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Projeto de Romário que cria gradação para estupro é alvo de críticas

Proposta do senador Romário prevê aumento da pena de estupro com ejaculação na boca, ânus ou genitália da vítima. Juristas e ONGs discordam

atualizado

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José Cruz/ABr
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1 de 1 romário - Foto: José Cruz/ABr

Enquanto o país discute medidas para desencorajar a violência sexual contra mulheres, um controverso projeto de lei pode sair da gaveta no Congresso. O texto, de autoria do senador Romário (Podemos-RJ), muda o Código Penal para agravar a pena de estupro. O problema é que a proposta cria gradações para os atos praticados justamente quando a sociedade se choca com a falta de punição em casos de violação do corpo feminino.

O PL n° 73/2015 prevê aumento de um terço na pena de estupro quando houver ejaculação na boca, no ânus ou na vagina da vítima e em crimes envolvendo sexo anal ou oral. Mas foram justamente casos recentes, nos quais homens ejacularam no corpo de mulheres sem que houvesse penetração, que provocaram o debate sobre as lacunas da legislação.

A proposta que hoje aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa é criticada por ONGs e juristas. Enquanto alguns especialistas acreditam que é controverso criar “gradações” para os abusos, outros defendem que o endurecimento da punição atual pode até mesmo dificultar condenações.

A pauta, apresentada em 2015, ganhou novo fôlego após decisão do juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto na última quarta-feira (30), quando o magistrado soltou Diego Ferreira de Novais. O suspeito foi preso em flagrante após ejacular no pescoço de uma mulher dentro de um ônibus na Avenida Paulista, em São Paulo.

No termo da audiência de custódia, o magistrado afirmou não haver estupro, pois o caso não teria envolvido “constrangimento, violência ou grave ameaça”. Dois dias depois, Novais foi novamente detido após praticar ato obsceno contra uma passageira em um coletivo. O acusado acumulava 17 passagens pela polícia por delitos semelhantes ao longo dos últimos oito anos.

O projeto de lei em tramitação no Senado estabelece, além do agravamento da pena em casos de ejaculação e sexo oral ou anal, a reclusão de 8 a 12 anos para o crime de estupro; 12 a 15 anos se houver lesão corporal grave ou se a vítima for menor de 18 anos ou maior de 14; e 20 a 30 anos se a violência resultar em morte. Atualmente, o Código Penal prevê uma penalidade de seis a 10 anos para o delito.

Relator da proposta na CCJ, o senador Paulo Paim (PT-RS) rejeitou, em seu parecer, o aumento da pena em casos de sexo anal ou oral, mas acatou o agravamento para crimes com ejaculação. Para o senador, a alteração na lei é “extremamente pertinente”, pois “pune severamente” quem expõe a vítima a outros riscos, como gravidez indesejada ou transmissão de doenças sexuais.

Agravamento da pena
Apesar do parecer favorável na CCJ, ONGs e juristas afirmam que o endurecimento da pena de estupro e a criação de agravos nas circunstâncias citadas no projeto de lei podem dificultar condenações. No caso de São Paulo, o juiz optou por enquadrar o delito como contravenção penal.

“Quanto mais você põe agravo e aumento de pena, mais os juízes tendem a tirar da ideia de crime e julgar como contravenção ou até arquivar o processo. Não adianta a ilusão de querer aumentar a pena. São pouquíssimos os juízes que estão nomeando tais crimes”, afirma Lia Zanotta, professora do departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem).

Segundo a pesquisadora, as ações citadas enquanto agravos no projeto em tramitação devem estar tipificadas na própria legislação que define o crime de estupro. “A invasão, seja oral, vaginal ou anal é o que implica o crime pleno de estupro. Você penetra no corpo do outro de alguma forma”, explica.

Especialistas temem que os agravos propostos pelo projeto de lei possam dificultar a denúncia de casos de estupro, crime considerado como o mais subnotificado no país.

A vontade inicial da vítima é de lavar o corpo inteiro. Como eu colho, então, o material que pode incriminar o agressor? São projetos que existem menos para proteger a mulher e mais para proteger o Estado e o criminoso.

Rute Alonso, presidente da União de Mulheres do Município de São Paulo e coordenadora do projeto Promotoras Legais Populares (PLP)

Para a professora e pesquisadora de Direito Penal Maíra Zapater, o endurecimento da pena é incapaz de coibir o crime. Zapater acredita que, além de uma revisão da legislação atual, é necessário um debate sobre o próprio sistema de Justiça brasileiro. “Pensando no caso de São Paulo, esse rapaz teve de passar 18 vezes pelo sistema para ser preso. Então não foi esse juiz que soltou, foram os 16 anteriores.”

Revisão do texto
Autor da proposta, Romário acredita que o texto do projeto de lei ainda deve sofrer alterações na CCJ do Senado antes de ser encaminhado à Câmara. “Em 2015, quando propus este projeto, não havia ocorrido nenhuma situação nem parecida com esse fato ocorrido no transporte público em São Paulo”, afirma.

O senador avalia a legislação brasileira como “branda” e nega que o aumento da pena possa dificultar a condenação em casos de estupro. “Algumas condutas criminosas simplesmente não são previstas, ou então são previstas, mas a pena não é equivalente à gravidade do crime”, explica.

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