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“Vivemos a era de ouro dos antibióticos”, diz Nobel de Medicina em palestra na UnB

Bruce Beutler é um dos maiores especialistas em imunologia do mundo e palestrou sobre o estudo vencedor do Nobel a estudantes de Medicina da Universidade de Brasília, nesta quinta-feira (20/10)

atualizado

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Marcelo Jatobá/UnB Agência
Marcelo Jatobá/UnB Agência
1 de 1 Marcelo Jatobá/UnB Agência - Foto: Marcelo Jatobá/UnB Agência

A primeira vez que Bruce Beutler, vencedor do prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2011 e um dos maiores especialistas em imunologia do mundo, viu Brasília foi em um dos selos de correspondência que colecionava com o irmão, nos anos 1970. A cidade planejada, construída do zero, despertou a maior curiosidade no norte-americano. Esta semana, mais de 40 anos depois, pôde finalmente ver pela primeira vez os monumentos da coleção de perto.

O especialista foi convidado de honra da Universidade de Brasília (Unb) em uma palestra nesta quinta-feira (29/10) para falar aos alunos, pesquisadores e alguns curiosos sobre os detalhes da pesquisa que o levou a ser laureado com o que é considerado o prêmio mais importante da ciência no mundo.

Para um pobre mortal, decifrar os gráficos, esquemas e siglas nos slides da apresentação de Beutler é missão impossível. Para os alunos ali presentes, parecia pura mágica. Em poucas palavras, o que Beutler e sua equipe fizeram foi esmiuçar o sistema imunológico a ponto de chegar à molécula responsável por ativar toda a resposta imune do organismo. Ou seja, onde e como começa o processo inflamatório quando nosso corpo se depara com um organismo estranho, como uma bactéria ou vírus.

O trabalho virou um medicamento, vendido como Enbrel, bastante usado hoje no tratamento de doenças autoimunes como artrite reumatoide e psoríase. Mas pode ir além: segundo Andrea Maranhão, diretora do Instituto de Biologia da UnB, as conclusões do Nobel foram fundamentais para o entendimento do sistema imunológico, do funcionamento de vacinas e poderiam ainda resultar em tratamentos mais eficientes e específicos para tratar infecções e doenças autoimunes.

Bruce Beutler recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília
Bruce Beutler recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília

Depois de receber o título de Doutor Honoris Causa da UnB, respondeu algumas perguntas dos jornalistas sobre a pesquisa científica e seus desdobramentos práticos.

Como o desenvolvimento da tecnologia tem influenciado nas pesquisas científicas e na rapidez de resultados?
A maioria dos trabalhos que fazemos agora não seria possível se não fosse o recente progresso tecnológico. Vale para todos os níveis. O sequenciamento genético não seria possível sem o desenvolvimento da engenharia química e física, que permitiu o melhoramento dos sequenciadores do genoma a uma velocidade 10 milhões de vezes mais rápida e mais barata do que há 20 anos. Se falarmos sobre a interpretação desses resultados, o poder da computação disponível hoje é enorme e aumentou muito nossa capacidade. Não teríamos ido muito longe nisso alguns poucos anos atrás. Existem outras novas tecnologias que usamos para verificar nossos resultados. Você talvez tenha ouvido falar do método CRISPR-Cas9 de recombinação genética. É simples hoje em dia substituir um simples nucleotídio, por exemplo. Fizemos mais de cem genes nos últimos 18 meses, mais ou menos, e não teríamos feito nem ao menos um sem essa tecnologia. Eu fico impressionado com o que podemos fazer hoje. Se tivessem me falado sobre isso 30 anos atrás, eu diria “isso é loucura, nunca será possível”. No entanto, é rotina agora. E sabe-se lá o que será possível fazer daqui a outros 30 anos.

Como os estudos poderiam trazer a possibilidade de drogas mais efetivas ou de melhoramento do nossos sistema imunológico?
Existem muitas possibilidades vindas desse trabalho. De um lado, sabemos que ativar o sistema imune inato pode levar também à ativação de uma resposta imunológica adaptativa. Quando você toma uma vacina contra a gripe, por exemplo, recebe uma dose de hidróxido de alumínio ou algum outro composto de alumínio, que sabemos que leva a uma inflamação. Agora, conhecemos alguns receptores que levam a essa inflamação e é provável que alguém possa desenvolver adjuvantes moleculares com um novo mecanismo de ação muito efetivo em produzir anticorpos contra qualquer que seja o organismo invasor. Vacinas podem ficar melhores. Também pode acontecer de descobrirmos a causa de algumas doenças inflamatórias que são um grande problema na medicina, como artrite reumatoide, lúpus, espondilite anquilosante. Há potencial para termos terapias muito específicas para esse tipo de doença. O trabalho que estamos fazendo para detectar novas mutações que afetam o sistema imune pode ajudar no entendimento de várias deficiências que não são compreendidas geneticamente ainda.

Existe uma discussão hoje sobre o uso de antibióticos e consequências negativas, como o desenvolvimento de superbactérias. Como essas pesquisas para o desenvolvimento de novas drogas são vistas pela ciência? Nossa saúde está ameaçada pelo mau uso dessas drogas?Definitivamente, os antibióticos não estão matando nosso sistema imune inato, o que nasce com a gente. E eles estão presentes há apenas 70 anos. Em toda a história da existência, só estamos protegidos por antibióticos há 70 anos, o que não é tempo suficiente para ter algum efeito relevante na evolução da espécie. Ele não nos enfraqueceu. O que é verdade é a criação de resistência aos antibióticos e isso está se tornando um grande problema. Existem vários tipos de bactéria que costumavam ser facilmente combatidas com esses medicamentos e que não são mais. Podemos esperar que as próximas gerações, talvez, não tenham a mesma proteção que temos hoje. Nós vivemos na era de ouro do antibiótico. Não há por que dizer que eles não sejam bons por mais 70 anos, ou por mais 200. Mas será preciso um uso mais inteligente do que o que temos hoje. E será necessário o desenvolvimento mais agressivo de novos antibióticos. E isso, aliás, é um problema, porque eles não estão sendo desenvolvidos tão rapidamente quanto as pessoas gostariam. E nem se sabe se é possível acompanhar com medicamentos todos os microorganismos que ameaçam a saúde humana.

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