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O dia que Cacilda Becker apresentou o teatro para os candangos

No primeiro aniversário de Brasília, a maior atriz brasileira inaugurou simbolicamente o Teatro Nacional. Na plateia, havia vários operários para assistir peça que falava de corrupção

atualizado

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No primeiro aniversário de Brasília, os candangos passeavam de camisas brancas e tinham guardados, em bolso das calças, um pacote de amarelinhas, aquelas notas de dinheiro novinhas prontas para serem espalhadas no Brasil desenvolvimentista de JK. Algumas dessas cédulas foram trocadas por ingressos numa bilheteria improvisada na Rodoviária. A maioria queria conhecer esse negócio de teatro, anunciado pelo produtor Antonio Campos, o Campão.

Eles só tinham ido ao cinema. Tinham alguns que resistiam e retrucavam que não tinham dinheiro para esse negócio de circo

Campão

Quem comprou o convite pode ver uma das três peças do TCB (Teatro Cacilda Becker). Em cena, lá estava, a maior atriz viva do moderno teatro brasileiro, intensa, entregue e única.

Teatro de tapumes
A companhia teatral, dissidente do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), veio com a missão de inaugurar simbolicamente o Teatro Nacional, mais precisamente o espaço que, depois, viria ser a Sala Martins Pena.  Quando chegaram, um susto.

O teatro não tinha nem as poltronas, estava com os tapumes em volta. Não havia vidros, nada. Perguntei como eles inaugurariam aquele espaço. De repente, vieram 50 homens com vassouras, um formigueiro, que trabalhou dia e noite

Campão

Tudo ficou pronto até a estreia. Ou quase. Na sessão de 21 de abril de 1961, “Em Moeda Corrente do País”, Cacilda Becker subiu no palco ainda com cheiro de pó e fuligem. O teatro estava lotado (500 pessoas conforme nota do Estado de S. Paulo), com os candangos donos das amarelinhas, operários da obra e os ilustre da sociedade que acabara de nascer.

Cacilda fez questão de convidar todos os operários da obra. Ela estava feliz neste dia

Maria Thereza Vargas

Propina era mote da peça

Com texto de Abílio Pereira de Almeida e direção de Walmor Chagas, a peça narrava a história de Guimarães (um fiscal da Receita) e Florípedes (a esposa ambiciosa), casal suburbano tentado por um empresário, que oferecia propina em troca de uma ajudinha para sonegar impostos. Mas atual impossível.

Havia infiltração de ruídos e a acústica estava péssima, mas Cacilda e o elenco seguraram. De repente, falou energia e o público não saiu do lugar

Maria Thereza Vargas

O público estava encantado com esse negócio de teatro. A luz não demorou a voltar e a peça foi retomada segundo as manifestações de exclamações e risos. Uma das cenas mais ovacionadas era a que a personagem de Cacilda se ajoelhava aos pés do marido (vivido por Walmor) e clamava para que ele aceitasse a propina.

Nesta hora, a plateia ria e chorava ao mesmo tempo.  Era grotesco e lírico

Décio de Almeida Prado

Céu de Brasília
Na cidade, com elenco formado ainda por Fredi Kleemann, Kleber Macedo e Alzira Cunha, Cacilda ainda apresentou “Pega-fogo”, um dos maiores sucessos da atriz, e “Protocolo”. Daqui, foram para turnê em Goiânia.

Não há registro de impressões de Cacilda Becker sobre Brasília. Mas uma coisa se sabe. Ela era completamente apaixonada pela relação sol e céu. Em seu diário, há esse trecho:

Tenho trabalhado muito, demais quem sabe. Quase não vejo o sol, principalmente o pôr do sol. Sinto tanto. De todas horas do dia, é essa a que mais se instala em mim. Sempre foi assim, desde pequenina, muito pequenina. É uma sensação de saudade (quem sabe?)

Cacilda Becker

Dá para imaginar Cacilda olhando o céu de Brasília tão pertinho dos dedos e cheio de matizes de cores.

Pouco mais de oito anos depois, em 14 de junho de 1969, Cacilda Becker morreria, depois de passar mal durante uma apresentação de Esperando Godot.

Como disse o poeta, Carlos Drummond de Andrade, “Morreram Cacilda Becker”

Fontes:

“Cacilda Becker, Fúria Santa”, de Luís André Prado

“Uma atriz: Cacilda Becker”, de Nanci Fernandes e Maria Thereza Vargas

Estado de S. Paulo. Edição de 21.04.1961

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