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Políticas equivocadas minaram integração do Brasil ao mundo, diz OMC

Avaliação conclui que mercado nacional ainda é “relativamente fechado”, que os produtos industrializados não conseguem competir no exterior

atualizado

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PAULO VITOR/AGÊNCIA ESTADO
BNDES
1 de 1 BNDES - Foto: PAULO VITOR/AGÊNCIA ESTADO

A política comercial adotada nos últimos anos, com desembolsos bilionários e isenções tributárias, prejudicou a integração do Brasil no mercado internacional e criou distorções na competitividade da indústria nacional. A constatação é da Organização Mundial do Comércio (OMC) que, nesta segunda-feira (17/7), iniciou o principal exame da política comercial do país, em um amplo raio-x de todos os setores da economia.

A avaliação conclui que o mercado nacional ainda é “relativamente fechado”, que os produtos industrializados não conseguem competir no exterior, que a proteção às empresas locais minou a economia e que hoje o país tem um papel “marginal” no comércio de manufaturados.

No BNDES, os créditos triplicaram em dez anos e chegaram a R$ 602 bilhões entre 2013 e 2016. De acordo com a OMC, um dos principais trabalhos do banco foi o de oferecer taxas de juros bem abaixo do mercado, usando o Tesouro para cobrir a diferença. Apenas entre 2013 e 2015, o BNDES gastou mais de R$ 194 bilhões nesses esquemas, o que despertou a desconfiança de diversos governos de que isso possa ser um subsídio proibido.

Mesmo em seu informe, a OMC insinua que os créditos do BNDES foram concedidos a taxas muito abaixo dos juros cobrados no mercado.

“O objetivo de longa data do Brasil consiste em proteger certos produtos nacionais frente à concorrência do exterior e atrair investimentos”, apontou a OMC. Para isso, o governo tem usado medidas de proteção, combinando tarifas, incentivos tributários com “prováveis efeitos de distorção”.

As medidas ainda incluem exigências de que empresas utilizem peças nacionais, a concessão de taxa de juros controlada e créditos subsidiados. Algumas já foram até mesmo condenadas nos tribunais da OMC, depois que foram denunciadas por europeus e japoneses.

Mas, de acordo com a entidade, o maior perdedor é mesmo o país. Tais medidas “afetam a economia e suas perspectivas”. “Como resultado, o Brasil segue sendo uma economia relativamente fechada, como demonstra sua escassa penetração em relação ao comércio internacional”, diz.

Na avaliação da entidade, ao optar por uma estratégia de proteção da indústria nacional, o Brasil abriu mão de uma “integração no mercado internacional que fomente a competitividade” e das “cadeias internacionais de valor”.

“A intervenção do governo por meio de concessão de ajudas internas e na fronteira segue distorcendo a concorrência e, portanto, o destino de recursos em diversos setores”, avalia a OMC. “Algumas atividades seguem estando marcadas pela concentração do mercado, a posição dominante do estado ou outras deficiências estruturais que limitam a competitividade”, disse.

Proteção
A estratégia de proteção à indústria nacional consistiu em dois elementos. O primeiro foi a elevação de taxas nas fronteiras contra importados. Oficialmente, o imposto de importações ficou praticamente inalterado, passando de 11,7% para 11,6%. Mas uma escalada tarifária foi registrada em produtos acabados, o que levou a OMC a alertar que a prática “desincentiva a melhoria da competitividade internacional”. Produtos têxteis e carros podem chegar a ter tarifas de 35%.

Mas foram as medidas antidumping quer serviram para frear importações. Ao final de 2016, 161 delas estavam em vigor, duas vezes mais que em 2012. O que também chamou a atenção é de que, em 44 casos, as barreiras já se prolongavam por mais de cinco anos.

As barreiras, porém, são completadas por um amplo sistema de incentivos fiscais para indústrias nacionais, além de um regime tributário excessivamente complexo, em especial para os importadores. De acordo com a entidade, porém, o custo fiscal da política industrial do Brasil indica que o setor nacional, no lugar de melhorar sua competitividade internacional, passou a depender cada vez mais de incentivos.

A OMC admite que algumas das vantagens fiscais ainda foram criadas para compensar o complexo sistema tributário do Brasil. Mas a generosidade de algumas dessas linhas de créditos chamou a atenção. No caso do BNDES, 63% dos desembolsos realizados estavam sujeitos a juros iguais ou inferiores a 5%, muito abaixo das taxas da inflação anual”.

“Também segue-se dando ajuda interna na forma de incentivos tributários e, em especial, empréstimos com taxas de juros administradas ou em condições favoráveis, subsídios de aluguel ou preferências na contratação pública”, destaca a OMC.

Outra política adotada pelo Brasil foi a de exigir um determinado conteúdo nacional na fabricação de certos bens para garantir incentivos fiscais. O esquema, porém, “protegeria os produtores nacionais da concorrência estrangeira”.

Um dos setores beneficiado foi o da indústria de carros. Para gerar uma maior produção nacional e incentivar o desenvolvimento tecnológico, foi criado o Inovar-Auto. Hoje, o setor enfrenta “graves dificuldades”.

Segundo a análise da OMC, o Inovar-Auto conseguiu atrair investimentos diretos por empresas que queriam driblar as tarifas de importação. De fato, companhias como BMW, Hyundai, Kia Motors e Chery investiram no Brasil, enquanto Jaguar Land Rover e a JAC Motors tem planos de montar fábricas.

Mas, de acordo com o documento, o esquema estabelecido pelo governo de incentivo fiscal a quem produzisse no país não integrou o mercado brasileiro ao mundial. “A maioria dos produtores estrangeiros não integrou suas fábricas que mantém no Brasil às cadeias internacionais de valor”, apontou a entidade, apontando para uma redução drástica ainda na importação de veículos.

Além disso, a produtividade das fábricas caiu abaixo da média da região que, por sua vez, estão “plenamente integradas à cadeia mundial”. No México, por exemplo, cada fábrica produz 53 unidades por ano por trabalhador. No Brasil, são apenas 27.

Diante da recessão doméstica, a venda de veículos no mercado local caiu de 3,8 milhões de unidades em 2012 para apenas 2 milhões em 2016. Mas a falta de uma maior concorrência também prejudica o consumidor. “Os altos impostos, a falta de concorrência e a proteção nas fronteiras seguem mantendo o preço dos carros relativamente elevado”, constatou.

Outro setor que contou com incentivos foi o da tecnologia da informação. Mas, entre 2013 e 2016, o setor mais dinâmico da economia mundial registrou uma queda em seu peso no PIB brasileiro, passando de 2,95% para 2,6%. No mesmo período, o emprego também caiu de 134 mil trabalhadores para 90 mil.

Desindustrialização
Apesar de barreiras e de incentivos às indústrias nacionais, a OMC constata que o setor manufatureiro brasileiro encolheu nos últimos quatro anos. “Apesar de alguns setores estarem prosperando, outros afrontam dificuldades em parte devido a não estar suficientemente integrados à economia mundial”, alertou a OMC. Entre 2012 e 2016, o valor agregado da indústria no Brasil passou de 12,6% para 11,7%, empregando também um número menor de trabalhadores.

Nem mesmo as Zonas Francas estariam dando o resultado esperado. Em 2013, elas empregariam em média 121 mil pessoas. Em 2016, esse número caiu para 85 mil.

De acordo com a OMC, o crescente déficit comercial no setor industrial levou o governo a adotar estratégias como Plano Brasil Maior, com taxas de juros favoráveis, créditos e privilégios em licitações, além de incentivos fiscais e barreiras aduaneiras. Ainda assim, a OMC aponta que “dificuldades estruturais continuam afetando a competitividade internacional da indústria brasileira e algumas reformas poderiam impulsionar o setor”.

Além de um baixo nível de integração, o setor industrial precisa enfrentar altos custos de produção, burocracia, infraestrutura deficiente, falta de concorrência e um sistema tributário complexo. “Um conjunto de dificuldades que da lugar ao chamado Custo Brasil e que coloca um freio à produção nacional, que não se beneficiou o suficiente das tenências mundiais”, destacou.

Fechado
O resultado das escolhas comerciais do Brasil levou a OMC a concluir que a economia brasileira continua orientada ao mercado interno. “A proporção de empresas brasileiras que se dedicam às exportações é consideravelmente reduzida, o que indica uma escassa integração às cadeias internacionais de valor”, alertou a entidade.

De acordo com a OMC, recai sobre um pequeno numero de empresas uma proporção enorme das exportações brasileiras. “Ao proteger o mercado nacional, o Brasil reduz os incentivos para aumentar a eficiência e qualidade ou diferenciação dos produtos, ao mesmo tempo que impede que produtores nacionais recorram aos fornecedores de insumos que ofereçam preço mais baixo”, afirmou.

“Como consequência, as manufaturas brasileiras seguem sendo pouco competitivas e sua participação no mercado continua pequena, o que deixa o Brasil em um plano marginal no comércio internacional de bens industriais”, alertou.

Para a OMC, o país ainda tem uma “rede relativamente modesta de acordos comerciais e sofre de deficiências estruturais, como infraestrutura física insuficiente, acesso limitado ao capital e níveis de qualificação de mão-de-obra geralmente baixos”. De acordo com a avaliação da entidade, o nível de instrução e a qualidade da escola primária estão abaixo da média de outros países.

Nos últimos anos, diante da recessão, O Brasil ainda registrou uma contração importante no volume de seu comércio, com uma queda anual de 12,3% entre 2014 e 2016. O resultado foi que, em 2016, o valor das exportações estava a 76% do valor de 2012. O valor das importações também terminou o período avaliado em 61% do que foi em 2012.

Reconhecimento
O governo federal admite que o Brasil terá de promover uma maior integração na economia mundial. Mas, num esforço de explicar a situação no país aos demais parceiros comerciais numa sabatina na OMC, a diplomacia nacional recorreu à frase de Tom Jobim.

“O Brasil não é para principiantes”, afirmou o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, Pedro Miguel da Costa e Silva. “Somos um país grande e complexo”, disse o diplomata que liderou uma equipe de mais de 20 técnicos do governo para responder às perguntas dos governos estrangeiros.

O Itamaraty também admite que o argumento de a economia ser orientada ao mercado doméstico é “parcialmente verdadeira”. Mas alerta que outros também são. As taxas de participação do comércio no PIB brasileiro, por exemplo, seriam equivalentes aos índices nos EUA e Japão.

Mas o governo também insinua que a situação atual é uma herança de governos passados e que uma mudança seria realizada. “Isso é resultado de escolhas históricas que fizemos sobre o desenvolvimento”, disse Silva. “Escolhemos o desenvolvimento por meio da atração de investimentos e tivemos muito sucesso nisso. Agora, estamos convencidos de que o Brasil precisa ser ainda mais aberto e integrado na economia mundial”, afirmou.

Ao explicar a situação no país, o diplomata descreveu a crise como “possivelmente a pior recessão” da história. “E, como a maioria de vocês sabem, a crise ocorre em um contexto político desafiador”, admitiu, garantindo que o governo está tomando medidas para superar as dificuldades. Para 2017, a previsão é de uma expansão de apenas 0,5% do PIB.

Prometendo reformas fiscais, nos gastos públicos, nova lei trabalhista e aposentadorias, o chefe da delegação apontou que existem sinais de que a economia está se recuperando. “A recessão de 2015 e 2016 acabou”, disse, apontando ainda para a queda do desemprego. Em sua avaliação, a prova de que a confiança no Brasil foi mantida é a taxa de investimentos, com US$ 11 bilhões em 2017 no setor de infraestrutura.

Silva também garante que o governo irá adotar novas medidas de privatização e concessões públicas. Outro sinal de abertura seria o interesse do Brasil em fazer parte da OCDE, além de novos acordos comerciais com países como Canadá, Líbano, Tunísia, Europa e Austrália.

Impostos
A delegação brasileira admitiu que o sistema tributário é um entrave, como apontou a OMC. Mas deixou claro que o tema está em debate no país e que o “Custo Brasil” não afeta apenas as empresas estrangeiras, mas também o setor privado nacional. “O governo é o primeiro a reconhecer a necessidade de simplificar as obrigações fiscais”, disse. O Itamaraty ainda listou uma série de iniciativas para reduzir a burocracia e facilitar o comércio.

Mas o Brasil fez questão de confrontar os questionamentos de governos estrangeiros de que a agricultura nacional estaria contando com uma série de programas de apoio. De acordo com o Itamaraty, o desembolso representa apenas 2,6% da produção nacional, um dos menores do mundo.

Outra crítica respondida pelo governo brasileiro se refere às exigências de conteúdo local, com programas até já condenados nos tribunais da OMC. Para o governo, essa forma de descrever os programas não é correta e as medidas apenas visam promover a produção local e melhorias tecnológicas. Para completar, o Brasil insiste que seus programas de apoio à exportação estão “em linha com as obrigações internacionais”.

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