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Leia Carrascoza, escritor brasileiro de obra inclassificável

Autor paulista é destaque na literatura brasileira contemporânea com livros que fogem de rótulos fáceis

atualizado

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Juliana Monteiro Carrascoza/Divulgação
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1 de 1 carrascoza juliana monteiro carrascoza - Foto: Juliana Monteiro Carrascoza/Divulgação

Nesta semana, voltamos à literatura de ficção, com um escritor que, se você ainda não conhece, deveria dar uma olhada. Estou falando de João Anzanello Carrascoza, autor de uma extensa e respeitável obra, com mais de 15 livros infanto-juvenis, mais de uma dúzia de livros de contos, três romances e outros tantos livros em sua área de atuação profissional e docência, a publicidade.

Conheci a escrita de Carrascoza em 2002, com o livro de contos “Duas Tardes”. Foi, porém, em 2007, que ele deslanchou, tendo sido finalista do Prêmio Jabuti também na categoria Contos, com “O Volume do Silêncio”. Pena, emprestei as duas obras para alguém, que não lembro, e até hoje nunca recebi de volta, mas me recordo bem do sentimento em relação ao segundo: aqui há material de altíssima qualidade. Ainda seria finalista de mais uma edição do Jabuti na categoria Contos, em 2013, com “Aquela Água Toda”.

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Uma das curiosidades da obra de Carrascoza é que seus livros são difíceis de serem classificados definitivamente em apenas uma categoria ou gênero. “Aquele Água Toda”, por exemplo, que também ganhou o APCA, foi aclamado com o Prêmio Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Ou seja, as fronteiras não são assim tão claras quando estamos diante de uma boa narrativa.

E isso também acontece com um dos romances que gostaria de tratar hoje: “Aos 7 e aos 40”, de 2013, que também recebeu a indicação “Altamente Recomendável”, do Prêmio Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

Com uma edição primorosa da Cosac Naify, o livro narra, alternadamente, dois momentos na vida de um homem, como o nome diz, aos sete e aos quarenta anos. Em termos simbólicos, dois momentos especiais da existência: a época da felicidade descompromissada e a época da busca da felicidade abarrotada de compromissos.

Na fase infantil, o narrador é em primeira pessoa, já na fase adulta, o narrador é em terceira pessoa. Essa opção não deixa de causar certo estranhamento quando colocada em perspectiva, porque é o reverso da expectativa: uma criança teria menos controle da articulação da linguagem, mas a narrativa é firme e contínua, como a reflexão sobre a “prima Teresa”, ou os “de repente da vida”. Já a vertente adulta é entrecortada, permeada por ausências de tempo e por sentimentos que o adulto já não explica tão bem, porque mais complexos — ou porque adulto é menos esperto mesmo.

É gostoso chegar às reverberações na fase adulta dos fatos narrados pelo menino, a essa altura pai de outro menino. Parece que alguns vazios vão sendo preenchidos.

Carrascoza é profícuo. No ano seguinte, já engatou outro romance, curtinho, mas esplêndido: “Caderno de um Ausente”, finalista do Jabuti, dessa vez na categoria Romance. Também lançado pela Cosac, a edição é elegante — uma pena o fim da editora.

Novamente um homem adulto, dessa vez tratando de sua relação com a filha recém-nascida, Bia. O livro é uma carta, escrita porque o homem sente que já está próximo da morte e gostaria de deixar algum registro, além da filmagem do parto e do “livro do bebê”, apenas este aberto para as visitas.

Um dos aspectos que me atraem nessa obra é que a morte permeia a narrativa, seja porque “não há como esconder a morte ante a estreia de uma vida”, seja porque há muitas ausências presentes, como a avó Luíza e o avô André e, antes deles, a bisavó Sara.

A linguagem é extremamente poética, já que as metáforas para falar da beleza ou da dor são uma constante. Aliás, é com uma metáfora, longamente trabalhada ao longo da obra — não deveria ser uma surpresa — que o autor nos surpreende no final. Não estragarei o final, mas, vá por mim: vale a pena essa surpresa, porque uma lágrima há de cair.

Carrascoza ainda lançou outro romance, “Trilogia do Adeus”, no ano passado, agora pela editora Alfaguara. Esse, infelizmente, ainda não li. Fica para a próxima. Pelo que conheço do autor, é altamente provável que seja de ótima qualidade.

Agenda literária:
– 3/8 (quinta), às 19h, no Carpe Diem (104 Sul):  “A Morte do Diplomata: Um Mistério Arquivado pela Ditadura”, de Eumano Silva

– 9/8 (quarta), a partir das 17h, no Beirute (109 Sul): “Brasilírica – Antologia Poética, 40 anos”, Nicolas Behr

“Siri”

Siri
não ri
em serviço.

Se troca a casca
vira ouriço
procura concha,
busca uma toca e,
sumiço.

Não dá mole por aí.
Pra não virar sopa
faz boca
de siri.

Ana Maria Machado (“Sinais do Mar”, 2009)

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