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A última vez que Chico Anysio subiu num palco de teatro foi em Brasília

Em outubro de 2010, o mestre foi saudado no CCBB e se encheu de alegria: “Torço pelo Brasiliense. Estou na boca do jacaré”

atualizado

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Sergio Martins/Divulgação
Chico Anysio mitos do teatro brasileiro
1 de 1 Chico Anysio mitos do teatro brasileiro - Foto: Sergio Martins/Divulgação

Foto Sergio Martins

A última apresentação de Chico Anysio num teatro ocorreu em Brasília, no palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Estávamos em 20 de outubro de 2010 e o mestre do humor brasileiro tinha saído de um longo período de internação. Chegaria em Brasília, em cadeiras rodas, para ser consagrado no projeto “Mitos do Teatro Brasileiro”. Vinha acompanhado do filho e empresário André Lucas e de um enfermeiro.

Quando o “Mitos” foi idealizado, Chico estava no hospital enfrentando graves problemas digestivos (tirou uma parte do intestino grosso). O ator Sérgio Britto encerraria o projeto em 2010, mas infelizmente foi acometido de uma pneumonia e foi internado, sem condições, portanto, de viagem.

Eu e Jones de Abreu, idealizadores do projeto, ficamos sem chão com a notícia. A divulgação já estava feita, o material gráfico impresso. Era preciso seguir em frente e substitui-lo. Chico tinha saído do hospital recentemente e Jones me sugeriu telefonar para André Lucas.

Meu pai está precisando dessa homenagem. Nós vamos. Mas ele vai precisar de cuidados especiais

André Lucas

Foi uma felicidade. Apesar de nunca ter feito uma peça de teatro convencional, Chico Anysio tinha sido um dos percussores dos shows de comédia no Brasil, o que hoje chamamos de stand up comedy. Em 2010, havia uma discussão se essa forma de humor era ou não teatro (claro que por puro preconceito).

Nos anos 1960 Chico encantou plateias e lotou teatros Brasil afora impressionando a todos com a sua capacidade de se transmutar ao vivo (sobretudo, na voz) em mil personagens. A dama Cacilda Becker viu e o considerou de pronto um dos maiores atores da atualidade.

Rapidamente, houve um burburinho e muitos intérpretes beberam em Chico Anysio a engenhosidade de criar tipos. Ali, ele estava tocando, como um grande ator, na sensibilidade das plateias.

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Chico e o ator Jones de Abreu

 

Chico Anysio chegou em Brasília no começo da tarde do dia 20 de outubro. Estava ainda ressentido da força física. Havia um combinado de que colocaríamos ele sentado numa poltrona antes das cortinas abrirem para não causar impressão de fragilidade à plateia.  No camarim, havia uma única exigência dele: uma bandeja de empadinhas de camarão rosa.

Ele comeu com parcimônia e gosto. Deliciava-se enquanto os atores Jones de Abreu, Wilson Granja e Elisete Teixeira passavam, no palco, as cenas escritas por mim. Todos estavam apreensivo. Afinal, Chico assistiria aos seus personagens e poderia achar tudo muito risível. O roteiro foi composto por três esquetes que interligariam depoimentos dele.

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Elisete Teixeira e Jones de Abreu passando as cenas: frio na barriga

 

No primeiro, Dercy Gonçalves voltava do além para encontrar o contador de causos Pantaleão. Juntos, falariam dos primeiros tempos do menino Chico. De Maranguape ao Rio de Janeiro.

No segundo, Cacilda Becker era a convidada de Alberto Roberto, o maioral, e falariam da qualidade de intérprete do homenageado.

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Elisete (Dulcina) e Jones (Haroldo): na mesa, o futuro de Chico

 

Por fim, Haroldo, o Hetero, jogaria cartas de tarot para Dulcina de Moraes e, juntos, discutiriam o legado de Chico Anysio no humor.

A cada cena, Chico ficava mais e mais emocionado. Ficou impressionado com o trabalho de composição de Jones de Abreu, elogiou Elisete Teixeira e sua veia de humor e pediu, em público, que eu lhe entregasse o roteiro das cenas como um presente.

Quando Alberto Roberto o chamou de canastrão. Ele se dobrou de rir.

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Elisete como Cacilda Becker, Wilson Granja, o assistente, e Jones de Abreu, de Alberto Roberto

Quero esse texto pra mim. Vou usá-lo. Aliás, esse figurino de Alberto Roberto tá muito bom. Vou levar também

Chico Anysio

A plateia gargalhava. Chico falou de censura e a chamou de nojenta. Contou sobre a criação das personagens. Falou de política e do tempo nos teatros.

O que vocês querem saber mais de mim? Qual é o meu time? Sou Brasiliense, adoro a Boca do Jacaré

Chico Anysio

O teatro estava lotado. Naquela noite, uma tempestade daquelas parou Brasília. Havia ainda greve de metrô. A fila, no entanto, só aumentava. Todas as 327 cadeiras ocupadas com algumas extras. Havia ali uma emoção crescente de vida. Quando aproximávamos do final. Chico chamou André e cochichou.

Meu pai está muito feliz e grato e gostaria de retribuir com uma cena

André Lucas

Foto Sergio Martins

 

A plateia suspirou em coro. Chico Anysio levantou-se da poltrona e foi aplaudidíssimo. Com André, fez um esquete sobre trânsito do show “Tal Pai, Tal Filho”. Todos riam e muitos choravam.

Foi uma noite inesquecível para ele. Depois, fomos jantar juntos. Ele fez questão. Ali, falou da vida relembrada no palco.

Saiu de Brasília no dia seguinte. Tinha uma apresentação numa churrascaria de Salvador. Em dezembro de 2010, interrompeu tudo para uma nova internação. Mais uma vez muito longa que o levou ao óbito em 2012.

Aquela noite ainda pulsa em todos que o viram um dos nossos maiores gênios

Quando eu nasci, Deus disse foi pra mim: esse é o cara

Chico Anysio

Que saudade de Chico Anysio!

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