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Por que nós mulheres estamos tão furiosas?

Tenho sentido no meio dessa crise econômica e política um clima pesado em Brasília. Mas fomos nós que sofremos o golpe mais forte

atualizado

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mulher brava com raiva
1 de 1 mulher brava com raiva - Foto: iStock

Nesta semana, uma mulher atirou uma taça de vidro em mim. Eu nem era o alvo de sua ira — ela estava brava com a gerente da loja de artigos para a casa que, pelo que eu entendi, não quis lhe dar um desconto em um cobertor. (Tá frio mesmo esses dias, aliás). Mas, enquanto ela saía bufando pela porta da loja, agarrou uma taça cara na prateleira — uma que eu estava desejando ter dinheiro pra comprar — e meteu no chão com toda a força que os estilhaços passaram a centímetros do meu corpo. Fisicamente, tive a sorte de sair ilesa. Não digo o mesmo das minhas emoções.

Logo mais, apareceram a gerente, pálida, e as funcionárias daquele plantão, abaladas pela violência do ato. E eu, compadecida por elas, por mim, pela taça que eu não podia comprar, belíssima, aos cacos sem ninguém nunca usar. Mas, principalmente, eu estava abalada pelo que o gesto desvelava sobre a natureza humana: somos seres de agressão gratuita. E aí pensei: será mesmo?! E me arrisco num palpite aqui.

Por que estamos tão nervosas? Tenho sentido por esses últimos meses de crise econômica e política um clima pesado, triste e colérico em Brasília. Tem uma belicosidade latente no ar, sabe? Parece que estamos todos à beira de um colapso de nervos, feito personagens de filmes do Almodóvar. Sim, é claro, todos nós, brasileiros e brasileiras, estamos enfurecidos por estarmos constantemente sendo feitos de trouxa.

Parece que toda a vida jogamos nosso voto (e nossa confiança) no lixo por gente que nos apunhalou pelas costas. O Brasil em crise, a gente morrendo de medo de perder o emprego e assistindo os direitos trabalhistas indo pelo ralo enquanto os deputados e juízes não abrem mão das regalias que elevam seus salários para muito além do teto constitucional.

E a gente está tão desesperançoso que nem sente mais que vale a pena ir a protestos ou assinar petições ou fazer qualquer coisa: “Quem vem pra substituir é pior”, dizem meus amigos, e eu nem consigo discordar sem me sentir desonesta.

Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles
Posse dos ministros do governo Michel Temer. Imagem ficou famosa por ter apenas homens no ministério

 

Mas fomos nós, mulheres, que sofremos o golpe mais forte. Este governo começou esfregando na nossa cara que não nos queria no jogo político ao selecionar ministérios só de homens com tantas brasileiras gabaritadas que teriam feito um excelente trabalho nos tirando da fossa da crise. Depois, o presidente insistia em nos ofender em dezenas de declarações como: “Ninguém melhor do que a mulher para indicar ‘desajustes de preços no supermercado'” — reforçando que, para ele, nosso lugar é ali, atrás do carrinho do supermercado e não nos gabinetes políticos ou nas mesas das empresas.

E somos nós que ainda somos largadas sozinhas para criar filhos pequenos de pais desumanos, mesmo ganhando 30% a menos de salário que homens que desempenham a mesma função. Logo, somos as que mais sofremos quando a crise econômica se aprofunda. Vocês sabiam que em 2015, auge da crise, o desemprego entre mulheres era 30% maior que entre homens? Quem diz não sou eu, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Naquele ano, o instituto coletou dados do desemprego por sexo e idade e mostrou ainda que as mulheres em idade fértil — ou seja, naquela fase “crítica” em que podem engravidar — eram mais prejudicadas: 26% das mulheres entre 18 e 49 anos estava sem emprego, em comparação com 19,7% dos homens na mesma faixa etária. Como se renovar a força de trabalho brasileira através da reprodução não fosse um serviço à sociedade, mas um ato que merece punição.

Sim, estamos sofrendo mais com tudo isso e estamos furiosas — não sem razão. Estamos trabalhando muito, ganhando menos, com mais medo, mais responsabilidades. Temos um governo que, além de não nos representar, nos ofende. Não conseguimos, como a moça nervosa da loja, comprar cobertores para nossos filhos. Mas estamos canalizando muito mal a nossa ira.

Eu, particularmente, acredito muito no poder de liderança feminino. Eu queria que a gente liderasse as ruas por mudanças. Exigisse, nesta semana, que o Congresso aprovasse a denúncia contra o presidente Michel Temer, por exemplo. Eu queria que a gente vociferasse nossos ódios em palanques como candidatas em 2018. Eu queria que a gente usasse toda essa insatisfação para tomar o poder e fazer diferente e não umas contra as outras. Que a gente arrebentasse as estruturas da política e não taças de luxo nos pés de outras mulheres.

Eu perdoo a minha colega raivosa do shopping, mesmo que ela tenha me feito sair da loja chorando naquele dia. Amiga desconhecida, eu também estou enfurecida, assim como queria poder pagar por artigos de casa necessários ao bem estar da minha família. Quem sabe um dia, nós duas juntas possamos canalizar toda essa frustração na construção de um país mais justo? Te espero em outras arenas de luta.

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