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Pardim tem samba no pé fora e dentro da cozinha

O boteco é um tradicional ponto de encontro cultural de Brasília, além de servir um delicioso sanduíche de pernil

atualizado

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Pardimabre
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De onde será que veio essa história de “baixa gastronomia”? De repente surgiu uma convenção de apelidar carinhosamente os botequins que servem comida boa com o antônimo dos restaurantes climatizados. Para mim, esse não passa de outro termo que reforça a síndrome de vira-lata nacional, por mais elogioso que pretenda ser. Há um mau hábito a ser combatido: de que uma rabada ou um frango com angu seriam receitas inferiores aos seus correspondentes gringos, a exemplo de um ossobuco com polenta italiano ou um coq au vin francês, comumente elevados à condição de “alta gastronomia”. É por isso que vamos falar hoje do Pardim, na 405 Norte.

Brasília foi construída à base dos malfadados pé-sujos. Era só o que havia. Foi assim que nasceu a Churrascaria Paranoá, em 1959; o La Chaumière, antes de ganhar o acento francófono em 1966; e como permanece a Pizza Dom Bosco até hoje. Como cidade, abraçamos muito bem essa cultura dos botecos. E, ainda bem, que não perdemos a tradição de frequentá-los. Não é todo dia que você quer sair para beber moscow mule em barzinho descolado de parede grafitada.

Toda beleza do botequim está na sua atmosfera despojada, informal, barulhenta e redentora do final de expediente. Uma vibe inabalável diante das novidades moderninhas importadas de Pinheiros (SP) ou do Village, em Nova York. Pardim, um estabelecimento sem tradição consolidada, funcionando há apenas cinco anos, representa o vigor desse modelo do ponto de encontro acolhedor, onde você pode tomar uma cerveja gelada, papear com os amigos e ainda entrar na roda de samba da feijoada de sábado e domingo (R$ 24,90 por pessoa) com caipirinha (R$ 9).

Pardim aparece como ponto fora da curva na rota dos empreendimentos gastronômicos forjados nesta década ávida por tendências e novidades. Estamos falando de um boteco em seu estado de arte: mesas e cadeiras de plástico avançando pelo espaço público até dar a volta no bloco, ou sobre a grama mal cuidada, afrontam a caretice do projeto de Lucio Costa e revelam, sobre as calçadas, o que chamo de a quintessência do lazer boêmio brasiliense.

Felipe Menezes/Metrópoles
Cliente é recebido com uma tigela de pipoca de cortesia à mesa

 

Na casa comandada pelo baiano Jarbas Pardim e sua esposa, Célia, o cliente é recebido com uma tigela de pipoca. Atendimento cordial, porém um tanto disperso. O climão do samba dá o tom da casa, no entanto, o que mais importa pra mim é se a cozinha não perde o compasso.

Conhecia Pardim de um bom tempo pelo seu sanduíche de pernil. Um sucesso da casa, superior inclusive ao famoso x-tudo Raimundão, servido pelo vizinho Cavalcante Ki-Filé, de onde o então garçom Jarbas saiu para montar seu próprio negócio. Pão baguete do dia, fresco, com um naco de pernil assado finalizado na chapa mais cebola, queijo e salada (R$ 13). Eis o primeiro caminho para a felicidade.

Desce muito bem com a Serramalte de 600ml (R$ 10,80), minha lager nacional favorita. E vire sua conversa fiada de cerveja artesanal pra lá, porque aqui vale mais o caráter reconfortante daquela gelada a afagar a goela. Mas, ok, se você insiste, há alguns rótulos da Colorado também.

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E então chegamos ao menu do Pardim, elaborado na totalidade a partir de sugestões dos clientes. “O que foi dando certo foi ficando”, diz. Pois corro logo para aquela moela de frango ao molho de tomate (R$ 33,50). A moela é a rainha dos miúdos e também um dos preparos mais fáceis de dar errado.

Costumo comparar o ponto da moela ao do polvo. São muito semelhantes em essência. Afinal, ambos são ingredientes originalmente rijos de difícil mastigação. O segredo está na habilidade do cozinheiro – afinal não pode desmanchar ou ficar com aspecto molenga. No ponto ideal, o ingrediente precisa parecer teso, apresentar mínima resistência na mordida e logo entregar toda sua suculência. Pardim acerta em cheio, embora o molho de tomate deva tempero mais pronunciado e acidez mais controlada.

O ápice gustativo, contudo, vem com a já famosa isca de fígado bovino acebolada com chips de jiló (R$ 33,50), em tamanho ótimo para compartilhar. Fígado tenro, cebola e pimentões caramelizados e logo cobertos por fatias finas, mas de crocância irregular, de jiló. Um dos melhores acepipes de boteco da cidade.

Se aventurar por receitas mais caretas pode não ser uma boa escolha. As fritas (R$ 20) poderiam ser mais crocantes, mas até que passam. O filé à palito, contudo, foi uma decepção. Carne oleosa demais, pálida, insossa, com cebolas ainda cruas e um dispensável chuvisco de orégano seco por cima. Pelos R$ 43,50, melhor recorrer ao filé do vizinho, que ostenta o corte no seu nome.

Mas Pardim caiu no gosto do povo e se tornou ponto de encontro cultural pelo cineclube que mantém às segundas (20h), o Samba de Buteco das tardes de sábado (agora silenciado pela retrógrada legislação do DF) e o engajamento carnavalesco, qual peça de resistência pelo direito à cidade.

E para chegar aqui não há fórmula de sucesso. Eis a beleza da cozinha de boteco: feita com intuição e praticada à revelia dos métodos de Carême. Assim que deve ser. Saúde!

Pardim
Na 405 Norte, Bloco A, loja 51, (61) 3273-4041. Das 12h à 1h (segunda a quarta-feira a partir das 16h). Ambiente externo. Aberto em 2012

 

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