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A poesia brasiliense está nos livros e nas ruas

Renomado, iniciante, marginal, performático — escolha seu poeta brasiliense

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coletivo transverso parada de ônibus poesia
1 de 1 coletivo transverso parada de ônibus poesia - Foto: Reprodução/Facebook

Todo mundo escreve poesia e comete seus versos por aí. Em cartas apaixonadas, em paródias ou mesmo em cenas do cotidiano. Mas o que diferencia aqueles que definimos como poetas e aqueles que praticam o crime de vez em quando? Arrisco dizer que são duas coisas: a primeira é a constância e frequência com que se escreve; e a segunda, derivada da primeira, é a evolução da temática e da técnica – pelo aprofundamento da atividade. A quantidade pode levar à qualidade, especialmente se for acompanhada de pesquisa e debate sobre sua produção.

E Brasília tem uma cena poética bastante ativa e produtiva, apesar de poucos nomes de projeção nacional. Isso ocorre não tanto pela escassez local, mas pelo pouco espaço que a poesia tem no mercado editorial brasileiro em geral. Além da meia dúzia de cânones — Drummond, João Cabral, Mário Quintana, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Ferreira Gullar — poucos são os poetas que têm visibilidade nacional, infelizmente.

Por aqui, destaque absoluto para Nicolas Behr, que paira sozinho, por enquanto, no Olimpo poético do quadradinho. Sua identidade com a cena poética da cidade é fruto de quase quatro décadas de atividades literárias, que geraram quase 30 livros publicados, grande parte deles dedicados a Brasília ou com a cidade como a personagem principal.

Mesmo com todo o destaque, Nicolas segue participando, apoiando, conversando, dando conselhos aos poetas mais jovens. Difícil escolher entre seus livros, mas fico com “Laranja Seleta”, antologia publicada pela Editora Língua Geral, em 2009.

DivulgaçãoOutro peso pesado de Brasília é o embaixador aposentado Chico Alvim. Prestes completar 50 anos de versos, Alvim foi um dos expoentes da poesia marginal. Nem tão marginal assim, já que amealhou dois Prêmios Jabutis ao longo da carreira, o primeiro ainda em 1981, com “Passatampo e outros poemas”, e o segundo em 2000, com “Poesia Reunida”. Recomendo ambos. Seu último livro foi lançado em 2011, pela Companhia das Letras: “O metro nenhum”.

O Itamaraty, aliás, tem outros poetas com uma produção relevante por aqui. Raul de Taunay tem três livros de poesia, além de quatro romances. Destaque para “Urbe extrema: versos brasilienses”, publicado em 2012, pela Ed. 7 Letras. Felipe Fortuna é um entusiasta e divulgador da poesia visual, com uma carreira de 30 anos e sete livros publicados, o último “Taturana”, em 2015 e relançado na Feira do Livro deste ano. Ricardo Rizzo foi ganhador do Prêmio Cidade de Belo Horizonte, em 2004, e conta com três livros publicados, o último, Estado de Despejo, lançado em 2016, pela Patuá. Há pelo menos uma dezena de diplomatas cometendo versos, mas a maioria em seu primeiro livro ou ainda por lançar. Caso do colunista aqui.

Para além dos livros, a cena poética de Brasília tem uma vertente na rua. A principal delas é o Coletivo Transverso. São lambes-lambes poéticos colados nas pontes e postes da cidade ou grafados com spray, chamando atenção para a poesia cotidiana que passa despercebida aos nossos olhos. O coletivo atua desde 2011, às vezes em parceria com coletivos similares de outras capitais, e é formado por Patrícia Del Rey (autora de Entreaberta, de 2011), Cauê Novas e Patrícia Bagniewski.

Outro exemplo é o Coletivo IP (Intervenção Poética), formado em 2016, a partir do grupo de alunos de Oficina de escrita criativa da poeta Marina Mara — Cecília Meireles nos ensina que mulheres podem ser chamadas de poeta e não precisamos nos ater à dura regra das poetisas. O grupo organiza saraus e tertúlias literárias. Já Marina é uma das figuras mais ativas da cidade. Autora do livro “Sarau Sanitário”, de 2009, coordenava os saraus poéticos do bar Balaio até seu fechamento neste ano. Prepara seu próximo livro, com apoio do FAC.

Outra ativista e agitadora da cena poética brasiliense é Ádyla Maciel. Está sempre presente nos eventos das várias cidades do DF e organizou a “Antologia Voz – Poesia Falada”, que reuniu 15 poetas brasilienses que costumam declamar seus versos em saraus por estas bandas. O livro é uma fotografia da produção contemporânea brasiliense e conta com nomes como Lília Diniz (autora de Miolo de Pote da Cacimba de Beber), o próprio Nicolas Behr, João Bosco, Nanda Pimenta, Vanderley Cota, Jorge Amâncio e Noélia Ribeiro.

Uma outra vertente poderosa da poesia candanga atual é a produção feminina. A própria Noélia Ribeiro, a eterna namorada do outro lado do eixão, retomou sua produção, que estava adormecida em função das atividades profissionais e, desde 2009, já lançou “Atarantada” e “Escalafobética”.

DivulgaçãoCurtos, potentes e quentes. A jornalista Carla Andrade também apresenta produção consistente: “Conjugação de Pingos de Chuva”, de 2007, “Artesanato de Perguntas”, de 2013, e “Voltagem”, de 2014. Em ambas as autoras, o erotismo, a partir da visão feminina, é um traço forte, como em Escorpião: “Tirou toda a minha poesia. Só não tirou a minha roupa”.

Lília Diniz, Cristiane Sobral (“Não Vou mais lavar os pratos”) e Fernanda Barreto (poesias no livro “50 anos em seis”) completam o time, mas com uma peculiaridade: com atividades multiartísticas, congregam a expressão teatral e musical com sua produção poética.

A universidade também tem uma atuação relevante na cena poética brasiliense, especialmente nas traduções e ensaios críticos. Dos professores-poetas da UnB, o mais festejado, certamente, foi Elício Pontes, falecido em abril, aos 75 anos. Com quatro livros publicados, o último em 2014 – “Eterno Finito”, Elício foi responsável por inúmeras orientações de mestrado e doutorado na área de literatura. Atualmente, destaca-se na área de tradução o professor Flávio Kothe, responsável pela tradução de Paul Celan no Brasil. Seu livro “A poesia hermética de Paul Celan”, com a tradução e ensaios críticos acaba de ser lançado pela Editora da UnB.

Os coletivos locais também ajudam a enriquecer a cena brasiliense, como é o caso da Academia Taguatinguense de Letras, cujo agitador mais ativo é o poeta Gustavo Dourado; a Academia Cruzeirense de Letras e, em São Sebastião, dois grupos, o Movimento Cultural Supernova, que tem Paulo Dagomé como principal expoente, e o Radicais Livres S/A, com Vinícius Borba.

Por fim, vale a pena chamar atenção para a poesia cantada dos “rappers” GOG e Japão, que expõem em versos a realidade do DF profundo, e do músico Máximo Mansur (Farinha com Banana), que também grava letras de Paulo Dagomé.

Escolha seu poeta. Compre um dos livros. Deixe-o na bolsa. No criado-mudo. À mão, para quando quiser embarcar numa viagem rápida. Leia uma poesia quando sobrar um tempinho: se estiver esperando o ônibus, o Uber, o marido no futebol ou a esposa na loja de sapatos. Vale a pena, como diz William Carlos Williams no poema abaixo.

It is difficult
to get the news from poems
yet men die miserably every day
for lack
of what is found there.

(É difícil
obter notícias úteis de poemas,
ainda assim, homens morrem
miseravelmente, todos os dias
pela falta da matéria
que encontramos nos poemas)

William Carlos Williams (tradução livre)

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