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Por que estamos crucificando Tony Ramos?

Ator cumpriu o lícito papel de comandar campanha publicitária num país capitalista e de livre concorrência

atualizado

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Canal Brasil/Divulgação
Tony Ramos
1 de 1 Tony Ramos - Foto: Canal Brasil/Divulgação

Um dos maiores atores brasileiros, Tony Ramos está sendo cruelmente crucificado por ter feito propaganda da Friboi (do grupo JBS). Os ataques passaram das piadas e memes de primeira hora (muitos necessários para sobrevivermos a tanto desrespeito) às ofensas pesadas.

O senso comum tem tratado o garoto-propaganda como um dos algozes que arquitetaram essa calamidade indecente com a carne que levamos à mesa. Há poucas reflexões sobre o sistema capitalista desenfreado em que vivemos. A ganância de pôr o lucro acima dos valores humanos e o modelo antiético de exaltar a corrupção como forma de desatar os nós do mercado.

Friboi/Divulgação
Tony Ramos e o slogan da Friboi

 

Num primeiro momento, faz até algum sentido alguém pensar: a culpa do pacote da Friboi que jaz no meu congelador é do Tony Ramos. Afinal, o intérprete emprestou a sua imagem inquestionável de artista para atestar a qualidade dos produtos. Numa das peças publicitárias, caminhou orgulhoso pela linha de montagem e testemunhou que os cortes eram de primeiríssima linha.

Divulgação/TV Globo
Tony Ramos: desempenho quase sempre impecável na tevê

 

Basta, porém, nos distanciarmos dessa emoção à flor da pele para supormos que Tony Ramos talvez tenha sido tão vítima quanto todos nós. Sabemos o quão é delicado quando uma pessoa pública se associa a uma marca. Um ator do porte e do profissionalismo de Tony Ramos deve ter pensado 501 vezes antes de aceitar um contrato publicitário e, possivelmente, milionário.

Caso seja comprovada toda essa falcatrua, Tony Ramos pode possivelmente acionar à Justiça e cobrar uma indenização por perdas e danos à sua imagem

Globo/ Pedro Curi
Tony Ramos é um patrimônio da cultura nacional

 

A credibilidade que Tony Ramos construiu não tem preço. É nitidamente um artista que tem a consciência da carreira primorosa que ergueu. Não é um garoto-propaganda qualquer. Trata-se de uma das mais influentes e admiradas personalidades do Brasil. Ao dizer “sim” à agência publicitária que detém da conta da JBS, cumpriu o seu papel de comunicador diante de um mercado capitalista. Assim, ganhou o dinheiro devido e nos indicou um produto que parecia estar num patamar de qualidade que desejamos.

Em que pese a crítica dos vegetarianos, não há crime algum em fazer propaganda de carne num país carnívoro como o nosso

Divulgação/Globo Filmes
Tony Ramos com Glória Pires em “Se Eu Fosse Você?”

 

O resultado da Operação Carne Fraca é revoltante, indigno e cruel. Mas daí transferirmos nossa revolta a Tony Ramos é intempestivo. Talvez, imaturo. Conhecemos Tony Ramos pelo brilhante trabalho de ator, sobretudo, em novelas. O desempenho, quase sempre espetacular, estende-se ao cinema e ao teatro, no qual ele se agiganta como um deus no palco.

Quem viu “Novas Diretrizes em Tempos de Paz”, obra-prima de Bosco Brasil, sabe do que eu estou escrevendo. Tony Ramos está para o Brasil como Dustin Hoffman para os Estados Unidos. É dono de um talento incomensurável.

Quem o conhece pessoalmente avaliza ainda a postura ética com que conduz as relações de bastidores. Tony Ramos costuma receber de braços abertos atores iniciantes, acolhe a técnica e tem a salutar educação de cumprimentar olho no olho do figurante aos protagonistas. Parece algo simples. Mas, infelizmente, nem todos os astros costumam tratar humanos como humanos.

Não sou amigo de Tony Ramos. E, sim, um grande admirador de sua obra. Uma única vez na vida tive a oportunidade de ficar diante dele numa situação extremamente particular e foi um instante transformador. Guardo desse fragmento palavras ternas e um olhar acolhedor de quem jamais viraria às costas ao seu público.

Vamos focar nos culpados desse vexame mundial e deixar Tony Ramos seguir em paz o seu trajeto primoroso de nos emocionar. Quem sabe a sua dor nesse momento seja até um pouco maior que a nossa

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