metropoles.com

“Enquanto Deus Não Está Olhando” é romance sobre o cotidiano

Obra da escritora Débora Ferraz esconde reflexões profundas sobre a vida

atualizado

Compartilhar notícia

iStock
girl reading book and drinking coffee in bed in the morning
1 de 1 girl reading book and drinking coffee in bed in the morning - Foto: iStock

Enquanto não é lançado o romance “Última Hora”, do potiguar radicado em Brasília José Almeida Júnior, vencedor da edição deste ano do Prêmio SESC de Melhor Romance, gostaria de comentar aqui o livro ganhador da disputa em 2014, “Enquanto Deus Não Está Olhando”, de Débora Ferraz.

Assim como ocorreu com Almeida Júnior, o livro vencedor em 2014 é o romance de estreia de Débora Ferraz e superou centenas de romances concorrentes inscritos no concurso, dedicado a premiar obras inéditas com a publicação por uma grande editora (Record) e, consequentemente, a distribuição em escala nacional. Depois de impresso, faturou ainda o Prêmio São Paulo de Literatura em 2015. Dois reconhecimentos de peso. A escritora pernambucana radicada em Porto Alegre já tinha publicado o volume de contos “Os Anjos” e prepara outro lançamento.

“Enquanto Deus Não Está Olhando” é um romance longo, mas sem ser pretensioso. O drama humano está lá, como em toda obra significativa, mas não tem a pompa e a circunstância dos longos romances. Guardadas as devidas proporções, o estilo se assemelha ao de John Irving em “O Mundo Segundo Garp”, best-seller do final da década de 1970. Se Irving explora uma relação problemática entre mãe e filho, no caso de Débora Ferraz, o enredo é sobre a relação de uma filha com seu pai.

Apesar de não ser pretensioso, o livro apresenta um refinamento na narrativa. Se o leitor não mergulhar nela, corre o risco de se perder. Afinal, a narrativa em primeira pessoa não é linear e mesmo os marcadores de data e horário não dão muita margem para largar o “catatauzinho” sem precisar revisitar algumas páginas.

Divulgação

 

Érica é uma artista plástica de uma cidade litorânea que teima em montar um ateliê em casa, mas sua produção artística é apenas um pretexto para entrarmos em suas preocupações comezinhas, camuflagens em torno do drama da vida.

O enredo esconde, assim, reflexões profundas sob a descrição corriqueira de detalhes do cotidiano. A própria escritora, em entrevistas à época do lançamento, fala da importância para sua obra dos “instantes modificadores” — aqueles momentos de transição que alteram a trajetória das pessoas. O problema é que ela não dá isso de “mão beijada” para o leitor. Tem um trabalho a ser realizado na leitura.

Para facilitar um pouco, ela dá pequenas pistas, como o momento em que a personagem reflete sobre o fato de os principais momentos de sua vida terem ocorrido sem a sua presença — a decisão do pai de fugir do hospital, por exemplo. É isso mesmo, o pai da protagonista, Aluízio, foge do hospital no meio de um tratamento e parte do enredo é a busca da família pelo fujão.

Como um corte cinematográfico, passamos para o funeral do Aluízio; o funeral, aliás, de um corpo não identificado, que ainda aumenta a dramaticidade da situação. Parte da leitura é para preencher os vazios da narrativa. Acredite, vale a pena. A partida de Vinícius também é um desses momentos, mas não vou dar mais spoilers.

Os livros vencedores das edições de 2015 e 2016 do Prêmio merecerão uma coluna à parte: “Desesterro”, de Sheyla Smanioto, que também é poetisa; e “Céus e Terra”, do jornalista Franklin Carvalho. Além, é claro, de “Última Hora”, quando sair do forno.

Agenda de lançamentos:
Dia 18 de setembro, a partir das 19h, no Cine Brasília (106/107 Sul), durante o Festival de Cinema de Brasília, Afetos, Relações e Encontros com Filmes Brasileiros Contemporâneos, de Denilson Lopes.

Haikais

coberta de neblina
a cidade se ilumina
fora de foco

céu fechado
a lua vestida de nuvens
se insinua

noite alta
apago as luzes de casa
para ver as do céu

Alice Ruiz S., “Outro Silêncio” (2015)

Compartilhar notícia