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Metade das operações do FI-FGTS envolveu propina

Delações apontam que R$ 11,4 bilhões alocados em empresas transformaram o dinheiro do trabalhador em moeda para negociatas de políticos

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Prédio da Caixa no Setor de Autarquias Sul – Brasília – DF 04/11/2015
1 de 1 Prédio da Caixa no Setor de Autarquias Sul – Brasília – DF 04/11/2015 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Corrupção e manobras políticas marcam os bastidores dos investimentos do FI-FGTS, o fundo mantido com o dinheiro do trabalhador. É o que mostram delações premiadas de investigados em diferentes operações criminais, como Lava Jato e Sépsis. Cruzando os depoimentos com os investimentos, as denúncias indicam que 47,7% dos recursos liberados para empresa envolveram o pagamento de propinas.

A porcentagem pode crescer, porque alguns suspeitos de integrar os esquemas no FI-FGTS e na Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão do FGTS, ainda estão sob investigação.

O FI-FGTS foi criado em 2007. Tem hoje um patrimônio R$ 32 bilhões para suportar projetos que buscam fortalecer a combalida infraestrutura nacional, em áreas como transporte, energia e saneamento. Cerca de R$ 24 bilhões estão investidos em empresas por meio de ações compradas em bolsa, cotas em fundos, participações em negócios e debêntures.

Pelas denúncias, R$ 11,4 bilhões alocados diretamente em empresas transformaram o dinheiro do trabalhador em moeda para negociatas entre políticos, seus emissários e empresários.

Esquema
A delação que sustenta a maior parte das investigações é a de Fábio Cleto ex-vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa. Ele detalhou o esquema e apontou como cúmplices o deputado federal cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o corretor Lúcio Funaro — ambos presos —, além do seu ex-sócio Alexandre Margotto.

Funaro negocia delação. Margotto já fez a sua, corroborando parte do relato de Cleto. O empresário Joesley Batista, que recebeu R$ 940 milhões do fundo para por de pé a fábrica de celulose Eldorado, também deu detalhes que confirmam as histórias do ex-executivo da Caixa. Relatos semelhantes aparecem entre as 77 delações de executivos da Odebrecht.

Uma delas, por exemplo, relata propina para um ex-conselheiro do FGTS ajudar na liberação de recursos do FI para a Usina Santo Antônio, em que a Odebrecht é sócia. Somando o que foi liberado para saneamento, transporte e Santo Antônio, a Odebrecht recebeu mais de R$ 5,5 bilhões do FI-FGTS.

Cleto contou que pessoalmente se envolveu numa dezenas de transações ilícitas no FI-FGTS, que renderam mais de R$ 7 milhões em propinas em valores de hoje (R$ 520 mil em dinheiro, US$ 2,1 milhões em depósitos no exterior). Nada teria vindo a público não fosse um detalhe: a pedido de Cunha, as propinas eram depositadas numa conta da construtora Carioca, na Suíça.

Após ser alvo de uma busca e apreensão da Polícia Federal, Cleto descobriu que a Carioca havia delatado esses pagamentos para o Ministério Público Federal. Percebeu que não tinha como escapar. Consultou o criminalista Adriano Salles Vanni e decidiu também delatar.

Organizado
A delação de Fabio Cleto traz bastidores que mostram como os trâmites com o dinheiro do trabalhador foram politicamente comprometidos e tecnicamente fragilizados por um organizado esquema de corrupção.

O executivo contou que foi indicado para a Caixa por Cunha e lá ficou de 2011 a 2015. Sua tarefa era votar conforme a orientação do padrinho no Comitê de Investimento do FI, que decide o rumo do dinheiro após o aval da área técnica. Toda terça-feira, às 7h30, ele se reunia com Cunha para receber orientações sobre quais negócios deveria aprovar ou não — e deu detalhes das transações.

Relatou ter trabalhado para viabilizar a proposta da ex-LLX, de Eike Batista, hoje Prumo Logística. O projeto seria bom para o Porto Maravilha, mas tinha problemas nas garantias. Ele pessoalmente ajudou a reorganizar a proposta para que pudesse passar. A LLX recebeu R$ 750 milhões do FI — e teria rendido R$ 6 milhões em propina.

A Brado Logística, do Grupo ALL, foi um incômodo. Integrantes do comitê ligados a sindicatos queriam vetar o dinheiro porque a empresa teria pendência com funcionários demitidos. Aprovado, o grupo ligado ao esquema, segundo Cleto, ficou com 0,5% dos R$ 400 milhões liberados à Bravo.

Cunha também o orientou a votar contra. Foi assim com o investimento de R$ 2,5 bilhões na Sete Brasil, empresa criada para gerenciar a construção e venda de navios sondas para o pré- sal. Segundo Cleto, a operação era muito ruim, cheia de riscos e sem garantias adequadas.

Por orientação do governo, porém, deveria ser aprovada em favor da Petrobrás. Cleto diz ter recebido a ordem de votar contra, não por causa da baixa qualidade do projeto, mas porque Cunha não queria que o governo saísse vencedor. O Comitê votou como o governo pediu. A Sete Brasil deu R$ 1 bilhão de prejuízo ao FI-FGTS.

Defesas
A Caixa, responsável pela gestão dos recursos do FGTS, declarou em nota que coopera, integralmente, com as investigações das autoridades e que criou forças tarefas específicas, constituídas por empregados da área jurídica, financeira e de risco da instituição, para analisarem todos os investimentos do FI-FGTS.

“Todo o trabalho é acompanhado pela corregedoria da Caixa, que instaura procedimentos de apuração de responsabilidade sempre que identificadas irregularidades”, diz o texto.

Em uma dessas diligências internas, as equipes chegaram a ouvir o ex-executivo Fábio Cleto, que delatou o esquema de corrupção no fundo e no banco estatal. A preocupação era entender o nível de comprometimento da equipe e existência de irregularidades nos procedimentos internos.

“Em resposta, o senhor Fábio Cleto negou a participação de empregado da Caixa ou irregularidade nos procedimentos”, destaca a nota. Ainda assim, as análises internas prosseguem, sendo que os trabalhos são objeto de reuniões regulares entre equipes da Caixa e representantes do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. As defesas de Cunha e Funaro negam acusações.

O advogado Bruno Espiñeira, que defende Funaro, afirmou que não ia se manifestar. O criminalista Délio Lins e Silva Junior, que cuida da defesa de Cunha, disse que o ex-deputado “nega qualquer participação nos fatos e demonstrará isso na ação penal já existente sobre o assunto”.

Fernando Martins, que atua na defesa de Eike, disse que ele tem prestado todas as informações solicitadas. Eike já foi, inclusive, chamado a testemunhar em defesa de Funaro, mas seguindo orientação do advogado exerceu o direito de ficar em silêncio.

Para Salles Vanni, defensor de Cleto, a “delação dele é espontânea e extremamente efetiva, pois tudo o que disse está sendo confirmado pelas investigações”.

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