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O primeiro desfile do Suvaco da Asa a gente nunca esquece

Naquele 11 de fevereiro de 2006, um bando de 200 loucos por carnaval quebrou o tédio do Sudoeste Econômico. De repente, Brasília virou Pernambuco

atualizado

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Carnaval
1 de 1 Carnaval - Foto: Divulgação

Parecia um delírio de Zé Pereira. Pense numa cena inusitada. Sábado no Sudoeste Econômico, quase ninguém na calçada, um tédio a perder de vista e, de repente, um bando de gente, duzentas pessoas segunda a organização (a Polícia Militar não contou porque quase não estava lá), despontava na rua “frevando” atrás de um carrinho de som. Os corpos quicavam no chão sob um sol de lascar o couro. Gratuitas, as latinhas de cervejas passavam de mão em mão. Quem podia abria espontaneamente a carteira e colaborava com a organização. Afinal, felicidade não tem preço.

Ah, aquele 11 de fevereiro de 2006 ainda não sai da cabeça. De repente, a calmaria do quase desértico bairro de classe média era rompida por um povo carente do carnaval pernambucano. Como se diz em Salvador, gente que sofre de banzo, daquela saudade apertada das coisas da terra. Nascia, assim, o Suvaco da Asa, uma Troça Mista Pernambucana (TCM), designação, aliás, que só os cabras da terra são capazes de explicar.

“Desce, desce”
Das sacadas dos prédios, os moradores se sacudiam com o som rasgado pelo frevo. Lembro-me de uma senhora negra belíssima que se requebrava, enquanto essa pequena multidão acenava para ela descer. Não levou cinco minutos e lá estava a mulher esbaldando-se na folia de Momo. Num dia que eu posso juramentar ter sido um dos mais felizes da vida dela.

Das janelas, algumas pessoas improvisavam, com cartolina e lápis piloto, cartazes de última hora. Eram palavras de agradecimentos, também estampadas em sorrisos. Outras arrancavam de gavetas esquecidas adereços e aderiam ao clima fantasioso.

Canto de passarinhos
Os carros paravam no meio daquela famosa fronteira entre o Sudoeste e Cruzeiro Novo (a “Alameda das Jaqueiras” para os poéticos ou a “Faixa de Gaza para os sarcásticos), provocando um descontraído engarrafamento. Acreditem: até o buzinaço e as centenas de decibéis extras espalhados pelo ar eram “canto de passarinhos” aos ouvidos de quem estava na folia desvairada.

Não posso esquecer jamais de um casal de namorados que abandonou o veículo no meio da via para requebrar conosco. Eles estavam apaixonadíssimos e sabiam de cor a letra quilométrica de um frevo lindíssimo, tocado à exaustão, cujo refrão era algo como “sou madeira que cupim não rói”

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“Oh, linda”
Tinha também uma música que mais parecia uma exaltação patriótica à Olinda! Havia ali uma emoção à flor da pele que ainda permanece em mim, mesmo uma década depois. A imagem dos pernambucanos e idealizadores daquela brincadeira, Marina, Clarissa, Erika, Hilário e Luciene, interpretando cada verso da canção como se fosse o Hino Nacional. Todos com os olhos marejados e um amor escancarado por Pernambuco.

Galo da Madrugada
Baiano, nascido e criado no meio do carnaval de Salvador, eu me esbaldei em Brasília como se estivesse em Recife. De repente, as vias planas do Sudoeste tinham a magia e a vibração das ladeiras de Olinda e seus bonecos encantados.

Anos depois, essa experiência lúdica do Suvaco da Asa me levou para a folia momesca de Recife e seu carnaval multicultural. Certa vez, no Galo da Madrugada, com meu ego diluído na multidão sem fim, experimentei uma felicidade intensa e, de lá daquela terra,  saudei àquele 11 de fevereiro de 2006.

Hoje, uma década depois, o Suvaco da Asa sai em outro lugar. Mudou-se do Cruzeiro Velho, do QG do Quiosque da Codorna, onde foi gestado e concentrado, para a Funarte. Migrou porque agigantou-se. Arrasta agora dezenas de milhares de brasilienses nessa experiência antropofágica: a de absorver as culturas e recriá-las.

Não sei se, no meio da multidão, a gente vai encontrar Marina, Clarissa, Erika, Hilário e Luciene (alguns partiram para outras cidades). No entanto, a alma desses pernambucanos que sofriam da saudade de dançar um frevo estará entre tantos rostos de felicidades. Permanece viva entre as minhas reminiscências e a folia do aqui e agora.

 

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