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Gatos, cachorros e a intimidade de Camila Soato

A artista estreia com exposição em Brasília que pode ser conferida na Galeria Alfinete

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1 de 1 foto de abre (1) - Foto: Bernardo Scartezini/Metrópoles

Camila Soato mora na cidade de São Paulo há três anos. A ideia de se mudar surgiu aos poucos e foi se consolidando na cabeça da pintora brasiliense até ser encarada como realidade inevitável. Sentiu que era preciso dar esse passo para aproveitar o momento que se apresentava.

Camila entrou entre os finalistas do Prêmio Pipa de 2013 e participou com destaque da mostra dos indicados à premiação, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Logo conseguiu uma galeria carioca que a representasse, a Artur Fidalgo. Não muito depois, veio o convite para uma coletiva na paulistana Zipper e, na sequência daquela exposição, recebeu a proposta para entrar no time da galeria.

Por um ano, Camila ainda seguiu trabalhando aqui em Brasília sob encomenda da Zipper lá em São Paulo. Foi o tempo que ela precisou para terminar seu mestrado no Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB).

“Desculpa a Virilha Suada”, em cartaz na Alfinete Galeria até 5 de agosto, é a primeira mostra brasiliense de Camila Soato como artista já estabelecida na cidade de São Paulo. É também sua primeira coleção de obras inéditas desde que foi anunciada entre os 20 artistas concorrentes ao Prêmio Marcantônio Villaça deste ano.

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Há um certo ar de reencontro e camaradagem na Alfinete. Descendo a escada e entrando na exposição de Camila Soato, o visitante aos poucos vai restabelecendo contato com os gestos e os temas próprios da artista, vai reconhecendo naquelas paredes as novas cenas da pintora, ainda trabalhando dentro de seu estilo bem característico.

Na tela ao fundo da sala, a maior de todas, a única a receber um título, “Eterno Retorno”, duas Camilas juntas, num duplo autorretrato, dividem cervejas e risadas numa mesa de boteco. Ao redor delas, um tanto de autobiografia, um tanto de memória afetiva. A fachada do Bar do Mendes, da Asa Norte. Os azulejos de Athos Bulcão. Uma placa indicando Planaltina de Goiás, cidade onde a pintora passou a infância.

“Não sei dizer o que mudou de fato na minha pintura, com essa mudança para São Paulo”, engrena Camila Soato, pensando alto, conversando atrás de uma mesa de lata que nem aquela de sua tela, enquanto abre uma latinha de Antártica. Ela está bem à vontade numa padaria da 407 Norte, o único lugar aberto em toda a rua, manhã de domingo. “Mas talvez eu não tivesse pintado esse quadro se ainda morasse em Brasília. Acho que não teria pintado, não. De certa forma, ele fez da exposição uma experiência nostálgica para mim.”

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Quando Dalton Camargos, dono da Alfinete, abordou Camila há algumas semanas, cobrando um título para a exposição que já se avizinhava, ela respondeu sem pensar muito: “Desculpa a Virilha Suada”. Esse nome lhe soava bem, tinha lido algo parecido numa divulgação de uma festa.

Então veio para Brasília na semana anterior à abertura da exibição, comprou telas e tintas, espalhou-se na casa de sua mãe, em Sobradinho, para dar conta da tarefa. Todas as treze telas que compõem a mostra na Alfinete, explica Camila, foram pintadas em cinco dias, numa virada. A própria montagem da exposição, na noite anterior da abertura, aconteceu nesse espírito. A tinta ainda fresca sujando as mãos.

Sem curadoria, a mostra foi bolada, levantada e martelada apenas na parceria entre Camila e Dalton. Essa relação vem de tempo e possibilitou uma intimidade tal que Camila pôde elaborar cada pintura num espírito franco e desarmado que, ela conta, não teria lhe sido possível em outras galerias de outras cidades.

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De modo que, percorrendo a mostra na Alfinete, podemos percorrer também o rol de interesses da artista. Reaparecem ali os cachorros vira-latas, que ela tanto pintava há alguns anos, e que na época lhe serviam como uma primeira instância de exercício para a liberdade dos corpos.

O aspecto cômico e irreverente dos bichos valendo como indulto para acessar temas interditos. “Mais fácil aceitar a cena de dois cachorros trepando do que a cena de duas pessoas trepando”, ela compara.

Entre gatos e cachorros, também entraram desta vez os autorretratos de Camila Soato. A figura da mulher se impondo como uma segunda instância política daquele mesmo pensamento. Camila bebendo cerveja, ali no Bar do Mendes, sem camisa, com as sandálias na mão, se permite repetir pictoricamente uma liberdade que ela só conheceu na infância. Uma vez que aquela atitude, na nossa sociedade brasileira, é absolutamente vedada à mulheres.

Esta tela “Eterno Retorno”, assim, dialoga com o material mais recente de Camila, mais abertamente político, como as pinturas produzidas para a Zipper na mostra “Caviar É uma Ova!”, abrigada pela galeria paulistana no início deste ano.

Eis uma mudança, Camila percebe, respondendo aquela pergunta lá atrás na nossa conversa, que a ida para São Paulo provocou em seu trabalho. Agora ela está mais assertiva politicamente. Sentiu a necessidade de encarar o mercado das artes reafirmando sua condição de mulher pintora, e colocando a figura da mulher – o corpo da mulher – no centro de suas composições.

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Camila Soato já tinha exposto no antigo endereço da Alfinete, 116 Norte. Esta atual salinha da 103 Norte, ela só conhecia de ler a planta-baixa enviada por Dalton em e-mail. Sabia então, de antemão, que era uma sala pequena, pontuada por um par de colunas. Numa tela bem vertical, pintou uma terceira coluna – prontamente batizada por um de seus vira-latas.

Fora essa tela, as demais foram se arranjando ali na hora da montagem. “Não gosto de chegar com tudo pronto. É o espaço que vai me dizer o que vou apresentar”, explica Camila, revisitando assim um postulado básico do grupo de performance Corpos Informáticos, criado por sua professora Bia Medeiros.

Na casa de sua mãe, Camila pintou telas de variados tamanhos. Desde bem pequenas (30 x 40cm), que trabalham na escala da intimidade, até uma bem maior (200 x 200cm), “Eterno Retorno”, que termina por se impor na sala graças a seu tamanho, de certa forma amarrando todas as demais cenas ao seu redor, como se pertencessem elas todas a uma única narrativa.

E, sim, de certa forma pertencem.

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