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As estratégias de Valéria Pena-Costa para deter o tempo

A artista está com a exposição “Still Life – Estudos para uma Natureza (Quase) Morta”, na Alfinete Galeria

atualizado

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Bernardo Scartezini/Metrópoles
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1 de 1 foto de abre - Foto: Bernardo Scartezini/Metrópoles

Valéria Pena-Costa não consegue ficar alheia à passagem do tempo. O trabalhar dos cupins dentro da madeira e das traças no tecido interessam a ela. Assim como o lento escoar da areia de uma ampulheta.

Foi nesse sentido que, varrer o chão de seu ateliê, todos os dias, passou a fazer parte fundamental do processo criativo da artista. E a poeira se tornou uma preciosa matéria-prima.

A poeira nada mais é do que o registro do tempo. Meu ateliê seria a parte de baixo de uma ampulheta. Vou recolhendo o que vai sendo depositado no chão. Gosto de imaginar que a poeira que eu varro todos os dias, ao longo da minha vida, pode formar uma duna, meu pequeno deserto

Valéria Pena-Costa
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O pequeno deserto de Valéria Pena-Costa, que mais parece um oásis criativo, fica na QI 26 do Lago Sul. Primeiro, ela construiu ali sua casa, para onde se mudou em meados da década de 1990. Logo em seguida, comprou o terreno do outro lado da rua, onde uma construção de alvenaria pensada pelos antigos proprietários para ser provisória ainda está de pé — mesmo que um tanto descascada, rachada, infiltrada.

Tornando-se assim, aquela casa, exercício e cenário perfeitos para um dos temas mais caros à artista: a decadência, o desgaste físico, as marcas da passagem do tempo.

Varrendo o ateliê, Valéria percebeu a riqueza daquela poeira. Diferentes formas de resíduos e granulações a serem peneirados e esmiuçados em seu trabalho artístico. Há a poeira de origem mineral. Que sobe da terra, que o vento traz. Pedacinhos minúsculos de pedra, casca de tinta que se solta das paredes. Há ainda a poeira orgânica, rastros de quem passou por ali. Pena de passarinho, pelo de gato e pedacinhos de insetos. Fiapos de tecidos consumidos pelas traças, pó de madeira destruída pelos cupins.

“A poeira daqui é a história daqui”, enxerga Valéria.

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Uma história que neste exato momento está sendo narrada em dois sentidos. Pois Valéria Pena-Costa esquentou, neste ano, uma parceria com a Alfinete Galeria, do agitador Dalton Camargos. Ela vem abrindo seu ateliê e seu jardim para o projeto “Fuga”. Trata-se de uma ocupação artística movimentada por eventos especiais.

Há um par de semanas, a coluna “Plástica” testemunhou ali uma apresentação do Grupo EmpreZa a entrar madrugada. Mas, desta feita, nossa segunda visita, numa tarde de terça-feira, foi para que Valéria explicasse o tanto dela que chegou ao endereço oficial da Alfinete, na comercial da 103 Norte, para a mostra individual “Still Life – Estudos para uma Natureza (Quase) Morta”, em cartaz até 3 de junho.

Ao receber na QI 26 os trabalhos do projeto “Fuga”, Valéria teve que abrir espaço para que artistas como Kabe Rodríguez, Allan de Lana e Ludmilla Alves trabalhassem nos cômodos e recônditos da casa. Assim, ela própria, Valéria, precisou se mudar para um puxadinho de gesso erguido atrás da cozinha. Levou com ela seus cadernos de desenho, boa parte de suas obras e um aparentemente infinito catálogo de recordações.

E assim Valéria reencontrou a si mesma. Objetos de infância há muito dados como perdidos, antigos móveis de família, peças de uso pessoal que para ela trazem ainda vívidas recordações. Esse é o material – e a natureza pulsante – de “Still Life”.

Até mesmo a poeira de seu ateliê. Uma vez varrida, a poeira foi separada, refinada, sedimentada em ampulhetas, taças, vidrinhos, tubos de ensaio e quadros.

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Nascida e crescida em Monte Carmelo, interior de Minas Gerais (MG), e formada em pintura pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), Valéria Pena-Costa ainda hoje mantém seus caderninhos de desenho.

Dali ela parte para as assemblages, as instalações e os ambientes que compõem seu trabalho atual. E uma possibilidade mais recente de expressão, a taxidermia, pôde ser enfim conquistada, no ano passado, graças a aulinhas no Hospital Veterinário da UnB, uma indicação da colega artista Raquel Nava.

Valéria conta que, há alguns anos, seu primeiro gato, Sheldon, a presenteou com um beija-flor morto. O gesto do felino, crente que estava abafando, deixou sua dona desconcertada. Valéria não soube o que fazer com o passarinho, para conferir a ele uma última dignidade. Tentou assimilá-lo numa composição, mas o resultado não a satisfez por completo. Agora com a taxidermia, Valéria tenta mais uma vez fechar aquele vão entre tempo e memória.

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