo? Sex appeal. Diziam que se me jogasse na parede e eu ficasse seria homem, se caísse, padre. Eu, meu bem, flutuei.

Rogéria

Não demorou para fazer trabalhos mais densos. Em 1979, ganhou o conceituado Prêmio Mambembe com a peça “O Desembestado”, direção de Aderbal Freire-Filho, na qual fazia uma personagem carola. Foi para as telenovelas. Brilhou em “Tieta” e “Lado a Lado” e acumulou uma dezena de participações. Muitas delas no antológico humorístico “Viva o Gordo”, ao lado do amigo Jô Soares. Era um sucesso tão grande que cunhou a frase: “Sou a travesti da família brasileira”.

Rogéria não parava de fazer shows e palestras Brasil afora e teve os últimos anos cercada de amigas no projeto “Divinas Divas”, show e documentário de Leandra Leal. Quando lançou a biografia “Rogéria, uma Mulher e Mais um Pouco”, de Marcio Paschoal, em 2016, reuniu essas histórias de vida com elegância e picardia, deixando na gaveta nomes de homens famosos com quem se envolveu.

Nos últimos anos, acompanhou as velozes mudanças comportamentais sobre o universo LGBT com certo assombro. De imediato, não entendeu muito a necessidade do casamento gay nem a urgência de mudança de sexo para as trans. Depois, fez as pazes com o contemporâneo.

Estou do lado de todas as trans. Mas sou Astolfo Barroso Pinto. A Rogéria foi minha melhor performance.

Rogéria

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