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Repatriação: servidores são o primeiro alvo do pente-fino da Receita

Fisco mira em pessoas com rendimento incompatível com o patrimônio informado e suspeitos de declarar dinheiro de origem ilegal

atualizado

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Antônio Cruz/Agência Brasil
Receita federal Iágaro Jung
1 de 1 Receita federal Iágaro Jung - Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

A Receita Federal faz um pente-fino no programa de repatriação — que permite a regularização de recursos enviados ao exterior. Contribuintes suspeitos de terem declarado dinheiro de origem ilegal serão intimados a partir de agosto. A Receita mira em pessoas com rendimento incompatível com o patrimônio informado. Um dos primeiros grupos que passará pelo pente-fino é o de servidores públicos.

Quem não comprovar a regularidade dos ativos declarados será excluído do programa e os dados informados serão usados em investigações. Por razões estratégicas, o órgão não divulgou o número de funcionários estatais que aderiram ao programa. Mas há servidores com milhões em recursos repatriados, o que poderia ser um indício de participação em corrupção.

Chamaram a atenção da Receita casos como o de um servidor que ganhava abaixo do teto constitucional — hoje em R$ 33,7 mil — e declarou cerca de R$ 20 milhões em recursos que, até então, eram mantidos em um paraíso fiscal. Para alcançar este patrimônio, o funcionário teria de juntar todo o dinheiro que ganha mensalmente por pelo menos 50 anos.

Também há suspeita de que bens sejam regularizados em nome de “laranjas” para lavar dinheiro obtido de forma irregular. Na primeira etapa da repatriação, em 2016, houve a adesão, por exemplo, de empregados domésticos. Há indícios ainda de que 241 declarantes já tenham morrido. Cinco políticos também apresentaram declaração, o que a lei não permite.

“Há dados que são inverossímeis. Por que um funcionário público precisa esconder dinheiro lá fora?”, questiona o subsecretário de fiscalização da Receita Federal, Iágaro Martins. “A Receita vai intimar formalmente esses contribuintes, que terão de comprovar a origem lícita dos recursos repatriados.”

Anistia
A lei da repatriação prevê que só podem ser declarados recursos obtidos em atividades regulares, sob pena de exclusão do programa. Os dados de quem aderiu ao programa não podem ser usados como único indício em investigações criminais nem para fundamentar processos tributários, mas poderão reforçar procedimentos já em andamento ou que venham a ser abertos no futuro.

Além disso, o entendimento é que a anistia dada pelo programa só vale para crimes tributários, ou seja, quem repatriou dinheiro de corrupção, por exemplo, pode ser processado criminalmente e as informações declaradas utilizadas nessa investigação.

Em junho, a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba denunciou o ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira por lavar R$ 48 milhões de propina com a Lei da Repatriação.

Arrecadação
A menos de uma semana do fim do prazo, os contribuintes que aderiram à segunda etapa da repatriação declararam ativos que renderam apenas R$ 1 bilhão aos cofres públicos, de acordo com dados da Receita Federal repassados à reportagem. A arrecadação, no entanto, poderá ser ainda menor, já que o pagamento só ocorre no último dia.

Até segunda-feira (24/7), foram entregues 1,1 mil declarações. A última estimativa do governo é arrecadar R$ 2,9 bilhões com a entrega de cerca de 2,5 documentos. Apesar do ritmo lento, a avaliação é que a maior parte dos contribuintes deixa para fazer a entrega nos últimos dias.

A arrecadação ainda será divida entre União, estados e municípios. Com isso, do valor declarado até agora, restará para o governo federal pouco mais de R$ 500 milhões. A frustração de receitas com o programa é mais um dos “buracos” no orçamento, que complicam a já difícil tarefa de fechar este ano com rombo de no máximo R$ 139 bilhões — meta fiscal estipulada pelo governo.

A previsão inicial era arrecadar R$ 13 bilhões no total, sendo R$ 6,7 bilhões para o governo federal. A estimativa foi feita antes de o Congresso Nacional mudar o projeto de lei que, inicialmente, permitiria a adesão de familiares de políticos.

A avaliação é de que esse fator derrubou a arrecadação, já que os outros contribuintes, em sua maioria, já haviam aderido à primeira etapa, quando o governo arrecadou R$ 47 bilhões em impostos e multas.

Perfil
Na primeira etapa, a maior parte dos recursos regularizados veio das Ilhas Virgens Britânicas, principalmente de empresários, na faixa dos 60 anos e moradores de São Paulo. Este perfil deve se repetir na segunda etapa. Foram regularizados R$ 156 bilhões, que pertencem a quase 25 mil pessoas físicas e 96 empresas. Apenas 1,3 mil dos contribuintes (5%) responderam por R$ 62 bilhões, 40% do total declarado.

Eles fazem parte de um grupo seleto de 5 mil pessoas que são acompanhados com lupa pela Receita por preencherem critérios como ter rendimento maior do que R$ 17 milhões por ano ou patrimônio superior a R$ 82 milhões. Com a repatriação, esse grupo tende a crescer porque o Fisco passará a monitorar de forma diferenciada também quem declarou ativos relevantes no programa.

Segundo o governo, mesmo com adesão baixa na segunda etapa, o programa de repatriação brasileiro foi um dos mais bem sucedidos do mundo e regularizou, em dólares, cerca de US$ 60 bilhões, considerado o câmbio utilizado na época.

Outros países tiveram programas de regularização de ativos no exterior, como Argentina, com cerca de US$ 100 bilhões em ativos, EUA, com US$ 8 bilhões, Itália, com 3,8 bilhões de euros, e França, com 2,6 bilhões de euros.

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