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Duas noites com Bia Medeiros: arte & fuleragem

A cabeça da artista funciona na contaminação frequente de uma linguagem pelas outras linguagens

atualizado

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Bernardo Scartezini/Metrópoles
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1 de 1 abre1 - Foto: Bernardo Scartezini/Metrópoles

Têm sido dias especialmente movimentados até mesmo para Bia Medeiros. Agitadora das artes brasilienses há um par de décadas, ela abriu, em menos de uma semana, duas exposições diferentes – porém essencialmente muito próximas.

Desde a noite de quarta-feira, o mezanino do Museu Nacional Honestino Guimarães abriga uma mostra retrospectiva dedicada aos 25 anos dos Corpos Informáticos, grupo criado por Bia para apresentar performances efêmeras como forma de arte. Ou, como ela mesma enuncia, “uma cambada que faz fuleragem mixuruca como forma de vento.”

Esse mesmo vento sopra na Alfinete Galeria desde a noite de sábado. O espaço da 103 Norte recebe uma extração do trabalho pessoal de Bia Medeiros na mostra “Per-fura, Per-muta, Per-verte”. São principalmente desenhos. Ao longo da visita, no entanto, percebe-se que os desenhos acabam por ceder espaço nas paredes da sala ao registro de performance.

Pois é assim, nessa contaminação frequente de uma linguagem pelas outras linguagens, que funciona a cabeça de Bia Medeiros – e é assim que funciona o Corpos Informáticos.

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Na parede ao fundo da Alfinete, uma jovem Bia Medeiros de seios nus barbariza os passantes. Sob a sombra de uma mui granulada mas ainda impávida Torre Eiffel.

Os anos de estudo artístico e formação afetiva de Bia Medeiros em Paris, meados da década de 1980, sendo o germe de tudo o que viria depois. Voltando da França, assim que soube de uma vaga na Universidade de Brasília (UnB) para pesquisa no então indomado campo da arte computacional, ela se submeteu ao exame, mesmo sem estar muito certa do que se tratava.

Uma vez aprovada, Bia começou um trabalho longo e permanente para subverter o certa feita hegemônico academicismo de desenho-pintura-escultura, introduzindo seus alunos e colegas da UnB a um bocadinho de performances e intervenções urbanas.

“Quem sobe pelada numa árvore, depois dos trinta anos de idade, nunca vai conseguir trabalhar sentada atrás do computador”, gosta de repetir Bia Medeiros, que este ano se aposentou da UnB e retornou à terra natal, a cidade do Rio de Janeiro.

A professora se faz escutar por um par de gerações. Gente das artes plásticas, claro, mas também das artes cênicas e do audiovisual. Uma trajetória pessoal, profissional e poética já esmerilhada pelo colega Sérgio Maggio na coluna Tipo Assim.

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Muito antes de desbundar em Paris, a menina Maria Beatriz de Medeiros já carregava por aí seu caderninho de desenhos. Foi essa sua primeira linguagem, aquela que mais adiante a empurraria pela porteira aberta da arte contemporânea.

Ainda hoje, Bia leva seu caderninho com ela. Na Alfinete Galeria, podemos ver um relance do que ela se dedica quando não está envolvida no trabalho coletivo. A série “Vertical”, que se apresenta em dois conjuntos na Alfinete, traz desenhos feitos com sumo de fruta, café e chá. Sua temática se reitera a cada folha – “falos e úteros”, define a autora – e o ato de criação se deixa adivinhar.

(A lembrar que quando expôs desenhos de semelhante feição, no Elefante Centro Cultural, 2014, Bia apresentou a performance “Mogno e mais”, em que pintou uma parede usando casca de mogno como pincel e goma de tapioca como tinta.)

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Essa aproximação entre a linguagem do desenho e o gestual da performance se traduz em arremessos, borrifos, jatos de cores. Bia enxerga ali figuras que arremata com diferentes texturas.

A intenção da recente série “Vertical” já respingava na série “Olivença” (cerca de 1998). Numa viagem de família, Bia arrancou páginas de seu caderno e as submergiu por algumas horas num rio. Partindo das manchas que a água causou nas folhas, ela começou a desenhar. Algumas dessas obras, ainda hoje, trazem entranhados grãos de terra e de areia.

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Aqui se ergue uma ponte táctil entre o que se vê na Alfinete Galeria e o que se vê no Museu Nacional. Já perfeitamente dentro das intenções políticas do Corpos Informáticos. O caráter epidérmico dos desenhos da Alfinete se evidenciam na série “Ctrl – C + Ctrl – C” (2005) do Museu.

Para essa sequência, Bia escaneou pedaços de sua pele, inclusive do couro cabeludo. Ampliando essas imagens, cortejou um epidérmico abstracionismo. E depois que, durante uma ação do Corpos, algumas dessas folhas acabaram rasgadas, Bia as reconstruiu com durex e grampos. Acrescentando outra camada de textura às peças.

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Fotografias, vídeos, objetos reunidos na retrospectiva “Corpos Informáticos: 25 Anos” remontam a diferentes ações do grupo. Mas, ultrapassando a ideia do mero registro de uma performance dada em determinado tempo, determinado local, essas obras se impõe no aqui agora por si próprias.

Caso do teto grafitado da “Kombunda”, uma daquelas carcaças de kombis que o coletivo espalhou ao longo da L4 Norte, no início desta década, nas margens do Campus Universitário Darcy Ribeiro, naquela que talvez seja sua mais famosa intervenção urbana.

E as enceradeiras, usadas em performances na década passada, já são até familiares aos frequentadores do Museu Nacional. Incorporadas ao acervo público, as peças há pouco pontuavam a mostra “Mundez” na sala principal do prédio. Agora, no mezanino, ganham novo contexto.

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Uma escultura feita de cadeiras de plástico quebradas, no entanto, não durou para além da noite de abertura. Uma a uma, as cadeiras fuleiras de boteco voltaram às mãos dos artistas.

Dali para a rampa externa do edifício, foram usadas como elemento de percussão numa ação que foi esquentando, esquentando até sair de controle. Em poucos minutos, as cadeiras já desciam a rampa como se fossem carrinhos de rolimã. Sem rodinhas. Abraço para o Niemeyer.

Brincadeira que degringolou num furioso quebra-quebra. Cacos de plástico voavam em todas as direções. Não, ninguém se feriu, além das pobres cadeiras. As felizes testemunhas ainda puderam levar para casa pedaços de plástico quebrado, oferecidos como lembrancinha. Ao fim da noite, só restava uma fina camada de pó sobre a rampa.

Ana Flavia Valle Silvestre e Bruno Corte Real/Divulgação
Still de vídeo da performance “Jacaira” (Goiânia, 2016), com Bia Medeiros, Maria Eugênia Matricardi, Mariana Brites e Natasha de Albuquerque

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